Nos últimos 12 anos, Portugal ganhou médicos, mas esses profissionais perderam remuneração.

Desde 2010, o número de médicos em Portugal tem aumentado gradualmente, sem nunca ter estagnado ou decrescido. Nessa altura, existiam 389 médicos para 100 mil habitantes. Hoje, esse número está quase nos 580, confirmam dados do INE.

Contudo, esta contagem é feita a partir do número de inscrições na Ordem dos Médicos e inclui os profissionais aposentados, o que justifica um incremento tão constante.

Além disso, os números da OCDE não fazem distinção entre os médicos aos serviço do Serviço Nacional de Saúde e do privado. Mas, segundo números do próprio SNS, no mesmo ano, em 2022, estariam ao serviço cerca de 21 mil médicos, sem internos.

Em 2021, Portugal era o segundo país da União Europeia com mais médicos por 100 mil habitantes, segundo dados da Eurostat, depois da Grécia, que contava com mais de 600.

Os médicos com especialidade em medicina geral e familiar portugueses ganham em média menos 1.700 euros do que em 2010 e os médicos de outras especialidades menos 1.200. É o que dizem os dados da OCDE sobre as remunerações médias mensais dos profissionais de saúde.

No final de 2022, um médico de medicina geral e familiar recebia, em média, 3.117 euros por mês e os restantes 3.230, quando, em 2010, ambos os salários superavam os 4.400 euros mensais.

É de sublinhar que, em 2022, ainda antes de ter sido declarado o fim da pandemia de Covid-19, os médicos de medicina geral e familiar perderam mais de 400 euros por mês e os especialistas cerca de 360.

Esta é a quarta maior queda da década, depois dos cortes salariais de 2012, 2015 e 2019 - o último apenas para os profissionais de medicina geral e familiar.

Eugénio Rosa explica à Renascença que devido a este decréscimos dos rendimentos, desde 2011, os médicos perdem 26% do seu poder de compra. O economista explica que a descida na remuneração média dos médicos se deve particularmente à progressão da carreira, que está "muito congelada".

Acrescenta ainda que com a aposentação dos médicos dos escalões mais altos, os profissionais mais jovens e os que ocupam os escalões mais baixos têm “muita dificuldade de progredir”.

Por essa razão, muitos médicos dos Serviço Nacional de Saúde optam, diz Eugénio Rosa, por completar o serviço no SNS com trabalhos em grupos privados de saúde, para complementar a sua remuneração, mesmo em estados mais avançados de carreira.

“Se não se consegue pagar melhor aos médicos e levá-los a dedicar-se mais ao SNS, a degradação é tremenda”

Um cenário negro em casa e lá fora

Mas não é apenas nesta queda salarial que o cenário é negativo para os médicos portugueses. Ao olhar para as remunerações médias dos médicos de outros países da OCDE, Portugal está nos lugares mais baixos.

Em Espanha, por exemplo, a remuneração média de um médico de medicina geral e familiar era, em 2022, superior a 76 mil euros brutos por ano, o que perfaz um salário mensal de cerca de 5.400 euros.

Já em Portugal, esta remuneração ronda os 43 mil euros para estes profissionais e está ao nível de países como o Chile (46 mil) e a Estónia (41 mil).

Em 2022, tendo em conta os dados disponíveis sobre as remunerações dos médicos especialistas, Portugal, que se fixou perto dos 45 mil euros anuais, equipara-se apenas à Croácia (49 mil). Na Estónia, os médicos especialistas recebem cerca de dez mil euros a mais por ano que os portugueses e no Chile a diferença atinge os 22 mil euros.

Mas é dos irlandeses que os portugueses estão mais longe, dentro dos países que já disponibilizaram os dados relativos ao último ano. Na Irlanda, um médico especialista recebeu, em 2022, quase 186 mil euros, cerca de 13 mil euros por mês, mais 9 mil euros do que um colega de profissão em Portugal.

Ao contrário da grande parte dos países da OCDE, em que os médicos especialistas tendem a receber mais do que os de medicina geral e familiar, esse não tem sido o caso em Portugal.

Apenas em 2021, a média salarial dos especialistas foi superior, e por uma margem residual, de cerca de 100 euros. Mas em países como Espanha ou a Estónia, os especialistas podem chegar a receber até dois mil e 500 euros por mês a mais do que os seus pares de medicina geral e familiar.

Salários acompanham a inflação? Contas dizem que não

Entre 2010 e 2022, Portugal registou uma inflação acumulada de 19.4%. Num cenário ideal, os salários seriam ajustados à taxa de inflação do ano anterior. Como é que esta evolução se manifestaria nos salários dos médicos de medicina geral e familiar e nos médicos especialistas?

Ao ajustar os salários destes profissionais à inflação, ambas as categorias teriam de ter sido recompensadas com aumentos na ordem nos 1.000 euros mensais, nos últimos 12 anos.

Contudo, em vez de, em 2022, um médico de medicina geral e familiar receber 5.907,38 euros mensais que ditava a inflação, recebeu um salário de 3.117,23 euros brutos.

Já os médicos especialistas, deveriam, feitas as contas, receber em média, 5.484,93 euros por mês, ao invés dos atuais 3.230,35 euros brutos mensais.