Legislativas 2024. Uma noite de nervos em que a mudança só chegou à 25ª hora

11 mar, 2024 - 05:35 • João Carlos Malta , Susana Madureira Martins , Tomás Anjinho Chagas , Filipa Ribeiro , Cristina Nascimento , Alexandre Abrantes Neves

A vitória da AD parecia conquistada com as primeiras projeções de resultados, apesar de a diferença para o PS ficar na margem de erro. Mas, com as horas a passarem, a luta foi quase voto a voto. Só quando Pedro Nuno Santos assumiu a derrota é que se respirou de alívio na coligação que junta PSD, CDS e PPM. O Chega, de André Ventura, fez história. E, à esquerda, o Livre foi a grande revelação.

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O júbilo com que as primeiras projeções de resultados das eleições legislativas foram recebidas na sede de campanha da Aliança Democrática (AD) parecia antever uma noite com um vencedor declarado, mas o evoluir da contagem dos votos transformou o que parecia uma vitória cantada numa disputa que só foi resolvida à 25.ª hora.

No hotel Epic Sana, em Lisboa, quartel-general da AD, só se respirou de alívio quando o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos subiu ao palco para assumir a derrota, perante um resultado que não dá muita margem de manobra a Luís Montenegro.

Ainda assim, o líder da AD subiu ao palco para pedir que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o chame ao Palácio de Belém e o indigite como primeiro-ministro.

Montenegro deixou também um apelo ao maior partido da oposição e ao partido que entrou no “campeonato dos grandes”: “A minha mais firme expectativa é a de que o PS e o Chega não constituam uma aliança negativa para impedir aquilo que os portugueses elegeram".

Há um novo parlamento a nove. O filme de uma noite espartilhada
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Numa repetição de um dos clássicos da campanha, o de saber se o "não" ao casamento com o Chega era para ser revogável quando fosse altura de subir ao altar, Montenegro voltou a reafirmar o que disse ao longo do último mês.

“Assumi dois compromissos na campanha eleitoral e, naturalmente, que cumprirei a minha palavra. Nunca faria a mim próprio, ao meu partido e à democracia portuguesa tamanha maldade que seria incumprir compromissos que assumi de forma tão clara", declarou.

PS atirou toalha ao chão, renasceu e acabou a assumir derrota

O PS também começou por seguir aquele que parecia ser o guião pré-escrito para a noite eleitoral e, meia hora depois das sondagens das televisões darem a vitória à AD, assumiram a derrota.

João Torres, diretor de campanha de Pedro Nuno Santos, defendia que, agora, cabia aos socialistas "liderar a oposição" e que o partido não iria criar "impasses constitucionais”.

Os socialistas deitavam assim a toalha ao chão, ainda a noite eleitoral estava a começar. Mas, voto após voto, o evoluir da contagem - quase sempre com uma diferença tangencial entre o PS e a Aliança Democrática - levou o primeiro-ministro cessante, António Costa, a saltar para a frente dos microfones.

Costa punha de novo o PS em jogo. Argumentou que havia um empate, faltavam os votos da emigração e, se calhar, a eleição não ficava resolvido este domingo.

Mas, numa noite em que os socialistas ainda salivaram por uma reviravolta, os resultados não deram para cantar vitória e Pedro Nuno Santos assumiu a derrota. "Não ganhámos as eleições. Não sei o que vai acontecer daqui a alguns meses. Vamos preparar a oposição, prepararmo-nos, renovar o PS, que está a iniciar uma nova fase".

Deste domingo, Pedro Nuno Santos saiu à espera de poder construir uma "nova maioria", num "novo ciclo" que agora começa. A aposta que está por trás desta estratégia é a de que os microciclos políticos funcionem a favor dos socialistas.

Ventura pressiona Montenegro

Mas, entre vitórias pífias, houve um grande vencedor da noite e esse, sem margem para dúvida, foi o Chega. Em suma, o partido de André Ventura fez crescer o grupo parlamentar em 36 deputados, num total de 48. Uma subida de 11 pontos percentuais em dois anos (18,06%).

Foram mais de um milhão de votos em todo o país e uma vitória histórica em Faro. É a terceira força política mais votada de sempre em eleições legislativas.

A moral dos números deu o mote a Ventura para dizer: "Acabou o bipartidarismo em Portugal".

Uma coisa parece certa: não há maioria absoluta de direita sem o Chega e o partido vai usar essa força ganha nas urnas para se impor perante a AD que permanece irredutível no "não, é não" de Montenegro.

"Haverá uma maioria clara entre o PSD e o Chega. Só um líder muito irresponsável deixará o PS governar quando temos na nossa mão a possibilidade de mudança", declarou André Ventura, insistindo na estratégia que encetou nas semanas de campanha.

Em quarto lugar nas eleições ficou o principal pretendente a coligar-se com o vencedor. E, por isso mesmo, Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal (IL), não perdeu tempo para ligar a Luís Montenegro.

Tive oportunidade de lhe transmitir pessoalmente os parabéns pela vitória que, aparentemente, a AD terá nestas eleições, mas não estando ainda os resultados fechados não é o momento de estarmos a elaborar cenários que não são ainda conhecidos", disse o líder da IL.

Sobre o crescimento do Chega, Rui Rocha não tem dúvidas de que a culpa é do PS. "O que falhou foi a governação socialista, se o país tivesse tido prosperidade, se os jovens não tivessem de emigrar, se a saúde funcionasse, se a educação funcionasse, não estávamos hoje com uma situação de descontentamento que é canalizada para as propostas populistas, quem falhou foi o PS, está claro".

A Iniciativa Liberal acabou por eleger os mesmos oito deputados do que há dois anos, mas tendo mais umas dezenas de milhares de votos.

Bloco resiste na “inegável viragem à direita”

Num resultado, que não deu espaço para grandes festas, o Bloco de Esquerda reconheceu uma “inegável viragem à direita” com os resultados provisórios, mas, Mariana Mortágua disse que, mesmo assim, o Bloco “resistiu”.

Os bloquistas vinham do pior resultado em duas décadas e, desta vez, mantêm o número de deputados apesar de terem subido o número de votos.

A porta-voz do Bloco disse ainda que podem contar com o partido para evitar um Governo que não seja de esquerda: “seremos parte de qualquer solução que afaste a direita do Governo.”

Em relação aos resultado da esquerda, Mortágua culpou o PS pelo “fracasso de dois anos de uma política desastrosa da maioria absoluta”.

“Mais duas semanas e isto piava de outra maneira”

Já Paulo Raimundo, secretário-geral do PCP, foi um dos primeiros a reagir às projeções e logo para ser responsável por uma das frases da noite ao dizer que “mais duas semanas e isto piava de outra maneira”, considerando que o partido enfrentou uma campanha onde nos procuraram sempre mandar para baixo. Partiram do princípio de que não íamos ter representação parlamentar”.

Raimundo ainda assim reconheceu que "o resultado da CDU, com a redução da sua representação parlamentar e uma percentagem abaixo do que alcançámos há dois anos, significa um desenvolvimento negativo, mas não deixa de constituir uma importante expressão de resistência”.

Se o Chega foi o grande vencedor da noite, à esquerda houve um partido com razões para comemorar. Talvez mesmo o único. O Livre de Rui Tavares passa a contar com um grupo parlamentar de quatro deputados e somou cerca de 130 mil votos a mais do que em 2022.

Com este resultado ficou com a mesma representação parlamentar que os comunistas e quase o mesmo número de votos (quase 200 mil).

Tavares garantiu que o partido "sabe crescer bem e com responsabilidade" e definiu como principal alvo o Chega, afirmando que quer "rebentar o balão" da extrema-direita.

O líder do Livre diz que o resultado mostra que "há espaço para uma esquerda verde europeia em Portugal".

O historiador avisou que estas eleições ainda deixam o país "na incerteza" quanto a cenários de governabilidade ou de configuração parlamentar, mas salientou que o partido fez uma campanha "com propostas e não com divisão, com amor e solidariedade" contra "o ódio", defendendo que esta estratégia provou ser "tão ou mais eficaz do que uma campanha baseada no medo".

Por fim, o PAN. No início da noite, chegou a pensar-se que o partido poderia sair da Assembleia da República. Tal não se confirmou.

Inês Sousa-Real permanece como deputada única. Ainda assim, a líder do PAN falhou o que tinha definido como o grande objetivo das eleições – a recuperação de um grupo parlamentar -, mas nem por isso teve uma derrota no discurso.

A porta-voz - a última líder partidária a ser eleita - preferiu reforçar a subida de mais de 35 mil votos do partido em comparação com 2022 e, num limbo entre o passado e o futuro, Sousa Real desviou as legislativas e colocou o foco no “bom resultado” na Madeira e na “esperança” para as europeias de junho.

Sousa Real voltou a não esclarecer o que o PAN vai fazer no Parlamento. Entre os valores “irrenunciáveis” e a necessidade de “proteger a democracia”, a porta-voz do PAN deixou apenas claro que Montenegro “matematicamente” não consegue governar sozinho.

Com menos lugares do que queria, o PAN estacionou pela quarta vez no Parlamento.

Agora, que estão contados quase todos os votos das eleições legislativas deste domingo - falta os dois círculos da emigração -, o futuro do país está nas mãos do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa vai começar a receber esta semana os partidos com assento parlamentar, num xadrez político complicado, apesar da vitória da AD.

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