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​Legislativas 2024

Desinformação “é um problema grave” e preocupa a Comissão Nacional de Eleições

30 jan, 2024 - 07:02 • Cristina Nascimento

Porta-voz da CNE, Fernando Anastácio, diz ser preciso mexer na lei eleitoral, dando o exemplo dos votos da emigração. Em 2022 houve irregularidades neste círculo, e isso “não pode voltar a acontecer”.

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A Comissão Nacional de Eleições começou o ano de 2024 a pensar que teria de organizar apenas as eleições europeias. O calendário político deu voltas e, a estas, somaram-se as regionais nos Açores e as Legislativas.

Em ano de “esforço suplementar”, Fernando Anastácio, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições, considera que são necessárias alterações legislativas em matéria eleitoral, nomeadamente sobre as regras dos votos da emigração. Em 2022 houve irregularidades neste círculo, problema que “não pode voltar a acontecer”.

Em entrevista à Renascença, o porta-voz da CNE mostra-se ainda preocupado com os níveis de desinformação, um problema “grave” que tem de ser alvo de reflexão na próxima legislatura.

Nas eleições europeias os eleitores vão poder votar em mobilidade total, mas o mesmo cenário não vai acontecer nas legislativas. Será possível, no entanto, votar antecipadamente, uma modalidade cada vez mais procurada, revela.

Esta é uma altura de muito trabalho para a Comissão Nacional de Eleições. Em seis meses, terão de pôr no terreno três atos eleitorais. A CNE está preparada?

De facto, estávamos a trabalhar para termos umas eleições, a 9 de junho, as eleições europeias. Tínhamos todo o nosso planeamento organizado em função disso, mas a vida é assim, surgiram subitamente as eleições dos Açores, que, no fundo anteciparam os meses relativamente ao calendário que estava previsto, e surgiram as eleições para a Assembleia da República. A questão não é saber se está ou não preparada. Há que resolver esta questão e estamos aqui a cumprir todas as nossas obrigações, a fazer tudo o que é necessário para que as eleições corram da melhor maneira possível.

Mas é uma sobrecarga para uma estrutura que não está dimensionada para este calendário…

É uma estrutura pequena, é verdade, melhorou um bocadinho nos últimos tempos, mas é uma estrutura pequena. É evidente que isto convoca um esforço suplementar, mas é preciso reconhecer que a CNE tem 50 anos de história, está muito ligada àquilo que é a nossa democracia.

Os cadernos eleitorais para as legislativas já estão fechados? Quantos são eleitores que vão ser chamados às urnas?

Não tenho presente o número, são mais de 10 milhões. Os cadernos eleitorais estão fechados porque a lei assim obriga: 60 dias antes das eleições fixa-se o caderno eleitoral. Mas estão em atualização permanente, recolhendo tudo o que são alterações que acontecem na vida das pessoas, mas a 60 dias do ato eleitoral, suspende-se essa atualização.

Através dos cadernos eleitorais, é possível identificar se há diferenças substanciais quer no número de pessoas que votam no círculo da emigração, quer de estrangeiros que adquiriram direito de voto em Portugal?

Não tenho essa informação para lhe poder dar, mas não há alterações substanciais, isso garanto-lhe que não, não há nenhum movimento anormal.

As legislativas de 2022 ficaram marcadas por problemas por causa do voto por correspondência da emigração e a necessidade do envio da cópia do cartão de cidadão. Para que não restem dúvidas, como é suposto acontecer este ano?

Ficaram marcadas, é facto, por uma realidade que não pode voltar a acontecer. Nós podemos concordar com a lei, discordar da lei, mas enquanto ela existir, temos de a cumprir. A competência para mexer na legislação cabe ao legislador. A lei é muito clara: diz que no voto por correspondência, o voto deve vir dentro de um subscrito que, por sua vez, é colocado dentro de outro subscrito, onde, conjuntamente, se mete uma cópia do cartão de cidadão e o envelope com o voto lá dentro. Quando é aberto o envelope exterior, verifica-se que aquele envelope vem acompanhado de um cartão de cidadão e o outro envelope é metido numa urna, anonimamente. Não há qualquer possibilidade, quando esse segundo envelope for aberto, saber quem é que votou. Isso é uma preocupação que as pessoas têm, e desfaço-a aqui. Isto é o que a lei obriga.

Admito que o legislador podia ter mudado essa questão nestes dois anos, admito que até teria esse objetivo. Não o fez, entretanto, nos primeiros dois anos, portanto, a legislação é a que tínhamos.

Acha que houve um certo desleixo por não ter sido acautelada esta matéria?

Não, não quero ser injusto. Tínhamos um calendário previsível de quatro anos que foi interrompido. O Parlamento até tinha criado uma comissão específica para a revisão do sistema eleitoral, portanto, admito que seria essa a vontade, mas os tempos da política sobrepuseram-se. Talvez fique como lição para a próxima legislatura tratarem deste assunto com mais urgência…

Queria chamar a atenção para uma questão muito importante: temos um ativo extremamente importante na nossa democracia, os resultados das nossas eleições, com 50 anos, nunca foram postos em causa, são confiáveis. Isto é um ativo tremendo. Não há nenhum ator eleitoral, de nenhum partido, que questione os resultados das nossas eleições. Temos de preservar isto e, portanto, questões como estas, descredibilizam e não podemos permitir que elas aconteçam.

Quanto aos residentes em Portugal, vai haver voto antecipado. Quais vão ser as regras para as legislativas?

Para as legislativas vão ser rigorosamente as mesmas que foram da outra vez. Há, na mesma, o voto antecipado para aquelas situações que estão definidas na lei: as pessoas doentes, os que estão presos, e os deslocados no estrangeiro por razões especiais, que estão em certo tipo de funções. Haverá também o chamado voto em mobilidade, que tem vindo a crescer muito significativamente: a possibilidade dada a quem sabe que, naquele dia, não vai estar no seu círculo eleitoral, poder fazer um requerimento para votar na semana anterior no sítio onde está. Isso vai acontecer naturalmente.

O voto antecipado tem crescido de uma forma muito significativa e os municípios também estão organizados no sentido de criar mesas de voto especiais para esse mesmo dia e, portanto, neste momento, não há nenhum indicador que nos permita dizer que as coisas não vão correr bem.

Para esse voto antecipado, vão estar criadas mais mesas de voto?

Sim, penso que haverá uma leitura e uma avaliação de como é que a situação está a evoluir. Tivemos alguns constrangimentos, por exemplo, em Lisboa, da primeira vez, mas depois melhorou substancialmente. Ninguém quer - desde a mais pequena junta de freguesia, no ponto mais recôndito do país, até à capital - que estas situações corram mal.

Quem quiser votar com uma semana de antecedência, o que precisa fazer?

Há um período que está previsto na legislação para fazer o requerimento. Essa manifestação de intenção de votar antecipadamente deve ser feita entre o dia 25 de fevereiro e o dia 29 de fevereiro. O requerimento deve ser feito por via eletrónica para a Secretária-Geral. Há uma plataforma onde as pessoas se inscrevem. Se por alguma razão não puder votar nesse dia, nada impede que vá à mesa onde está recenseada, no dia 10 de março.

Sempre que nos aproximamos de eleições debatemos as questões da participação e o voto eletrónico é sempre apontado como indispensável para ajudar a diminuir o nível de abstenção. Porque é que ainda não há voto eletrónico?

Cabe à Assembleia da República definir essa matéria. É evidente que eu não tenho dúvidas de que as ferramentas informáticas, as tecnologias, estarão e já estão nas eleições. Elas vão ser uma ferramenta para nos facilitar ou no voto, ou no escrutínio ou no recenseamento. Agora há dois fatores que são essenciais para a credibilidade das eleições: a confiabilidade do voto e a garantia da pessoalidade de voto, ou seja, que a pessoa, quando exerce o direito de voto, fá-lo de uma forma livre, sem qualquer constrangimento.

É evidente que a votação presencial, perante uma mesa eleitoral, garante-nos isso e permite-nos a confiabilidade do escrutínio. Claro que isto cria ao cidadão um encargo adicional, que é deslocar-se à sua mesa de voto. Há dificuldades, dificuldades de mobilidade, há até predisposição. Provavelmente seria mais fácil para a pessoa ter um telemóvel e votar. Mas as experiências que temos a nível europeu, tirando um caso de um país na Europa onde isso acontece, é que alguns países que já tiveram experiências, como a França e a Holanda, regrediram um pouco.

Agora, que a questão vai chegar, vai. Se é na urna, se é de uma outra maneira, ainda não sabemos. Mas para a Comissão Nacional de Eleições, a questão não é saber como, é essencialmente ter a garantia da confiabilidade do sistema. É uma matéria para discussão.

Para quem acompanha estas matérias, parece que nos últimos tempos houve algum abrandamento na defesa do voto eletrónico, muito possivelmente ligado também aos escândalos internacionais relativamente à segurança dos dados. Acha que estamos mais longe do voto eletrónico do que estávamos há meia dúzia de anos?

Não digo que estamos mais longe, estamos mais cientes das preocupações, isso sim. Temos exemplos internacionais que nos levam a refletir e a ter até algumas reservas e, nesse sentido, acompanho-a nessa leitura que estamos um pouco mais longe. Mas, por outro lado, também estamos mais perto, do ponto de vista da necessidade de encontrar alternativas. É neste balanço entre uma coisa e outra que se há-de encontrar a resposta, mas as questões da confiabilidade e da pessoalidade do voto são extremamente importantes e são necessárias garantir para que o sistema não seja posto em causa.

Em atos eleitorais anteriores houve algumas experiências-piloto com voto eletrónico. Vai acontecer algo semelhante este ano?

Não estão previstas. Vamos ter uma inovação, não nas legislativas, mas sim nas europeias. Hoje temos disponíveis os cadernos eleitorais desmaterializados, a legislação das europeias vai permitir que um cidadão vote em qualquer sítio, sem fazer nenhum requerimento prévio, sem nada. Se, por acaso, estou em Bragança no dia 9 de junho, com toda a facilidade posso ir a uma mesa e votar, apesar de estar recenseado em Lisboa.

Vai perguntar-me: ‘Por que é que isto não acontece nas legislativas?’ Porque a lista para as eleições europeias é uma lista única e o boletim de voto é o mesmo em todo o país. Nas legislativas, o boletim em Lisboa não é necessariamente igual ao do Porto: há partidos que concorrem num círculo e não noutro, e os boletins de voto não são iguais. Seria materialmente impossível ter, em cada uma das mesas do país, os boletins de voto de todos os círculos eleitorais para responder àquele cidadão. E levantaria problemas de confidencialidade. É essa a razão, é uma questão técnica, mas também acho que, com tempo, irá encontrar-se uma solução técnica para o efeito.

Se esta legislatura durar os quatro anos, talvez nas próximas?

Espero que sim. Quatro anos é um bom tempo para trabalho, por isso é que se criou a figura dos quatro anos para o mandato parlamentar. Às vezes há situações anómalas, mas isso é da vida.

A desinformação é um problema cada vez mais evidente e a realidade de outros países mostra-nos que pode desvirtuar resultados eleitorais. A CNE vai estar atenta a este fenómeno? Tem forma de atuar, de fiscalizar?

A CNE está muito atenta a esse problema. Com a inteligência artificial fazem-se coisas tremendas do ponto de vista da manipulação. Estamos preocupados com isso, e temos acompanhado o tema que se liga muito com a comunicação social. Temos um problema grave que é o peso das redes sociais, que são órgãos relativamente desregulados. A única coisa que têm são as políticas corporativas das entidades gestoras das plataformas. Não digo que não façam um esforço, fazem, acredito que sim, mas é o único meio de filtragem que temos. A única forma que temos de intervir, que a lei permite, é através de uma intervenção jurisdicional. Num contexto eleitoral por vezes isto é difícil, considerando a morosidade. Há que encontrar mecanismos expeditos.

É uma preocupação e nós estamos a acompanhá-la, do ponto de vista dos nossos procedimentos dentro do enquadramento da legislação eleitoral, nos contactos regulares que fazemos com gestores de plataformas, com órgãos de comunicação social, com a Entidade Reguladora da Comunicação Social. É uma prioridade que nos convoca a refletir sobre ela e que nos convoca a, se calhar na próxima legislatura, discutir que também os partidos políticos olhem para esta matéria.

Estamos preocupados, estamos atentos, temos iniciativas, mas essencialmente são iniciativas de natureza colaborativa.

De acordo com as regras, após marcação de eleições não é possível fazer propaganda patrocinada. A CNE consegue controlar esta realidade e multar o Facebook, por exemplo?

Os gestores das plataformas são rigorosos nessa matéria. Mas, independentemente de o serem, há uma questão de igualdade. A CNE não tem capacidade para fazer como o Supremo Tribunal Eleitoral brasileiro e estar a monitorizar, em permanência, as redes sociais. Não tem essa capacidade. Se tivéssemos a veleidade de o fazer, provavelmente chegávamos a uns e não a outros, e haveria o risco de nos criticarem porque estávamos a ter um juízo crítico em relação a uns e não a outros. Portanto, funcionamos por “input” dos cidadãos ou dos partidos. Quando nos chegam essas situações, analisamos. Se encontramos situações desse género, aplicamos as sanções que são da nossa responsabilidade aplicar. Aquelas que são sancionados criminalmente são remetidas para o Ministério Público.

No dia de reflexão, e no dia de eleições, as publicações no Facebook não podem ter um caráter universal. A CNE consegue gerir?

Nesse caso é crime. A CNE não consegue ir direto pela plataforma, porque não tem mecanismos em tempo útil para pedir à plataforma para retirar. O que fazemos é que, como muitas vezes são pessoas perfeitamente identificáveis, candidatos e coisas do género, fazemos injunção direta e contato direto no sentido o conteúdo ser retirado e, muitas vezes, esse assunto é resolvido. É crime fazer propaganda no dia de reflexão ou em dia de eleição e é sancionado no nosso regime contraordenacional.

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