Transparência Internacional Portugal

Margarida Mano. “Não basta ter uma estratégia anticorrupção. Ela tem é de ser atuante"

30 jan, 2024 - 12:05 • André Rodrigues

Presidente da secção portuguesa da Transparência Internacional confirma que Portugal regista o pior resultado no Índice de Perceção da Corrupção desde 2012.

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TER MARGARIDA MANO entrevista

Em declarações à Renascença, Margarida Mano admite que a perceção pública de corrupção e de falhas ao nível da integridade política dos decisores é o resultado da ineficácia dos mecanismos para combater o fenómeno. Muitos deles existentes, mas não regulamentados. Contudo, Margarida Mano diz ser importante que “a corrupção venha à luz do dia”, sobretudo nos casos mediáticos que envolvem decisores políticos. Para transmitir à sociedade a noção de que a justiça, apesar de lenta, está a fazer o seu trabalho.

O Índice de Perceção da Corrupção indica que Portugal continua a não avançar na prevenção e no combate a este fenómeno e que persistem falhas ao nível da integridade na política. É só uma perceção dos inquiridos? Ou a visibilidade mediática dos recentes casos de corrupção envolvendo políticos vem confirmar essa leitura que a sociedade faz?

Este índice vem reforçar aquilo que, nos últimos anos, tem vindo também a ser indicado. Isto é: Portugal é um dos países da Europa em que se registam falhas ao nível da integridade política e, portanto, aquilo que o índice vem evidenciar é que esta é uma tendência que, ao invés de se ver algum sinal de reversão, continua e permanece com Portugal a num valor inferior ao da média europeia.

Mas isso é um sinal de que a estratégia nacional de combate à corrupção não está a ser eficaz?

Este índice lê várias coisas. Por um lado, a situação do país, ao nível de determinadas medidas que existem, ou, existindo se são eficazes ou não. Obviamente, o que o índice revela é que não basta ter uma estratégia anticorrupção. Ela tem é de ser atuante.

Em que domínios?

Aqui em Portugal, na necessidade de serem reforçadas as regras relativas aos conflitos de interesse, normas éticas, transparência do exercício público e lobbying.

Tudo aspetos evidenciados por estes processos judiciais mais recentes. Da Operação Influencer, às suspeitas de corrupção na Madeira, também a Operação Marquês cuja acusação foi recuperada praticamente na íntegra. Isto é um sinal de que o sistema funciona bem ou, no contexto do período eleitoral, poderá aqui haver uma tentativa de mostrar serviço?

O importante, de facto, é que o Estado de Direito, a justiça, o poder legislativo e o poder executivo funcionem e que sejam independentes. Embora seja profundamente triste esta sucessão de casos que surgem à luz do dia por via da justiça, elas são também um sinal de que a justiça está a fazer o seu trabalho. Obviamente, é um processo que é longo, mas, no final, determinará exatamente o funcionamento da justiça.

De resto, a questão dos sistemas da justiça, é também enunciada neste índice que reflete a realidade para 180 países. E a ideia chave que é realçada é a de que o enfraquecimento dos sistemas de justiça deixa a corrupção sem controlo.

Portanto, de facto, sim, a nível europeu, é mais reforçada a questão da integridade política. Em termos mundiais, a média está nos 43 pontos. Portanto, mais de dois terços dos países do mundo, dos 180 analisados, têm uma pontuação abaixo de 50.

Portanto, a ideia de que a justiça é fundamental num Estado de Direito para combater a corrupção é uma das leituras fortes do índice.

Em Portugal, obviamente que nos desagrada profundamente a existência de situações de corrupção, que nos acordam diariamente para surpresas inesperadas. Mas é muito importante que a corrupção venha à luz do dia e que haja uma análise e um sistema de justiça a funcionar.

Pior seria que a corrupção grasse sem que nos apercebamos disso. É, de facto, uma moeda com duas faces.

Embora seja profundamente triste esta sucessão de casos que surgem à luz do dia por via da justiça, elas são também um sinal de que a justiça está a fazer o seu trabalho.

Quando diz ser necessário afinar aspetos da estratégia anticorrupção, e que não basta ter uma estratégia - é preciso que ela seja atuante e eficaz - em que domínios particulares seria mais urgente reforçar mecanismos?

Portugal já tem o Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC) e a Entidade para a Transparência, que já foram criados. Mas, de alguma forma, há demora para que se veja a sua implementação.

Mas há, também, que atuar de forma cruzada, consistente e persistente em áreas que são fundamentais: conflito de interesses, pegada legislativa, isto é, como são feitas as leis, o que intervém, quem participa – e aí nada foi feito.

Também o financiamento dos partidos, os conflitos de interesses, o fim das portas giratórias, a nomeação dos governantes de altos cargos públicos, o respeito pelas recomendações do GRECO nos diferentes ciclos de avaliação por cumprir.

Portanto, nós temos um conjunto de áreas que são críticas e que carecem de regulamentação ou, em muitos casos, nem carecem de regulamentação, mas carecem dos instrumentos, ou que os instrumentos funcionem. E, nos casos em que os mecanismos funcionem, serem acompanhados, monitorizados, compreendidos e se estão a cumprir os seus objetivos.

Portanto, tem de haver um compromisso político muito forte e uma ação concertada em recursos, e que se traduz no bom zelo da atuação por parte de quem tem responsabilidades nas diferentes áreas do Estado de Direito.

No aspeto particular da integridade política, é preciso começar por algum lado. E há quem defenda que o poder local é um bom começo. Concorda?

As camadas de atuação são várias. O local é claramente uma área importante, mas nós vamos ter agora, por exemplo, as eleições legislativas. É muito importante que haja um compromisso da parte dos partidos naquilo que assumem que farão no Governo para zelar pela integridade política.

Portugal fez tem feito vários reptos: nas eleições de 2022, fez um caderno de encargo para os partidos, fará agora um novo caderno de encargos que vai sair proximamente.

Nas autárquicas, fez o compromisso do bom autarca, o conjunto de itens em que quem quisesse aderiria, e houve bastantes atenções relativamente a um compromisso sobre o que fariam quando chegassem [ao poder].

Portanto, eu penso que esta luta é uma luta de todos: autarcas, deputados, ao nível da justiça e das forças de segurança e ao nível da sociedade civil, que também tem de ser permanentemente exigente, atenta, atuante.

Para isso, obviamente, num Estado de Direito, tem de ser também protegida e incentivada no seu papel de zelo por aquilo que é a coisa pública e o bem público.

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  • Petervlg
    31 jan, 2024 Trofa 08:48
    Estratégia anticorrupção? Cada vez existe mais corrupção é por mais evidente, este novos políticos da direita a esquerda, são o exemplo. Quando criaram carreiras politicas, é isto que dá, maior parte dos deputados nunca trabalharam na vida, não sabem o que é trabalhar. Em Portugal, quem quer ganhar dinheiro, muito dinheiro, em pouco tempo, vai para a politica.

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