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Quem é Fabrizio Romano, o “guru das transferências” que tem quase 60 milhões de seguidores

01 set, 2023 - 08:30 • João Carlos Malta

No dia que marca o fecho do mercado de transferências, conheça uma das figuras mais influentes do mundo no que toca à compra e venda de jogadores. Um homem que diz que trabalha 20 horas por dia para nada lhe escapar nas principais movimentações entre clubes. Faz milhões de euros e gera milhões de euros. Esta estrela do jornalismo mundial não está, no entanto, a salvo das críticas.

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Pode apenas um jornalista centralizar centenas de notícias sobre transferências de jogadores a nível mundial? Pelos vistos sim, mesmo num mercado ultracompetitivo. O nome do novo oráculo é Fabrizio Romano, um repórter italiano, nascido em Nápoles, que cresceu profissionalmente em Milão e que é hoje uma marca a nível global. É citado em órgãos de comunicação social de vários países como fonte segura para negócios entre clubes.

Passo a passo, mas consistentemente, quem segue o mercado de transferências de jogadores — que fecha esta sexta-feira nos principais campeonatos europeus — familiarizou-se com o nome de Romano. Com apenas 30 anos, são muitas as notícias que se leem em jornais desportivos, e não só, que o incluem como fonte privilegiada para a compra e venda de futebolistas. Rapidamente ganhou o cognome de “guru das transferências”.

A relevância do jornalista é tanta que a esfera de influência já vai além das trocas de atletas entre clubes. Algumas estrelas como o português João Félix já o procuram quando querem “mandar recados” para dentro do clube em que jogam. Nesta pré-época, foi através de Romano que o atacante formado no Benfica disse que tinha o sonho de jogar no Barcelona.

E não é incomum que quando anuncia uma saída ou entrada de um jogador, o próprio retweet a publicação do jornalista ou reaja com emojis.

Milhões e milhões de seguidores

O italiano está a construir um império. Em pouco mais de dois anos, tornou-se uma referência. Ele personifica o tempo em que vive ou não fosse ter já criado nas redes um verdadeiro séquito de seguidores. Percebeu rapidamente que é ali que se marca o ritmo atual das notícias e que era lá que tinha de fazer a aposta mais forte. O canal do Youtube tem já dois milhões de subscritores, conta com 24 milhões de seguidores no Instagram, e no X (ex-Twitter) são já 18,5 milhões. No Facebook são 13 milhões de fãs. Tudo junto, em números redondos, são quase 60 milhões a seguir tudo o que ele escreve e diz. E a fama dá também proveitos.

Há pouco tempo, um utilizador da rede social de Elon Musk decidiu fazer as contas, utilizando a aplicação 'Notus', que calcula através de um intrincado algoritmo o valor que cada conta fatura mensalmente, já contabilizando anúncios e patrocínios. Chegou à conclusão de que, só ali, Romano fatura por ano perto de um milhão de euros.

É uma estrela que diz já não passar despercebido na rua, há até fãs − que tal como fazem com os craques sobre os quais escreve − lhe pedem para tirar fotografias e para fazer vídeos.

O presidente da Associação de Jornalistas de Deporto (CNID), Manuel Queiroz, explica que Fabrizio Romano é produto de um cosmos, o das transferências de futebol em Itália, que, mais do que em outros países, garante, agita e move multidões muito para além do tempo em que a janela de transferências está aberta.

Uma referência mundial que envolve muitos interesses

Num subtema do jornalismo desportivo, o das transferências, que é por norma “muito especulativo”, Queiroz diz que este jornalista tem algo que não é fácil de conquistar: “a qualidade de informação e a segurança na informação”. Ainda para mais “num mundo polvilhado de vários interesses”.

“Esse é o lado que que mais me impressiona. Há um amigo meu que diz que o Fabrizio Romano, que eu não conheço pessoalmente, é um fenómeno. É visível que é um tipo que trabalha imenso, que tem imensas fontes de informação e, portanto, que consegue ter boa informação”, resume.

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"O Fabrizio Romano tem uma coisa que não é fácil ter, neste tema, qualidade na informação e segurança na informação. E isso é o que mais me impresssiona. É um fenómeno", Manuel Queiroz, presidente da Associação de Jornalistas de Desporto.

Os milhares de citações que coleciona em media tradicionais devem-se, segundo Manuel Queiroz, ao facto de “uma, duas, dez vezes ter dado provas de que a informação é boa”. “O jornalista vive de credibilidade e ele ganhou nesse campo”, remata.

Tudo isto, num mercado dominado por um grupo restrito de agentes − que representam os jogadores − que controlam boa parte de tudo o que se passa. Só entrando nesse núcleo se pode desbloquear a chave de muitos negócios. Terá sido isso que este jovem transalpino conseguiu.

O diretor desportivo José Botto, com passagem pelo Benfica, Shakthar Donetsk e PAOK, diz que Romano “é o homem mais importante no Twitter, até à frente do Elon Musk”. “Criou uma imagem de pessoa que conhece muito bem o mercado e de facto com informações que não falham”, reconhece.

"Fabrizio Romano, que eu não conheço pessoalmente, é um fenómeno. É visível que é um tipo que trabalha imenso, que tem imensas fontes de informação e, portanto, que consegue ter boa informação", diz Manuel Queiroz, presidente da Associação de Jornalistas de Desporto.

Botto descreve a mecânica do trabalho de Romano. A relevância que construiu atribui-lhe uma importância muito grande no mercado para “questões de marketing, para promover jogadores e alguma possível transferência”. “Ele é muito usado pelas pessoas envolvidas ao mercado para isso”, sublinha. “Em contrapartida tem informações em primeira mão”.

Como qualquer marca mundial, também Romano tem a sua frase-chavão, que todos no meio em que se move ligam imediatamente ao jornalista. São três palavras: “Here we go” (Aqui vamos nós). Quando o escreve, isso quer dizer que o negócio vai mesmo acontecer. E para muitos que o seguem, um selo de garantia de que a notícia se vai confirmar.

Mas como em muitos dos fenómenos planetários, o reconhecimento e o prestígio trazem as críticas acopladas. Há quem se dedique nas redes sociais a desmontar a alegada “fraude” que é o trabalho de Romano. Sustentam que ele “rouba” notícias a outras fontes e que faz vários vídeos sobre cenários possíveis de uma determinada transferência para depois publicar rapidamente aquele que descreve o que acabou por acontecer. Ou denunciam ainda que muitos dos negócios que dá como certos nunca se chegam a concretizar.

"Criou uma imagem de pessoa que conhece muito bem o mercado e de facto com informações que não falham”, José Botto, diretor desportivo.

O reconhecimento da importância deste jornalismo é tanto que já se publicam trabalhos académicos sobre ele. Na plataforma MDPI, sediada na Suíça, Simon McEnnis, da Universidade de Brighton, apesar de fazer muitos elogios deixa algumas dúvidas éticas sobre a relação do jornalista com a publicidade.

“A construção da marca jornalística ficou evidente nos retweets do seu trabalho noutras plataformas e nas interações com seguidores [….] Um tweet indicou que a publicação de Romano era publicidade, embora os retweets de Sorare e da Hisense não separassem claramente o que era publicidade do que era editorial. Isso poderia ter sido abordado com um comentário no retweet para indicar sua natureza comercial. O uso do chavão ‘Here We Go’ de Romano pela Hisense Sports sugere que ele é empregue tanto como slogan publicitário quanto jornalístico”.

Como tudo começou

A história de Romano com o futebol tem um primeiro autor, o pai Luigi. Um grande fã do desporto rei que desde criança trouxe o filho para junto dos campos de futebol. Em jovem, o pequeno Fabrizio percebeu que não tinha talento para ser um Cristiano Ronaldo ou um Messi e o jornalismo abriu-se como a porta privilegiada para estar perto da paixão de sempre. E foi cedo que começou. Aos 16 anos, já escrevia para um pequeno site de notícias.

Mas a primeira vez que percebeu que podia ter alguma coisa valiosa entre mãos foi quando conseguiu dar em primeira-mão a saída de Lorenzo Insigne, mítico atacante do Nápoles, uma lenda na cidade em que nasceu e cresceu. O jogador seguiu para o Toronto. “Pensava que era impossível chegar a este nível”, disse Romano numa entrevista.

Mas o primeiro grande furo, como o próprio confidenciou, foi a saída de Mauro Icardi da Sampdoria para o Inter de Milão, em 2013. Uma história com uma história por detrás. Romano conta que foi como colher um fruto maduro. A “cacha jornalística” começou a construir-se muitos anos antes, quando o jogador tinha apenas 18 anos e saiu da academia do Barcelona para a Sampdoria. A notícia do jornalista ajudou o empresário a manter a ligação ao atleta e Romano manteve sempre o contato com o agente. Anos mais tarde, ele pagou essa dívida ao repórter com um exclusivo.

Rapidamente, Fabrizio deixou de ser apenas um jornalista local a dar notícias sobre o mercado italiano e passou a bater a concorrência no estrangeiro, mesmo em transferências que envolviam futebolistas locais e estrelas mundiais de outros países.

Daí até se tornar uma celebridade foi um passo, mas diz manter a calma e os pés assentes na terra. “Sinceramente, não sinto a pressão”, afirma Romano, no início deste ano ao site “Sportingnews” do Reino Unido.

“Sei que, graças às redes sociais, cada palavra minha tem um impacto mundial no futebol, mas ao mesmo tempo acredito que é certo, com humildade, lembrar que sou apenas um jornalista e que o futebol é apenas um jogo. Quem realmente tem poder e pressão são aqueles que fazem trabalhos muito mais exigentes do que o meu. Ser jornalista do mercado de transferências é um trabalho stressante, difícil, mas bonito”, avança.

As críticas

Na mesma entrevista esforça-se por dizer que é um “tipo normal”. “Tudo no meu mundo é mais simples do que possam pensar, sou mesmo um tipo como todos os outros”, analisou.

“Cada palavra minha tem um impacto no futebol mundial [...] Sinceramente, não sinto a pressão”, Fabrizio Romano, jornalista especialista em transferências.

Mas quando se tem o exclusivo mundial da saída do galáctico Zidane de treinador do Real Madrid, essa imagem parece não ser real. "Dei uma notícia exclusiva sobre o técnico do Real Madrid, sobre uma lenda do futebol como Zidane!' Uau", disse ao mesmo site.

Ainda assim, nem todos os movimentos de mercado que noticia são isentos de critica. Um dos casos mais marcantes no último mercado de transferências foi a história de Marc Cucurella em Inglaterra.

O acordo com Marc Cucurella foi algo inesquecível para mim”, recordou Romano ao site “Fourfourtwo.com”. “Foi provavelmente a melhor história da minha vida em termos de transferências.”

Tal como em qualquer outra transferência, ele anunciou que o Brighton venderia Cucurella para o Chelsea e que um acordo era iminente. Incrivelmente, os “Seagulls” divulgaram um comunicado para negar, referindo-se a “notícias imprecisas”. Isso ameaçou a reputação de Romano. “Ainda me lembro dos sentimentos que tive – era como uma montanha-russa”, lembra.

Muitas pessoas atacaram-me, mas eu tinha 100% de certeza no que estava a dizer e confiava nas minhas fontes envolvidas nesta história”, detalha.

Romano diz que manteve a calma e dois dias depois a informação que tinha avançado confirmou-se. “Sinceramente, foi o melhor momento da minha carreira”, explicou o italiano ao mesmo site.

“Pela primeira vez, senti que algo estava acontecendo comigo em relação à transferência – não apenas a divulgação, mas o grande impacto nas redes sociais”, lembra.

No entanto, não são poucos aqueles que nas redes sociais Youtube, Reddit ou Twitter tentam desmascarar Romano. Há vários vídeos em que, alegadamente, se desmonta a forma de trabalhar do italiano, que dizem, muitas vezes, apenas repetir o que outros jornalistas já deram.

Há quem escreva que nunca viu um jornalista com tão boa “imprensa”, e quem o acuse de não ser sequer jornalista porque não tem de cumprir algumas das regras fundamentais de quem está numa redação.

Também não falta quem lhe aponte vários fracassos e “muitas informações erradas”, bem como o “apagar de tweets” quando não acerta nas transferências. As vendas de Gini Wijnaldum, Adrien Rabiot e Reguillon são dados como alguns dos casos em que a reputação do jornalista ficou afetada.

Em relação a estes ataques, o repórter falou a “Fourfourtwo”. Contou que até telefonou para o que apelidou de “trolls” para discutir o que eles disseram sobre ele.

“Acho que deveria haver algum tipo de respeito”, relatou. “É muito importante ter respeito. É muito fácil dizer essas coisas no Twitter, mas tenho certeza de que nunca fariam isso se nos encontrássemos na rua”, sublinha.

Trabalha 20 horas por dia

À mesma publicação, disse que trabalha "20 horas por dia”, “todos os dias”. É duro? “É difícil em termos de tempo, mas este é um trabalho de sonho. Estou a trabalhar no futebol. Este é meu sonho”.

José Botto confessa que não o conhece pessoalmente, mas que já falou com ele várias vezes por telefone. A ideia com que fica é que o italiano “tem uma capacidade de trabalho enorme”. “Ele quase não dorme, dá notícias 24 horas por dia”.

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"Acaba por ter uma importância muito grande no mercado para questões de marketing, para promover jogadores e alguma possível transferência. É muito usado pelas pessoas envolvidas no mercado para isso”, José Botto, diretor desportivo.

Num mercado que move valores inimagináveis, e que vive de comunicação e imagem, um homem com o relevo de Fabrizio Romano trona-se também um ativo. “Alguém que tem esta preponderância é obviamente um ‘player’ importante para os outros. Ele influencia o curso de algumas coisas pela sua credibilidade”, explica o presidente do CNID, Manuel Queiroz.

Pode ser por isso alvo de tentativas de manipulação? “Sim”, diz. Mas aí “entra a arte do jornalista e a necessidade de que tem de dar informação correta para ser relevante”.

Para quem, como José Botto, trabalha no mercado de transferências é uma figura tão importante que o que diz “é lido por milhões e milhões de pessoas”.

O que ele escreve vale dinheiro? José Botto sorri e relata: “Sim, mas acho vale mais para ele do que para os outros. Mas acaba por ser uma figura tão importante e toda a gente querer ter boas relações com ele, e por isso tem informação privilegiada, não sendo normal um jornalista ter uma taxa de acerto tão grande como ele”, sublinha,

O representante dos jornalistas desportivos portugueses concretiza que Romano aparece num tempo em que os repórteres têm dificuldade em ver o seu “trabalho pago conforme deveria ser” e são obrigados a “reinventar-se”. Para isso, encontram novas formas para trabalhar e o italiano é talvez o mais visível representante desta “nova era do jornalismo em nome próprio”.

Manuel Queiroz lamenta a “perda do efeito de redação” que é “muito grave para o jornalismo”, por esta ser uma atividade que trata de algo fundamental para as sociedades modernas “a informação”. Por isso, quanto mais pessoas houver juntas num espaço, “mais pessoas há para discutir abordagens, discutir casos e ser mais sério”. “Tudo isso está ameaçado com as redações mais debilitadas”, avisa.

Ainda assim, Manuel Queiroz é otimista em relação ao futuro, porque os repórteres freelancers vivem ainda mais da credibilidade, por não terem uma redação ou organização por trás. “É ele [Fabrizio Romano] que é posto em causa diretamente [se falhar]”.

Aliás Simon McEnnis, da Universidade de Brighton, no trabalho que fez sobre o jornalista italiano, não tem dúvidas em concluir que “Romano está a profissionalizar a atividade do jornalismo desportivo e contribuir na mudança da subjetividade para a objetividade e a colocar o foco nas notícias e não na opinião”.

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