03 abr, 2024 - 22:20 • Hugo Tavares da Silva
Esta história faz lembrar um conto de Osvaldo Soriano, alojado no livro “Fútbol”, sobre o penálti mais longo do mundo. Passou-se em 1958 num “lugar perdido” de Valle de Rio Negro, num estádio vazio e numa espécie de dérbi quentinho entre Estrella Polar e Deportivo Belgrano.
A trama envolve um árbitro com azar, Constante Gauna, o marcador do penálti, Gato Díaz, o guarda-redes que tinha supostamente um amor prometido à espera caso defendesse aquela bola, e até espionagem no bairro alheio.
Enfim, a narrativa é divina, mas apontemos ao Estoril Open. Esta quarta-feira, Cristian Garin e Jurij Rodionov entraram no principal court do torneio português para fecharem uma partida que começara pelas 20 horas… de segunda-feira. A chuva interrompeu o jogo que já se jogava de noite e na terça-feira o céu chorou tanto que não houve qualquer atividade nos courts.
Os tenistas, profissionais da seriedade, aqueceram como se estivessem perante uma maratona. Os que torravam ao sol estavam ali por duas razões, uma mais que outra: ver o prodígio brasileiro João Fonseca, que acabou por cair, e o português João Sousa, que, apesar de uma grandíssima exibição, perdeu contra Arthur Fils e disse adeus ao ténis.
Portanto, Garin, que seria empresário se não fosse atleta, e Rodionov tinham assuntos para tratar, mas estavam longe de ser uma ideia sedutora para o povo. O chileno talvez tenha percebido essa vicissitude que alguma vez acaba por nos tocar na vida, que é tentar atrapalhar o menos possível, então fez o que pôde: ganhou os três jogos e fechou o set com um 7-5, assim mesmo sem contemplações, o que juntou à vitória no tiebreak no primeiro set, na segunda-feira.
Conclusão: o jogo entre estes dois tenistas começou pelas 20 horas de segunda-feira e terminou apenas às 16h10 de quarta-feira. Ou seja, entre o início e o fim da labuta artística viveu-se um dia, 20 horas e 10 minutos. Ou 44 horas. Ou 2.650 minutos. Ou 159 mil segundos.
A Cristian Garin bastaram 10 minutos para fechar o encontro e seguir para a segunda ronda do Estoril Open, deixando assim felizes os que só queriam ver João Sousa.
O que diria Soriano sobre este incidente? Passou-se em 2024, o jogo de ténis mais longo do mundo (do Estoril Open, claro), num lugar ventoso onde a derrota, impiedosa, espreita com malícia, num estádio a salivar por outros vultos e outras sombras e outras pancadas na bola.
A trama é das boas, embora permaneça no campo do mistério o que os tenistas fizeram enquanto as nuvens molhavam a terra batida. Esperaram, esperaram e voltaram. Em 10 minutos, Garin resolveu tudo, tal como Gato Díaz.