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E se os metadados servirem para ilibar alguém?

26 mai, 2022 - 17:01 • Liliana Monteiro

A nova proposta de lei dos metadados foi aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, mas a ministra da Justiça nada disse sobre as garantias para as defesas dos arguidos que também necessitam muitas vezes dos metadados.

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Especialistas alertam para a fragilidade das defesas dos arguidos perante a ausência de recurso aos metadados durante o período de um ano. A redução do prazo dificulta recolha de prova dos arguidos para atestar inocência.

“O recurso a este tipo de prova do mundo digital (os metadados) é indispensável para a descoberta da verdade, seja a que interessa à acusação ou à defesa”, afirma Paulo Sá e Cunha, do Fórum Penal.

O processo Casa Pia é relembrado como tendo sido um dos casos judiciais primórdios na utilização dos metadados. “Com recurso a muitos outros metadados que nem são só estes aqui em causa que são os das comunicações: mensagens, por WhatsApp, email e telefonemas. Mas há outros metadados que por aí circulam, e existem, e foram usados como prova neste processo: cartões de crédito, de multibanco, passagens em identificadores de via verde”, afirma Paulo Sá e Cunha.

O advogado sublinha que a vida dos dias de hoje é muito digital e consequentemente a prova também.

“Tudo isto gera do ponto de vista do mundo digital um rasto que pode demonstrar determinados factos, demonstrar que alguém passou em determinado lado, ou fez algum levantamento numa caixa multibanco”, explica.

A nova proposta de lei dos metadados, aprovada esta quinta-feira em Conselho de Ministros, (e pelo que até agora se conhece) vem ajudar a investigação criminal a manter acesso a dados importantes para os processos, dados esses que deixam de estar guardados por um ano e passam a manter-se disponíveis apenas por seis meses, mas a ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, nada disse sobre as garantias para as defesas dos arguidos que também necessitam muitas vezes dos metadados.

Paulo Sá e Cunha afirma que “há elementos nos chamados metadados úteis para as contestações e defesa dos arguidos. O que há é uma maior dificuldade na descoberta da verdade material porque hoje em dia em função da vida quotidiana e do rasto digital, estes dados são fundamentais para demonstrar uma série de realidades”.

Na mesma linha, o constitucionalista Jorge Reis Novais diz que fica aberta dificuldade para prova dos arguidos e o risco de haver condenações injustas.

“Há esse risco. O acesso aos metadados permitia ter a certeza sobre o que se tinha passado e que de outra forma não se podia chegar a essa conclusão e daí o risco de serem condenados inocentes é maior”, diz Jorge Reis Novais, numa altura em que se sabe agora que os dados vão ser guardados por um período mais curto, estreitando assim o quadro temporal da defesa.

Mais do que uma aposta em legislação nacional e de contorno à decisão do Tribunal Constitucional, que declarou inconstitucional o armazenamento dos metadados, deve-se apostar numa pressão europeia, dos vários países, junto do Tribunal Europeu de Justiça, diz o constitucionalista. Lembrando que foi o tribunal europeu de justiça quem inicialmente legislou contra o armazenamento da informação por um ano, obrigando os vários estados a fazerem transposição dessa decisão para o direito nacional.

Jorge Reis Novais considera que o Tribunal Constitucional decidiu colocar em causa um princípio que é usado noutras circunstâncias da vida diária, por exemplo, dos aeroportos.

“O Tribunal Constitucional considerou que é excessivo e desproporcionado conservar dados de toda a gente porque isso significa tratar todos como criminosos, mas isso é o que acontece num aeroporto onde todos, sem exceção, somos tratados da mesma maneira, somos revistados como se fossemos potenciais criminosos. Não é possível fazer de outra maneira e conservar dados só de pessoas sem saber se cometeram crime ou não, tem de ser de toda a gente”, argumenta.

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  • Anonimo
    27 mai, 2022 Portugal 12:22
    O ponto em questão não é a utilidade dos dados recolhidos. O ponto é discutirmos maduramente e abertamente que sociedade estamos a construir passo a passo. Até que ponto vamos ceder e aceitar a vililângia, e a partir de que ponto lhe vamos colocar limites. Para não criarmos, ou deixarmos qur nos criem, uma sociedade para lá de orwelliana. É aqui que de decide a humanidade. E o que é ser humano. É aqui que um meio de comunicação cristão deve intervir. Antes que seja tarde.
  • Fulano de Tal
    26 mai, 2022 Portugal 17:45
    O ponto em questão não é a utilidade dos dados na produção de prova. O ponto é até que ponto vamos todos querer uma sociedade de vigilância. E terá de ser definido um ponto. Discutir profundamente e maduramente até onde vamos ceder e aceitar a vigilância, e a partir de que ponto vamos impedir. Senão estaremos (passo a passo) a construir uma sociedade para lá de orweliana.

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