24 abr, 2023 - 16:39 • José Pedro Frazão
O que se passa com a sociedade civil em Portugal? Helena Roseta reconhece que esta “não é vibrante”. Pedro Magalhães lembra que a participação depende muito de níveis de instrução. Lobo Xavier diz que a fraca mobiliação dos cidadãos é a maior falha da democracia portuguesa, com exceção da área social. No programa “Da Capa à Contracapa” da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel do Santos, a questão emergiu na reflexão sobre a democracia em Portugal.
“Há muitas oportunidades de inovação democrática, muitas oportunidades de criar formas através das quais as pessoas estejam mais diretamente envolvidas nas decisões”, afirma Pedro Magalhães, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que considera que este é um “caminho bom” para o Estado central, impedindo a adoção de medidas e políticas “cegas e sem grande granularidade”. O politólogo avisa, contudo, que “para participar é preciso ter recursos cognitivos, informação, tempo”. Por outro lado, os estudos mostram um aumento “bastante sustentado” de tipos de participação como protestos, petições.
Pedro Magalhães assinala ainda que os níveis de participação dos jovens estão em linha com a média europeia, embora este grupo social participe menos em todas as democracias de todo o mundo. No domínio da participação eleitoral, adianta Magalhães, a diferença entre os mais velhos e os mais jovens diminuiu nas últimas eleições. O especialista considera que isto relaciona-se com a “diversificação da oferta política” e a capacidade que novos partidos tiveram para atrair os mais jovens. “A questão fundamental para mim não é tanto se a participação aumenta ou diminui. É saber se aqueles que participam são muito diferentes dos que não participam, se aqueles que exprimem a sua voz são muito diferentes daqueles que estão em silêncio”, alerta o investigador do Instituto de Ciências Sociais.
António Lobo Xavier acredita que a atividade de instituições e cidadãos na área social constitui uma exceção à regra de fraca mobilização cívica em Portugal. “O ponto mais negativo da democracia portuguesa é uma falta de participação e de sociedade civil. Do ponto de vista formal, do número de associações, vamos muito além de Espanha, mas depois isso não se traduz em quase nada, exceto no plano social”, afirma o comentador político.
A propósito do lançamento da versão portuguesa do (...)
O investimento de Portugal na dimensão social da sua democracia é elogiado pelo antigo deputado do CDS. “Peguem nos índices de sustentabilidade na Europa da Pordata. Portugal está muito à frente nesses indicadores relativamente a muitos outros países e não apenas os do antigo leste europeu. Alguns dos países ricos da Europa estão em atraso em vários indicadores de sustentabilidade”, salienta este membro do Conselho de Estado que considera que a insatisfação dos portugueses com as conquistas sociais da Democracia é “criativa”.
No entanto, Lobo Xavier coloca dúvidas sobre a compatibilização entre realizações sociais importantes e indicadores como o nível da dívida pública. “Interrogo-me, não numa perspetiva liberal ou economicista, se não temos uma ambição social maior do que as nossas capacidades. O resultado, para os frágeis, foi bom. Mas do ponto de vista da sustentabilidade, quando olhamos para doentes, hospitais, serviços públicos, ensino público, tenho dúvidas que isto esteja em bom estado”, argumenta Lobo Xavier.
Helena Roseta recupera a sua experiência de liderança do projeto “Bairros Saudáveis” para sustentar que é possível direcionar as políticas públicas para outros caminhos se a “energia” da sociedade civil for aproveitada.
“A sociedade civil em Portugal não é vibrante. Está muito pulverizada, existe uma energia disponível e o Estado não é capaz de a mobilizar. Esta cultura da administração pública portuguesa é tão opaca, tão difícil de lá chegar, que tem inúmeras consequências, para além da corrupção e outras, como a de dificultar a participação. As pessoas querem participar, mas não sabem como”, afirma a antiga vereadora da Câmara Municipal de Lisboa.
A antiga presidente da Assembleia Municipal de Lisboa assinala ainda o peso das novas tecnologias de informação e da emergência das redes sociais nos processos participativos. Para Roseta, “isto muda tudo”, com a predominância de formas “mais directas e imediatas” de participação, baseadas na manifestação de emoções através da Internet.
“Não é por fazerem qualquer processo de investigação, nem terem que ir trabalhar para coisa nenhuma, nem disporem de tempo. É muito simples: põem lá um coraçãozinho ou o contrário e isto altera as condições da participação. Porque a participação normalmente exige discussão entre parceiros. E aqui não há nenhuma. Cada um diz a sua emoção. Quem ganha é quem põe lá mais likes”, remata Helena Roseta.