11 ago, 2021
Dez meses depois da eleição que levou Joe Biden à Casa Branca, Donald Trump mantem a fantasia de que a eleição presidencial lhe foi “roubada”, não obstante dezenas de decisões judiciais nos EUA desmentirem tal afirmação.
E uma boa parte do Partido Republicano proclama esta mentira, enquanto se multiplicam as mais descabeladas “teorias da conspiração” – incluindo ataques irracionais à vacinação contra a covid.
Claro que o ex-Presidente não acredita nesta mentira ridícula, segundo a qual a eleição lhe foi “roubada”, uma mentira típica da era da “pós-verdade”.
O que ele pretende é mobilizar o Partido Republicano em torno dos seus apoiantes, dele Trump, muitos dos quais começam agora a disputar eleições primárias no partido, com vista às eleições intercalares de 2022.
Trump tem colocado nessas primárias os seus mais fanáticos apoiantes. Perdeu no Texas, mas ganhou no Ohio - é cedo para avaliar o domínio de Trump sobre o Partido Republicano, mas tudo indica que se trata de um domínio significativo
O próprio Trump dá sinais de que irá candidatar-se às eleições presidenciais de 2024, tendo já recolhido uma expressiva quantia para essa campanha.
Negar que Biden tenha sido justamente eleito em 2020 visa também tirar legitimidade à atual presidência.
Mas, no limite, uma tal atitude – só reconhecer um resultado eleitoral quando se ganha – retira qualquer sentido à democracia representativa. Por outras palavras, Trump é uma muito séria ameaça à democracia americana.
Mas a utilização por Trump de falsidades como arma política não começou agora. Nem começou, como por vezes se diz, com a célebre afirmação de Trump de que a cerimónia inaugural da sua presidência tinha sido a mais concorrida de sempre (o que foi imediatamente desmentido por vários canais de televisão, que mostraram imagens).
As “grandes mentiras” começaram com a campanha para a reeleição presidencial de Obama, em 2011.
Durante cinco anos Trump empenhou-se numa furiosa campanha alegando que Obama não havia nascido em solo dos EUA, logo não poderia ser legalmente Presidente.
Obama mostrou o certificado do seu nascimento em Honolulu, no Havai, filho de pai queniano (ausente) e mãe branca.
Mas Trump tardou em reconhecer a verdade, porque lhe convinha liderar o desconforto sentido por muitos brancos face a um primeiro presidente negro – ou mulato – na Casa Branca.
A exploração de sentimentos racistas faz parte, como é óbvio, do arsenal político de Trump. Daí o seu apoio mais ou menos explícito aos “supremacistas brancos”, bem presentes no assalto ao Capitólio, em 6 de janeiro passado.
Como Presidente, Trump procurou fazer o contrário do que Obama havia feito. E nessa linha continua Trump. É triste ver um partido com a tradição do Partido Republicano – Lincoln, que venceu a guerra civil contra os esclavagistas do Sul, era republicano – submeter-se agora docilmente às fantasias mentirosas e racistas de Trump.
PS - Notícias vindas de Washington dão conta da aprovação, no Senado, de uma “bazuca” destinada a modernizar as infraestruturas do país. Ora esta “bazuca” económica e social teve o voto favorável de 19 senadores republicanos, contrariando Trump, numa votação bipartidária, de 69 votos a favor e 30 contra. Trump ameaçara retirar apoio a qualquer republicano que “fosse louco bastante para votar este programa”. Mas dezanove senadores republicanos não se intimidaram e votaram mesmo, juntando-se aos senadores democráticos. Sinal de que a influência de Trump no Partido Republicano não é afinal tão forte como se receava. Uma boa notícia.