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Entrevista

"Não é possível desistir da esperança", diz Maria João Avillez

07 nov, 2023 - 21:00 • Ângela Roque

Capela do Rato acolhe de novo conversas moderadas por Maria João Avillez. "E Deus em nós?" é a pergunta de partida para cinco convidados, com os quais a jornalista espera falar de fé, arte e espiritualidade, para “fazer pensar” e dar alento a quem as ouvir. Iniciativa tem o apoio da Renascença.

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Entrevista a Maria João Avillez
Maria João Avillez entrevista o Papa Francisco. Foto: DR

Jornalista dedicada sobretudo à política, Maria João Avillez não esconde a importância que a fé tem na sua vida. Há uns anos aceitou o convite do agora cardeal Tolentino Mendonça, quando este era o responsável pela Capela do Rato, para ali entrevistar ao vivo personalidades das mais diversas áreas, em conversas onde a tónica era Deus, mas não era obrigatório ser crente.

A iniciativa regressa esta quarta-feira, num contexto nacional e internacional difícil, em que faz falta falar de beleza e dar esperança. "E Deus em nós?" é como se intitula a nova edição, que desta vez vai dar voz sobretudo aos jovens, aproveitando a onda criada pela JMJ Lisboa 2023.

Um jornalista, uma encenadora, um gestor, um maestro e uma pintora são os convidados das novas conversas, que arrancam neste dia 8 de novembro, e se repetem nas próximas semanas a 15, 20 e 29, sempre às 19h00, e com entrada livre.

Esta interrogação "E Deus em nós?" é permanente na sua vida? É isso que também a mobiliza para estas conversas que são mais intimistas?

É uma interrogação permanente, com certeza. Se sei responder ao seu profundo e essencial significado, isso é outra coisa, mas que tento, tento! Mas é uma interrogação permanente.

Não é só pelo mundo estar como está, pelo país atravessar momentos de turbulência, perplexidade e ansiedade que me lembrei destas conversas. Agora, também é verdade que vendo nós o chão a fugir-nos debaixo dos pés, aflitos com o que os ecrãs nos trazem todos os dias, em termos de violência e de ódio, e de algumas pessoas se interrogarem sobre o que é possível acontecer em Portugal, mais próximos ficamos da necessidade de algo que nos transcenda, que nos acolha, que nos possa explicar que há marés baixas e marés altas, mas não é possível desistir da esperança.

Esta é, certamente, uma curiosidade que tem alimentada pela fé... mas, este tipo de conversas faz falta?

Não sei se fazem falta, o que eu acho é que são bem-vindas. Se eu conversar descontraída e simpaticamente, num bom ambiente, civilizado - o que não exclui, de maneira nenhuma, a curiosidade e as perguntas que devem ser feitas - com as pessoas que têm fé - ou que dizem ter fé, ou pelo menos que podem andar lá perto, ou que se podem interrogar -, se for uma conversa interessante e inspiradora isso pode, não direi fazer falta, mas pode aconchegar, acompanhar, pode ser que quem saia da Capela do Rato pense ‘isto é interessante, isto é um bom exemplo, é uma coisa que eu posso passar a fazer ou pensar’.

Não posso pedir efeitos das minhas conversas, ou ter a certeza que vão existir... agora confio que, fazendo o meu melhor, as pessoas - sendo do agrado da plateia do país, e da curiosidade que possam suscitar - possam passar um bom momento, com substância, com alguma espiritualidade, com um bom ritmo de conversa, com um intercâmbio de ideias, opiniões e até de descobertas ou surpresas. Portanto, confio que possa ser interessante.

Quem são os convidados desta edição?

Amanhã (8 novembro) é o Sebastião Bugalho, que é um jovem jornalista de 26 ou 27 anos, muito impressivo, que comunica muito bem a sua convicção, o seu trabalho de casa, as informações que tem, a sua opinião, que trabalha seriamente. Ficamos com aquilo que ele diz na cabeça, discordando ou concordando, mas percebe-se que está ali alguém que se preparou para o que vai dizer e que é convicto a dizê-lo – isso aprecio muito -, que se assume como católico e é interessante ver se leva Deus na mochila dele.

Depois, como eu ainda não esqueci, e penso que nenhum português esqueceu, o que foram as fulgurantes e esplendorosas Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ Lisboa 2023, de 1 a 6 de agosto), convidei (para dia 15) a Matilde Trocado, que foi a encenadora dos principais momentos – por exemplo a Via Sacra, que jamais esqueceremos, e outros momentos -, e o David Lopes, que foi o diretor de projeto por parte da Câmara e que se encarregou daquilo que não vemos, mas que foi o que fez com que tudo corresse sem um sobressalto, uma dúvida, um erro, uma trapalhada, uma coisa mais maçadora. Correu tudo muito bem, e ele teve uma grande responsabilidade nisso. E eles podem ainda contar e acrescentar à nossa memória, detalhes, informações, histórias que engrandeçam ainda mais esse momento. Achei que podia ser interessante, até porque também levam Deus na mochila.

Depois convidei a pintora Ilda David, que tem uma tela lindíssima na Capela do Rato (para 29 de novembro), e ainda um jovem que admiro imenso, com 32 anos, que é o Martim Sousa Tavares (para dia 20), que é maestro de duas orquestras, fundou uma orquestra em Idanha a Nova e dirige outra, que é a do Algarve. É muito culto, sabe muito bem falar-nos de música e certamente já terá regido música religiosa – de que a música clássica está cheia. Não se assume como católico, mas pelo menos tem a matriz da nossa civilização ocidental, e vai ser interessante perguntar-lhe do que é que está perto quando se transcende a dirigir uma orquestra? Está perto de Deus, ou de quê? Eu própria estou com imensa curiosidade, porque o admiro muito e acho que ele está a fazer um belíssimo trabalho e deu um grande exemplo do que é realmente descentralizar, ao ter fundado uma orquestra em Idanha a Nova, não o fez comodamente em Lisboa ou no Porto. É levar a arte aos outros, é fantástico.

Muitos destes convidados são jovens. Estamos num momento, no pós JMJ Lisboa, em que é preciso - na Igreja e também no jornalismo – diversificar vozes, ouvir o que os jovens têm para dizer e partilhar?

Estou totalmente de acordo consigo. Foi isso que me moveu quando disse ‘eu vou trazer gente nova’, porque o futuro é deles, têm a vida à frente deles. É interessante saber o que pensam, como partiram ou partem para a vida, o que é que esperam dela, como é que pensam colaborar com ela e com o país, o que é que têm na alma, aquilo em que acreditam. É exatamente isso que me moveu. É muito importante ouvir os jovens.

E a Igreja também o deve fazer? Não perder esta onda que começou a formar-se em agosto?

Absolutamente.

Acredita que não se desperdiçará a oportunidade, que a Igreja a saberá aproveitar?

Conto absolutamente com isso! Que ela se mova e movimente para juntar jovens em programas, iniciativas, em sair. O Papa pede desde o início do seu pontificado uma Igreja em saída, uma Igreja - hospital, uma Igreja que vá ter com o outro, e no outro estão englobados os jovens, que trazem a coisa mais importante do mundo em cima dos ombros, que é o futuro. Devia até – e está a dar-me uma ideia – informar-me mais, porque acredito que há paróquias muito vivas e muito animadas no bom sentido do termo, animadas pelo trabalho dos leigos, que provavelmente já estarão a fazer isso e que já tinham até muita coisa com jovens, evidentemente não nasceu da JMJ. Agora é preciso é solidificar e ampliar esse ir ter com os jovens e chamá-los.

Não queria dispersar muito a conversa, mas também estamos em processo sinodal…

Não é dispersar, é um momento importantíssimo!

E tudo se interliga?

Tudo. E esta série de conversas, que são só quatro desta vez, não deixa de estar inserida na atual caminhada da Igreja, e eu tenho também perguntas relativas a isso. Se pudermos ajudar à enorme reflexão que é pedida a todos nós - não só ao clero, o Santo Padre deixou isso muito claro -, essa reflexão pode ser feita de várias maneiras, e isto que eu estou a fazer não é, de maneira nenhuma, desintegrado nem separado do caminho sinodal em curso.

A Maria João é uma jornalista que todos conhecem por se dedicar sobretudo à política - pelo menos essa é a face mais visível do seu trabalho -, mas tem esta dimensão da fé, que não esconde e lhe diz muito, faz parte da sua vida. A fé também molda a forma como olha para os acontecimentos e os analisa?

Acho que nunca separo. Não tenho de ser confessional, nem tenho de impôr a minha fé aos outros num debate ou numa opinião. Agora, não a escondo, e sobretudo – e isto é que é importante - se vem a propósito citá-la, ou citar a sua necessidade ou a sua prática, porque é que a fé me conduziu a determinada conclusão ou a determinado caminho, evidentemente que evoco isso. Não é uma preocupação, eu não entro num estúdio de televisão ou de rádio a dizer ‘agora tenho de dizer qualquer coisa sobre Deus, sobre a fé ou sobre a prática dos sacramentos’, mas isso está ancorado dentro de mim e vem ao de cima quando pode vir a propósito, num contexto, com toda a naturalidade. Mas não há peso, nunca há peso.

Faz falta também ao jornalismo um olhar mais humanista, que pode ser moldado, ou não, pela fé?

Exatamente, há muitas maneiras de se ter um olhar humanista, mas faz falta, absolutamente. Acho que se fazem narrativas instantâneas de coisas, sem acautelar nem a distância nem um outro olhar, justamente um pouco mais humanista. E há uma coisa contra a qual eu luto, sem êxito e de uma maneira nada gloriosa, que são as redes sociais. Eu acho que as redes são uma fonte do mal. Acho mesmo! Não as uso, não as visito, mas sei o mal que fazem, porque vejo: enquinam, falsificam, deturpam, manipulam. E se uma pessoa não está - e nem todos estão – armada com a sua fé, com a sua informação ou com a sua seriedade de caráter, pode deixar-se enredar naquela teia, e isso é muito perigoso. E, sobretudo, há uma coisa aflitiva, que não sei sinceramente como se combate, e aí mostro a minha total aflição, que é o anonimato. É uma coisa perversa, pavorosa, é o mal, não se pode aceitar.

E depois há a forma como as redes sociais estão a contaminar o jornalismo, as falsas notícias…

Não pode ser, não pode ser! Tem de haver uma triagem...

É um desafio para o jornalismo?

É um grande desafio, não sei mesmo se não é o maior, hoje em dia.

No texto de apresentação destas conversas na Capela do Rato, escreve que ‘Deus é sempre o melhor dos temas’...

Deus é um bom tema, mesmo quando às vezes pode não parecer. Porque imagine, neste momento, com aquilo que vemos que se passa no conflito do Médio Oriente….

Muitas pessoas perguntam ‘onde está a Deus?’…

Exatamente. Mas está, só que a resposta às vezes não coincide com a nossa, ou com aquela que achamos que deveria ser a resposta. E a fé, aí é que tem de ter o seu lugar.

Nestas conversas ‘E Deus em nós?’ vai desafiar cinco convidados para quatro conversas, porque dois deles vão participar numa mesma conversa…

Sim, é a de dia 15, que juntará a Matilde Trocado e o David Lopes. As conversas são sempre às quartas-feiras, à exceção de uma. Começam a 8 com o Sebastião Bugalho, a 29 será a Ilda David, mas o Martim Sousa Tavares pediu para antecipar para segunda-feira, dia 20, em vez de 22, como está no cartaz inicial.

Quer deixar algum convite?

Gostava muito que fossem à Capela do Rato. Ficarei imensamente feliz e grata.
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