02 jul, 2022 - 09:00 • Henrique Cunha
"Todos os dias há perseguições e massacres" na República Democrática do Congo (RDC) e a comunidade internacional fecha os olhos, revela o padre Marcelo de Oliveira, missionário português naquele país africano.
O administrador principal da Província dos Missionários Combonianos na República Democrática do Congo, revela em entrevista à Renascença, que os ataques são permanentes na zona do país onde “o cobalto é uma fonte de riqueza”.
“Cada dia há perseguições e massacres, há gente que é torturada, gente que tem que deixar as suas casas e que tem que fugir", denuncia o sacerdote, que já tem 15 anos de vivência na República Democrática do Congo.
As províncias do Leste da RDC, em particular o Kivu do Norte e a vizinha Ituri, “vivem há décadas em estado de insegurança permanente devido à presença de vários grupos armados.
Natural de Mortágua, no distrito de Viseu, o missionário afirma que no Congo "ninguém escapa à perseguição". “Católicos, protestantes e seitas são todos tratados do mesmo modo”, dado que “a questão religiosa não afeta em nada a situação”.
O sacerdote afirma que a “Igreja é perseguida e ser cristão é ser perseguido”. “A Igreja Católica, que tem um grande peso na vida social, que conta com grande número de católicos, que por vocação denuncia, diz a verdade e procura defender os direitos do povo, dos simples, é claro que não é apreciada”, sublinha.
O sacerdote reconhece ao Presidente da RD Congo, Félix Tshisekedi, vontade em combater a corrupção, mas diz que, por um lado, o Governo é cúmplice da situação e, por outro, impotente para a resolver.
“A cumplicidade existe para continuar a receber aquilo que recebem das coisas que vendem e fazem sair do país de qualquer maneira”, explica.
Por outro lado, o padre Marcelo acusa a comunidade internacional de nada fazer pelo povo sofredor do Congo e de tentar "continuar a beneficiar das riquezas do país", enviando "armas para poder manter a desordem e assim facilmente continuar a roubar".
O Santo Padre deseja contribuir para o clamor de p(...)
“O Congo é um país riquíssimo e é um pouco estranho um país tão rico, ser ao mesmo tempo tão pobre. Tem ouro, diamantes, cobre, cobalto, um solo que poderia produzir duas vezes por ano, é difícil de compreender”, lamenta o missionário, para de seguida acusar: “da parte de fora (comunidade internacional) são os interesses de poder continuar a beneficiar de tudo o que são as riquezas e por isso, continuam a enviar armas para poder manter a desordem e assim facilmente continuar a roubar”.
O missionário garante que "quando há um problema em África toda a gente cruza os braços" e dá o exemplo da pouca vontade em encontrar uma cura para a malária, que “mata todos os dias uma quantidade imensa de pessoas”, e agora com a pandemia de Covid-19 “todo o mundo entrou em aflição”.
O sacerdote assegura que “as pessoas que morrem em África com malária são mais do que as que morreram com Covid” e pergunta de forma retórica: "Quem é que criou um medicamento para curar os pobres africanos? Quem é que se interessou em poder resolver o problema da malária depois de tanto tempo?”
O padre Marcelo responde: “Ninguém, não interessa, não interessa. Como não podemos receber lucros daquilo que fazemos não interessa fazer um medicamento, não interessa ajudar um país que não nos vai retribuir”, lamenta.
Nesta entrevista à Renascença, o padre Marcelo Oliveira assegura que a "população continua com a expectativa de que num espaço de tempo breve" o Papa acabará por visitar a República Democrática do Congo.
Considera que para "as pessoas que vivem em meios que são afetados por ataques constantes, por perseguições, a visita do Papa seria um momento de alento”.
Sobretudo, porque Francisco tinha programado uma visita à cidade de Goma, na parte leste do país, “onde ele estaria com algumas vítimas da violência, e claro que essas pessoas possivelmente estarão um pouco desiludidas”.
“No entanto, a população continua com a expectativa de que num espaço de tempo breve ele poderá vir para estar connosco”, assegura.
O sacerdote afirma que o Papa "deseja profundamente estar e vir" ao Congo para "conhecer a realidade" e reconhece que “a celebração prevista para este domingo com a comunidade congolesa, na Basílica de São Pedro, em Roma” e o envio do seu seu secretário de Estado, o cardeal Parolin, a Kinshasa “é sinal dessa vontade”.
“O Papa deseja profundamente estar e vir, porque eu creio que ele ouviu tanto falar da realidade de sofrimento do povo congolês e portanto, tem o desejo profundo de poder vir”, garante.
A viagem de Francisco ao Sudão do Sul e ao Congo, agendada para 2 a 7 de julho, foi adiada para nova data a ser definida, por razões de saúde do Papa.