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JMJ pode ser oportunidade para atrair jovens portugueses para a Igreja, diz sociólogo

18 abr, 2021 - 08:15 • Filipe d'Avillez

José Pereira Coutinho vê nas atividades para jovens, como a Missão País e os campos de férias de inspiração católica, uma alternativa “para quem pensa que não há vida para lá dos festivais de verão”.

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A Jornada Mundial da Juventude que se vai realizar em Lisboa em 2023 pode ser uma oportunidade de atrair jovens para a Igreja, considera o sociólogo da religião José Pereira Coutinho.

O autor do livro “Religião em Portugal – Análise Sociológica”, que é também investigador no Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião, da Universidade Católica Portuguesa, explica que o mais natural é que os participantes estrangeiros na JMJ sejam já católicos convictos, mas que de Portugal é possível que participem pessoas que estão apenas curiosas.

“Em Portugal, à partida, os que vêm de fora, sobretudo os que vêm de mais longe, têm de ser muito convictos. Os que estão em Portugal serão católicos de todos os tipos, ou mesmo não-católicos, ou que são batizados, mas não estão envolvidos na Igreja.”

É precisamente por essa razão, considera, que faz sentido que o este seja um megaevento capaz de rivalizar com outras propostas que já existem para atrair os jovens no verão. “Isso é importante para chamar as pessoas. O carisma, a emoção, este calor é importante. Alguns vão ficar. Alguns que até podiam estar fora, ou não estavam tão dentro, podem voltar, podem converter-se na altura. Tudo é possível, as conversões são muito diversas e há várias moradas de conversão dentro da Igreja, portanto toda esta emoção e este espetáculo é importante para chamar, sobretudo os jovens, que são muito sensíveis a estas questões, até pela questão da concorrência de outros megaeventos que há todos os verões em Portugal, portanto tem de ter alguma coisa que chame sobretudo aqueles que são menos convictos.”

“E depois, lá dentro, com certeza que serão despertados novamente para a fé, ou então para os que já são, ficarem com mais. Olhando para a Igreja ela certamente só tem a ganhar com estes eventos – obviamente mantendo dentro da linha católica, para não se secularizar e não perder a sua catolicidade”, diz o especialista.

Contudo, o entusiasmo gerado pela Jornada tem de ser bem aproveitado pela Igreja, porque não dura para sempre. José Pereira Coutinho aponta para os dados recolhidos pelo académico francês Charles Mercier, que publicou recentemente uma análise histórica e sociológica das JMJ durante o pontificado de João Paulo II. “Ele analisa as consequências ao nível da religiosidade, da pertença, das práticas e diz basicamente que no curto prazo há realmente um crescimento, mas no médio a longo prazo isso desvanece. É a questão da emoção. Pode criar raízes, uma semente, mas depois vai esvanecendo.”

José Pereira Coutinho olha com admiração ainda para fenómenos como as Missões Universitárias e os inúmeros campos de férias de inspiração católica que se realizam todos os anos em Portugal, em larga medida organizados por jovens para jovens. Trata-se de uma realidade ainda muito pouco estudada, mas que claramente está a cativar as novas gerações.

“O sentido da vida e a busca de Deus é algo que todos, de uma forma ou de outra, mais o menos velada, procuram. Santo Agostinho, nas “Confissões”, falava nisso. Ele só descansou quando se converteu verdadeiramente e o coração dele só descansou quando estava em Deus, e ele é um gigante do mundo ocidental, uma referência para todos nós.”

“Todos estes movimentos, que têm tido uma grande aceitação, fazem todo o sentido. Os jovens todos estão enquadrados e querem a atividade, o dinamismo, a natureza. São tudo coisas de que os jovens gostam e isto é uma alternativa aos megaeventos que vemos, os festivais de rock de verão, como é a JMJ, que é uma coisa global.”

“Também cabe à Igreja e a grupos dentro da Igreja, conseguir atrair os jovens e mostrar que há vida para além desses megaeventos. Porque há muitos que vão lá e acham que só há vida lá”, conclui.

Secularização, individualização e consumismo

Recentemente José Pereira Coutinho lançou o livro “Religião em Portugal – Análise Sociológica”, um estudo exaustivo e profundo sobre a realidade religiosa no país e um estudo que permite ao autor rejeitar o termo “crise” para descrever o momento presente. É demasiado simplista, considera.

“Se olharmos para a prática, para a frequência dos serviços religiosos, há uma quebra. Mas se olharmos para as crenças as coisas não são tão claras, talvez porque as crenças são mais plásticas, mais maleáveis, e podem ser tomadas um bocado à vontade do freguês.”

“O que se passa é que houve um afastamento de todas as esferas sociais, a política, a economia, e por aí fora, da religião – é o chamado processo da secularização, que é um processo que se foi desenvolvendo na sociedade portuguesa e no mundo ocidental sobretudo, e mesmo no ocidente a secularização não pode ser olhada da mesma forma que nos Estados Unidos, que é um mundo diferente. Olhando só para Portugal, realmente tem havido um processo de secularização e esse processo de secularização tem sido, aí claramente, mais aprofundado nas últimas décadas, sobretudo desde o 25 de Abril. Também porque tem havido, desde a entrada de Portugal na UE, uma evolução económica, social, política e cultural que tem levado ao chamado processo de individualização, e que carateriza muito as sociedades ocidentais, nomeadamente Portugal”, explica o sociólogo.

Este fenómeno tem resultado também no aumento da espiritualidade fora das religiões tradicionais, que assume muitas formas, incluindo a de um Deus feito “à medida” de cada crente. Uma realidade que muitos pensam ser nova, mas que não é.

“Não se cria nada de novo. Há sempre alguma coisa que se vai buscar lá atrás, uma adaptação ao contexto da altura, mas nada de novo. Basicamente há aqui três grandes grupos, o dos que acreditam em Deus que é Trindade, Jesus Cristo que veio à terra, se revelou, foi crucificado e ressuscitado; um segundo grupo que acredita num Deus deísta, que é energia, algo superior e depois um terceiro que é um Deus natureza, uma conceção mais oriental, de influência hindu e budista.”

José Pereira Coutinho termina dizendo que nos tempos que correm não se pode olhar para a religião sem ter em conta a sociedade consumista em que vivemos, que influencia tudo, até as crenças. “Depois, claro que cada um tem adaptação, faz-se muito Deus à sua imagem, e há uma grande influência do consumismo. Deus também é consumido – é uma expressão muito forte, mas é verdade – é muito usado segundo as necessidades do homem consumista atual. Tudo se consome, e Deus também se consome e a religião também se consome. É preciso olhar para tudo o que é religião como algo que é consumível, e que não é tomado com desinteresse, mas para satisfazer necessidade e não com gratuidade”.

O livro “Religião em Portugal – Análise Sociológica” está à venda nas principais livrarias e também através do site da editora.

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  • Ivo Pestana
    18 abr, 2021 Funchal 13:52
    O maior empecilho, muitas vezes, são as famílias. Todos querem Doutores e Engenheiros, ou jogadores de futebol, na família. Ainda é um estigma um filho querer ser religioso e muitos cristãos querem sacerdotes e religiosas, mas doutras famílias. Rezamos pouco em família, os jovens aprendem música, línguas, vão à escola, fazem um desporto...e a parte espiritual é secundarizada. Mas a mente e o corpo, precisam duma alma sã. Deus disse que Jesus crescia em estatura, sabedoria e graça. Não sou eu que digo, mas como pai também sei de casos, que os filhos dão ouvidos aos amigos e não ouvem os pais. Então a Oração é o melhor remédio.

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