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Serviço Nacional de Habitação

Mudanças no PAA? “Encontrem-me soluções que sejam mais viáveis”, diz secretária de Estado da Habitação

17 jun, 2021 - 08:00 • Fábio Monteiro

“Robustecer o parque habitacional” do Estado - de 2% para 5% até ao final de legislatura - é investir na criação de um Serviço Nacional de Habitação, defende Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, em entrevista à Renascença.

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O Programa de Arrendamento Acessível (PAA) está aberto melhorias, mas é difícil apontar quais, garante Marina Gonçalves, secretária de Estado da Habitação, em entrevista à Renascença. “Às vezes é mais fácil dizermos que não funciona. Dizer que funciona, mas temos que melhorar aqui e acolá, essa parte é mais difícil”, diz.

A OCDE revelou este mês que entre 2015 e 2020 os preços das casas em Portugal cresceram 31% mais do que os salários. Nesta correlação, o problema são os salários baixos dos portugueses ou a inflação das rendas e preços de venda de habitação?

Diria que os dois fatores influenciam este resultado. Nós temos uma política de aumento dos salários, mas há realmente uma componente muito importante para o problema, que é a componente habitacional e os preços elevadíssimos quer da compra, quer do arrendamento. É por isso que desde 2015 se tem tentado contrariar estes números, criando uma resposta pública de habitação.

Há dois meses, em entrevista à Renascença e ao Público, lembrou que o direito à habitação está previsto na Constituição. Todavia, o parque habitacional do Estado é de apenas 2%. Se temos um SNS, o que impede o Governo de investir na criação de um Serviço Nacional de Habitação?

Isto é uma questão de terminologia. O diagnóstico que se fez de respostas habitacionais, aquilo que foram os cenários que traçamos e a solução a que chegamos é, efetivamente, a necessidade de robustecer o parque habitacional público, de aumentar os 2% de resposta pública de habitação. E isto é verdadeiramente criar o tal Serviço Nacional de Habitação, embora lhe chamemos nova geração de políticas de habitação, parque habitacional público. É uma questão de terminologia.

Mas verdadeiramente concordamos neste princípio. Por isso é que os nossos dois grandes programas de habitação permanente e estável - o 1.º Direito, para as famílias com menores rendimentos, e o arrendamento acessível, essencialmente da bolsa de imóveis de Estado devolutos para colocar no mercado - assentam essencialmente no reforço da resposta pública. E temos aliás um objetivo de legislatura de aumentar os 2% para 5%, não achando que os 5% bastam, mas porque este é realmente o caminho para criar uma resposta nacional de habitação pública.

Como acontece em alguns países nórdicos, o Plano Diretor Municipal (PDM) do Porto acautela uma medida de “zoneamento inclusivo”. Na prática, obriga os promotores privados, sempre que façam construção de alguma envergadura, a ceder uma determinada percentagem de fogos para arrendamento acessível. Este tipo de políticas não devia ser centralizada e responsabilidade do Governo?

Ganhamos todos com esta complementaridade política. Nós temos um conjunto de políticas públicas do ponto de vista nacional que estamos a promover de forma transversal em todo o país, nomeadamente na perspetiva de garantir respostas públicas essencialmente centradas no parque habitacional público. O Programa do Arrendamento Acessível, o Porta 65, a própria portaria da habitação a custos controlados, visa também criar respostas quer para venda, quer para arrendamento a preços mais controlados, pegando na terminologia usada. Se estes instrumentos todos puderem ser complementados com estes programas municipais, temos mais a ganhar que a perder. Mal seria se não tivéssemos uma política nacional. Existindo uma política nacional e ainda por cima existindo uma vontade dos municípios para complementar essa política com outras medidas, diria que isto favorece as políticas de habitação e a resposta para um problema no mercado habitacional, e não o contrário.

A política nacional são programas de apoio, não medidas que regulem o setor. O Governo não impõe restrições na construção. Deixa isso ao critério dos municípios.

O nosso programa habitacional é de reforço do parque habitacional público. Portanto, a nossa resposta é precisamente de reforçar aquilo que existe no mercado, não limitando a ação do privado, mas assumindo a responsabilidade de construir a solução habitacional. Ou seja, o que nós achamos que é uma solução e que infelizmente durante décadas não o fizemos é pegar naquilo que é o património do Estado e colocá-lo ao serviço das pessoas. Portanto, a imposição que colocamos no mercado é não mais do que assumir a nossa responsabilidade: ser parte ativa na solução e robustecer o parque habitacional público, que é fundamental para regular o mercado, e, ao mesmo tempo, dar respostas a preços acessíveis.

Na mesma entrevista que já referi, revelou que ia arrancar em junho um projeto piloto para colocar alguns imóveis a concurso de modo a que cooperativas e modelos de habitação colaborativa possam vir a aproveitar as fontes de financiamento que já existem no IHRU. O calendário vai ser cumprido?

Sim. A nossa perspetiva é para já avançar, dentro dos imóveis que temos, com um número reduzido, até porque com um projeto piloto queremos testá-lo. Mas continuamos a trabalhar no calendário que temos. De lançar o concurso público, até porque nós queremos mesmo que haja esta complementaridade da perspetiva privada, da perspetiva pública - de ação direta por parte dos municípios e do IHRU -, e depois esta complementaridade com este terceiro elemento que é o setor cooperativo, que nós achamos que é muito importante para promover políticas públicas de habitação.

Qual será o papel do setor cooperativo na habitação?

O que eu gostava de ver era com uma participação muito ativa no mercado de habitação. É fundamental que haja esta intervenção do setor cooperativo, esta vontade. O que temos que garantir: é que efetivamente temos estabilidade da resposta habitacional e que ela seja compatível com os rendimentos das famílias. O setor cooperativo tem esta função, esta mais-valia de ter uma participação ativa daqueles para quem estamos a criar a solução habitacional. Obviamente, cabe-nos a nós, como é o caso do concurso público que queremos lançar, criar incentivos para que ele possa também ser parte da solução, colocar parte do nosso património afeto ao setor cooperativo. É fundamental que ele depois não saia da esfera do mercado habitacional a preços acessíveis, e é fundamental que seja efetivamente a preços acessíveis.

Como é que isso pode ser controlado?

Pegando no projeto piloto que referiu, o que nós queríamos era fomentar esta parceria com património do Estado, garantindo que o património não sai da esfera do Estado. Aquilo que nós cedemos é o concurso público para transferência de direito de superfície, não direito de propriedade, e ao mesmo tempo colocar uma limitação quanto às rendas praticadas, colocando os limites da renda acessível. Portanto, este é o maior instrumento que nós temos para poder de alguma forma criar incentivos para que o modelo cooperativo seja viável no futuro.

Na semana passada, o primeiro-ministro disse que o PAA é a "resposta certa" para a política de habitação. Este sistema, todavia, tem uma falha significativa: a redução de 20% é calculada com base no valor médio do setor privado. O PAA não precisa, mesmo, de ser revisto?

Digo sempre isto: podemos avaliar, depois de aplicar um instrumento, onde é que ele pode ou não ser melhorado. E acho que devemos ter sempre essa abertura. Mas nada impede hoje que no PAA e no mercado privado a redução seja superior a 20%. Nós é que colocamos, para criar um incentivo, 20% abaixo daquilo que é a mediana. Infelizmente, temos uma mediana muito alta em alguns municípios. O nosso objetivo com o programa é efetivamente conseguir regular o mercado e, progressivamente, fazer entrar mais gente no programa, e ao mesmo tempo ir reduzindo esta mediana. Porque vai fazer com que deduções sejam sentidas. Mas nós já hoje temos dentro dos contratos do PAA várias situações, vários contratos em que a redução é superior a 20%.

Esses casos excecionais justificam que não se reformule o programa?

Claro que sim. Há muitas dezenas de famílias que conseguem aceder a rendas acessíveis através do PAA. Até podia ser um. Uma coisa é eu dizer que a minha expectativa é aumentar o número de famílias, outra coisa é dizer que ele não funciona e que devo acabar com um programa que está a dar resposta a muitas dezenas de famílias com rendas acessíveis.

Mas dezenas de famílias não é pouco?

O que eu quero é ir aumentando. O que nós queremos com este programa é sinal que estamos efetivamente a conseguir entrar no mercado privado. Por isso é que dizia que não devemos nunca olhar para um programa, que para todos os efeitos é um programa recente, e dizer: funciona, mantém-se, não funciona ou está a abaixo das expectativas, retira-se. Não, devemos olhar para ele e com a vontade de, se necessário, sobretudo em questões que possam ser de burocracia, melhorar-se se há a melhorar, identificar onde podemos melhorar, mas nunca terminar um programa que está a dar respostas a muitas dezenas de famílias.

A resposta que está a dar é muito semelhante à que deu há dois meses, quando confrontada com a mesma questão.

Eu costumo ser coerente. [Risos]

Não é resistência à mudança…

Não, não é de todo uma resistência à mudança. Sempre disse e continuo a dizer com toda a abertura e frontalidade: se o modelo for para melhorar a vida das pessoas, muito bem, se o problema é a mediana estar ainda assim abaixo daquilo que é o preço normal de habitação, que pode ser praticado e que tem a procura no mercado, já tenho mais dificuldade. A minha preocupação é que consiga tornar este instrumento um incentivo para os senhorios, mas obviamente também uma mais-valia para os arrendatários. Dentro deste equilíbrio, com total disponibilidade para alterações, é o que eu sempre digo: encontrem-me soluções que sejam mais viáveis do que uma isenção fiscal nos rendimentos prediais para este tipo de contrato de arrendamento. Também não é fácil encontrar as melhorias que se falam, não é fácil identificarem-me quais seriam. A não ser melhorias, que se calhar não eram uma melhoria para o arrendatário. E atenção não estou a dizer que é uma proposta fechada e que não devemos trabalhar nela, não é de todo isso que estou a dizer. Mas realmente às vezes é mais fácil nós dizermos que não funciona. Dizer que funciona, mas temos que melhorar aqui e acolá, essa parte é mais difícil.

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