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"O Governo português recuperou a credibilidade"

19 set, 2013 - 22:15 • José Pedro Frazão, em Berlim

Embaixador da Alemanha em Lisboa revela, em entrevista à “Edição da Noite” da Renascença, o olhar alemão sobre Portugal. O diplomata, que se prepara para deixar o cargo no próximo mês, aborda os cenários eleitorais para as eleições de domingo, na Alemanha.

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O embaixador alemão em Lisboa, Helmut Elfenkamper, deixa o cargo em Outubro com elogios aos dois primeiros anos de aplicação do memorando, apesar da "surpreendente" crise politica de Julho e dos "atrasos na Justiça" que impedem mais investimento externo. Elfenkamper encara como natural que Merkel seja impopular nos países em crise, algo que não acontece na Alemanha, um país, sublinha onde a maioria dos partidos é europeista. Ainda que o tema não tenha estado na campanha.


Merkel deve ganhar, faltando saber com quem faz coligação. Em que medida se adivinha uma mudança na forma como a Alemanha vê a política europeia, a resposta à crise e a relação com os países periféricos?
Há de facto alta probabilidade da CDU de Merkel ganhar. Menos clara é a coligação governativa dos próximos quatro anos.O FDP (liberais ) devem reentrar no Parlamento. Se não ficar a actual coligação ( CDU e Liberais) há várias opções e a grande coligação ( CDU com SPD) é a mais provável. Vai ser uma corrida muito apertada. Todos os partidos que constituem o arco da governação são pró-europeus. Não há um partido anti-europeu. É verdade que temos um fenómeno novos como AFD ( Alternativa para a Alemanha) que é uma oposição directa ao lema de Merkel,que diz que "não há alternativa". Esse partido quer acabar com o Euro, não quer acabar o fim da U.E.

O AFD está a crescer...
Está a crescer, tem 4% nas sondagens. O que vai acontecer é uma incógnita. Uma entrada do AFD complicaria a formação de uma nova coligação e daria palco maior ao partido para expressaram as suas ideias sobre euro. Mas sublinho que os outros partidos, FDP e Verdes, são pro-europeus. Pelas sondagens, o publico alemão quer continuação da integração europeia. Mais complicada é a questão sobre resposta adequada á crise. Estamos numa situação de interdependência muito grande na Europa. Não sabemos, por exemplo, para onde vai o Reino Unido. O Governo alemão quer evitar lançar iniciativas de maior integração que sejam inaceitáveis pelos outros.

Admite que depois de Domingo a Europa pode adoptar uma politica económica mais expansionista?
O debate da " folga orçamental" esquece o facto da Alemanha ter sido locomotiva da economia europeia, com aumento na procura geral do pais, devido à situação muito boa do mercado de trabalho. Qual seria o efeito multiplicador de uma eventual política mais expansionista de despesa pública, com mais despesa pública no sul da Europa ? Alguns especialistas dizem que seria muito pequena. Há necessidade de renovar infra-estruturas na Alemanha que pode favorecer mais oportunidade de emprego.

Mais oportunidades para emigração portuguesa ?
Existem sempre. Mas o numero de portugueses que emigram para a Alemanha é relativamente modesto.Preferem Angola , etc.. Apesar do aumento desde 2010, com jovens muito qualificados, que são muito bem vindos, porque é preciso mão de obra qualificado.

O que diz aos que falam em rigidez alemã em relação à flexibilidade em relação ao esforço exigido a Portugal?
O que se tem feito em Portugal resulta de negociações entre o Governo e a troika. A Alemanha nunca se tem imiscuído nos detalhes do programa de ajustamento. Em dois anos, o programa teve resultados impressionantes nas contas externas, na consolidação das exportações, diversificação de importações, aumento da quota da exportação no PIB, importante para equilibrar a economia portuguesa num contexto globalizado.

Tem sido um sucesso a aplicação do memorando?
Sim. A historia do programa dirá que a avaliação dos dois primeiros anos será mais positiva do que pensávamos durante a crise de Julho. Dito isso, há efeitos colaterais mais negativos que o previsto: desemprego e queda da procura interna. Há um inicio de crescimento. 1,1% é uma boa surpresa, não digo que vai continuar no mesmo ritmo no resto do ano. Mas estamos razoavelmente confiantes de que pode ser o inicio de uma viragem.

Acredita que Portugal pode regressar aos mercados em Junho de 2014 ?
Como embaixada não temos potencial analítico para responder. A resposta tem que ser dada nestas oitava e nona avaliações.

É importante para a Alemanha que Portugal regresse aos mercados.
Absolutamente, apoiamos isso. Mas esse é o tema da visita da troika. Tomamos nota do que foi dito pelo Vice PM sobre o défice do próximo ano. Tem que ser visto de mais perto. Não vou acrescentar nada.

É exagerado falar num segundo resgate?
Não sei. Não vou dizer o que eu penso, sou observador bilateral que tem essencialmente que fortalecer os laços económicos bilaterais. O presidente da Camara de comercio luso-alema tem dito que Portugal tem que fazer conhecer mais no mercado alemão. Nós já convidamos peritos e políticos alemães para lhes dar uma percepção mais clara da realidade portuguesa. Portugal tem uma conotação positiva na Alemanha, em qualidade de trabalho. As empresas alemãs que ficaram cá com poucas excepções, aumentaram capacidade e têm vontade de melhorar investimento. Portugal tem que ficar mais amigo do investimento.

A reforma do IRC pode ajudar a atrair mais investimento alemão ?
É um ponto ainda em discussão. Não é segredo que as empresas querem sobretudo estabilidade fiscal. A atractividade depende dos custos de contexto, da qualidade da administração pública, da qualidade do sistema judicial. É um problema em Portugal que continua, não é ofensivo dizê-lo.

A justiça continua a ser um problema?
Absolutamente. As sondagens das câmaras de comercio colocam a administração publica e da justiça como problemas principais. Claro que Portugal está a trabalhar nisto, mas está a demorar. Muito tem que ser feito para Portugal ser um pais que atrai mais investidores.

A visita de Merkel a Lisboa tinha uma forte dimensão económica. Não ficou aquém do esperado em termos de investimento alemão?
O facto de as empresas que estão cá terem ficado já é um bom sinal. As empresas alargaram actividades. A nova fabrica das maquinas fotográficas Leica foi concebido para 500 trabalhadores e arrancou com 720. Há interesse dos investidores alemães. Portugal está a melhorar lenta mas consistentemente. Não se assina um contrato uma semana depois da visita da chanceler.

A crise política de Julho assustou a Alemanha?
Surpreendeu, naturalmente. Entre os factores da percepção de um pais em crise, a política não tinha sido um factor. No inicio podia dizer que 80% do Parlamento estava com o programa de ajustamento, o que aconteceu até Setembro de 2012. Problemas oriundos no próprio Governo não tinham existido. A dupla demissão – não sei como dizer – surpreendeu muita gente. O Governo restabeleceu a credibilidade.

Há um problema de imagem da Alemanha em Portugal?
Certamente. É uma particularidade dos países do sul da Europa. No inicio da crise, do lado alemão, foram ditas coisas pouco razoáveis sobre a Grécia. Houve uma escalada de palavras com elementos que não cabem num debate serio de gestão de crise económica. Isso afectou uma parte do debate em Portugal. É um debate não sobre a relação Portugal-Alemanha mas entre escolas de pensamento económico.

Mas Merkel não é muito popular em Portugal...
É verdade, mas numa situação de crise, a criação de uma espécie de bode expiatório acomoda uma série de tensões. Nós estamos na posição, nem sempre confortável, de maior economia da zona euro e insistimos numa política de consolidação que exige sacrifícios, mas que vai levar a uma sucesso. Estamos confrontados com este tipo de criticas, mas como disse alguém aqui no ano passado , os alemãs " têm as costas largas". Não somos indiferentes a esse tipo de debate, mas a a base da relação entre as nossas duas sociedades é boa e solida e vai recuperar destes elementos que entraram no debate publico europeu.

O que é que leva de Portugal para Alemanha?
Uma experiência profissional intensa. Nem sempre agradável, mas muito interessante. Levo o reconhecimento de que em 8 anos ( com duas estadias) não nos conhecemos muito bem. Mas é uma motivação para regressar, para manter o domínio da língua em que investi.

Vai ser um embaixador de Portugal na Alemanha?
Já fui na semana passada, quando numa conferencia de empresários em Berlim falei do potencial de Portugal que tem de ser usado. Vou continuar nessa linha.

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