05 mai, 2021 - 06:30
A pandemia trouxe para a atualidade informativa a existência de uma forma de escravatura, que há anos se faz sentir na região de Odemira, mas que não parecia perturbar a opinião pública. Não é exagerado falar em escravatura, quando imigrantes asiáticos, que não entendem a língua portuguesa, são capturados por redes criminosas, que os exploram barbaramente com o silêncio e a complacência de empresas agrícolas e de outras entidades.
Os imigrantes não se queixam porque sabem que, se falarem, poderão ser mortos pelos criminosos que os aliciaram. E se algum consegue fugir a essas máfias internacionais, estas vingam-se em familiares do imigrante que ficaram no país de origem.
Alberto Matos, diretor nacional e delegado em Beja da Associação Solim-Solidariedade Imigrante, afirmou que o número de imigrantes no distrito poderá atingir os 20 mil, uma vez que "muitos chegam a Portugal, trazidos pelos contratadores de mão-de-obra temporária, com vistos turísticos, e depois ficam de forma ilegal na região". Alberto Matos foi categórico: "sem imigrantes ilegais, não há colheitas rentáveis", disse ao “Jornal de Notícias”, acrescentando que existem "autênticos negreiros" no recrutamento de mão-de-obra.
Muitos imigrantes ficam sem quaisquer documentos, que lhes são retirados pelas redes, e por vezes também por patrões, que assim têm à disposição uma mão-de-obra baratíssima e incapaz de reivindicar. Se isto não é escravatura num modelo moderno, não sei o que será...
As redes de tráfico de pessoas movimentam muito dinheiro. José Alberto Guerreiro, Presidente da Câmara de Odemira, referiu que habitações caras e automóveis de topo de gama são transacionados usando notas. E que se detetam ali “trabalhadores-fantasma”, imigrantes que não chegam a trabalhar na agricultura local. Por outro lado, o Presidente da Câmara afirmou ter denunciado abusos e diz acreditar que a dimensão do crime de tráfico de seres humanos é muito maior do que a envolvida nos inquéritos em curso. Também lamentou não ser sequer informado sobre as empresas que se instalam no seu município, porque a lei não prevê tal informação.
A agricultura portuguesa e, em particular, aquela que explora zonas de regadio, precisa de imigrantes, sobretudo para trabalhos sazonais. Mas não é aceitável que recorra ao trabalho de gente que vem de muito longe para ser explorada de forma desumana. E é chocante que o país não se incomode com uma tal situação; salvo raras e honrosas exceções, só por causa da pandemia o caso veio para a atualidade da comunicação social.
Não é só o facto, bem conhecido, de uma parte desses imigrantes viver em “condições de insalubridade habitacional inadmissível”, como há dias admitiu o primeiro-ministro A. Costa, que classificou o caso de “violação gritante dos direitos humanos”. Mas foi o mesmo primeiro-ministro que, em 2019, aprovou um regime especial e transitório (dez anos) para o perímetro de rega de Mira, instalando contentores para alojar imigrantes.
Reagindo a essa decisão num artigo no “Público”, Helena Roseta classificou, então, o regime especial de ser “uma violação grosseira do direito à habitação consagrado na nossa Constituição e na Lei de Bases da Habitação”. Acrescentava H. Roseta que “esta Resolução, que se preocupa com o respeito pelas normas ambientais, paisagísticas e urbanísticas, esqueceu as pessoas. Os contentores são agora equiparados a ‘estruturas complementares da atividade agrícola’, como se a habitação para os trabalhadores fosse a mesma coisa que o armazenamento de alfaias agrícolas”.
Neste triste caso de Odemira a falta de respeito pelos direitos humanos não tem a ver apenas com a exploração dos imigrantes. Respondendo ao surto epidémico local de “covid”, o Conselho de Ministros determinou a requisição civil de uma unidade hoteleira onde existem 260 casas, 160 das quais são propriedade de particulares, alguns dos quais têm ali a sua habitação permanente. A requisição visava instalar nesse empreendimento imigrantes em isolamento por causa da pandemia.
Só que a Ordem dos Advogados afirmou que a requisição põe em causa direitos humanos e, tendo acabado o estado de emergência, só é possível por decisão judicial, visto envolver residências privadas. Esta requisição revela incompetência governamental, manifestando uma crescente atitude autoritária que se aproxima de Trump, Putin ou Erdogan.