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ENTREVISTA a D. JOSÉ TRAQUINA

Fim do SEF prejudicou acolhimento de imigrantes. "Há uma situação de descontrolo"

25 mar, 2024 - 06:42 • Ângela Roque

Presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social diz que o Estado não está a cumprir a sua parte, e que a imigração tem de ser uma prioridade do novo Governo, a par do combate à pobreza e da reforma da justiça. Em entrevista à Renascença, D José Traquina admite que pode não haver consenso na assembleia plenária dos bispos, em abril, relativamente às indemnizações às vítimas de abuso. E considera uma “inutilidade” o recente documento do Vaticano sobre a bênção dos casais do mesmo sexo.

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Extinção do SEF prejudicou acolhimento de imigrantes. “Há uma situação de descontrolo”
Extinção do SEF prejudicou acolhimento de imigrantes. “Há uma situação de descontrolo”

A extinção do SEF prejudicou o processo de acolhimento dos imigrantes, admite à Renascença o bispo de Santarém e presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social. No acolhimento a situação pode estar já em rutura, diz D. José Traquina, confirmando a preocupação da Cáritas, que já alertou estar no limite da sua capacidade de ajuda, porque muitos dos programas de apoio aos migrantes foram descontinuados.

Sobre as eleições, congratula-se com a descida da abstenção e elogia o civismo dos portugueses. Admite que um Parlamento mais fragmentado é um teste à maturidade democrática do país, mas o essencial, diz, é que no centro das preocupações dos políticos estejam as pessoas e o bem comum. As prioridades do novo Governo devem ser a Imigração, o combate à pobreza, que falhou até agora, e a reforma da Justiça.

Nesta entrevista comenta, ainda, a atualidade na Igreja e fala do sentido da Páscoa, que é um “momento de renovação” para os cristãos.

ELEIÇÕES

Como é que olha para os resultados das últimas eleições e para esta maior fragmentação parlamentar que geraram?

É um resultado porventura surpreendente para muitas pessoas, mas de uma grande respeitabilidade que temos de ter, obviamente, por aquilo que é a expressão do povo português. A Assembleia será constituída de acordo com as eleições, e devo confessar que olho com esperança o que aconteceu: aumentou o número de votantes, é um dado a registar como positivo. E não é de menos importância o facto de as eleições acontecerem e não haver notícia de situações desagradáveis.

Nem sequer boicotes, que às vezes existem.

Nada! No país todo, tudo correu com educação, elevação, com gosto de participar, aumentou o número de pessoas, portanto, foi vencida parte da indiferença que se registava.

Quero salientar, como outros já o fizeram, o sentido positivo da educação do povo português ao participar numas eleições tão expressivas e sem nenhum registo negativo de atitudes em toda a geografia do país.

"Na Justiça fica-se pendurado anos para se resolver uma coisa. Não é uma imagem boa. A Justiça devia funcionar"

Esse foi também o tom do comunicado que foi emitido pelo Conselho Permanente da Conferência Episcopal, em nome de todos os bispos, saudando a diminuição da abstenção e a forma pacífica como tudo correu. Nesse comunicado os bispos também apelam "aos democraticamente eleitos para que garantam a estabilidade política durante a legislatura, e estejam a serviço do bem comum, para devolver a esperança e a confiança aos cidadãos". É também isso que deseja?

Desejo, porque o que está em causa é o bem da sociedade portuguesa. Espera-se que os partidos políticos, na sua missão de cuidar da sociedade, não olhem para o interesse particular de alguns, mas mantenham o interesse de todos. Naturalmente, com a sua maneira de ver e de interpretar a realidade. As coisas funcionam assim, há oposições, maneiras diferentes de interpretar a realidade, mas tendo sempre em conta que é o bem comum que está em causa.

Esta nova composição parlamentar vai exigir mais negociação, mais consenso. Em sua opinião, isto é um bom ou mau sinal, quando se assinalam os 50 anos do 25 de Abril? É um teste à nossa maturidade democrática?

Pode ser, penso que sim. O entendimento dos partidos deve ser feito com dignidade e com sentido de bem, e não simplesmente porque tem de ser. Fazer das negociações uma atitude nobre de estar na vida, na política, no interesse comum de um país, e não simplesmente numa guerra de poder.

Há, obviamente, em tudo isto, um dado que importa nas negociações, que é a credibilidade das pessoas. É preciso olhar as negociações também com essa preocupação de verdade em relação àquilo que é o Governo de um povo e de um país. Ou seja, uma preocupação com a qualidade de governar. As pessoas vão para governar um país, não vão para se governar, há uma responsabilidade em governar um país, e é isso que está em causa. Quando alguma coisa soa a corrupção é muito preocupante para a estabilidade de um povo. Não pode acontecer, quer na parte do Estado, quer na parte das empresas e das instituições. Quem assume responsabilidades tem essa obrigação, em consciência, de proceder para o bem comum.

Falou na corrupção, sabemos que determinados casos judiciais que tem havido, alguns ainda a ser investigados, também têm minado, de alguma forma, a credibilidade da política...

Sim, mas aí posso partilhar aquela que é a minha sensibilidade: penso que uma qualquer denúncia, sem um fundamento que se perceba, deixa no ar uma suspeição em que a pessoa tem de ser retirada do seu posto sem sabermos porquê.

A demora da Justiça é muito prejudicial?

Exatamente. Essa é uma questão, com certeza, que os futuros governos vão ter de enfrentar, a forma da Justiça funcionar. Não é a minha área, mas a verdade é que sentimos que a Justiça dá uma imagem de não eficácia, um sinal de que não é necessária porque demora tanto tempo a resolver as coisas, que a certa altura manda-se vir a comunicação social e resolve-se na rua. Prescinde-se da Justiça, porque resolve-se com um debate. Na Justiça fica-se pendurado anos para se resolver uma coisa. Não é uma imagem boa. A Justiça devia funcionar.

Tem de ser uma prioridade do próximo Governo?

Eu acho que deve ser.

E dos vários partidos, haver consensos?

Mas não uma prioridade acelerada, as coisas têm de ser analisadas para haver justiça.

Mas, tem de mudar alguma coisa, para que a Justiça tenha meios para atuar…

Absolutamente.

COMBATE À POBREZA. PRIORIDADE AOS TEMAS SOCIAIS

Estou a olhar para a lista que tem a seu cargo, como presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, e é muito abrangente: Comissão Nacional Justiça e Paz, Pastoral Penitenciária, Capelanias Hospitalares, Comissão Nacional da Pastoral da Saúde, Cáritas e Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência. É toda esta área social.

Mais a parte dos migrantes, que é tão importante.

Nesse sentido, pergunto: em sua opinião, quais devem ser as áreas e as medidas prioritárias para o próximo Governo? O que é que é mesmo urgente?

Parece-me urgente uma reflexão e um estudo sobre o rendimento das pessoas em Portugal. Somos o país da Europa onde a diferença dos rendimentos é maior, e isto tem a ver depois com a questão da habitação, com os jovens que se formam e vão para o estrangeiro trabalhar, tudo por causa da diferença de rendimentos que existe.

Perdemos aquilo a que se chamava a sociedade remediada. Com grandes grupos a terem rendimentos que tornam públicos, muito positivos, mas isso não corresponde à realidade da sociedade, que vive deprimida em termos de resolução e governo da própria vida, das pessoas e das famílias.

É o apelo que temos vindo a fazer, a Cáritas e também a Comissão Nacional Justiça e Paz: queremos, obviamente, colaborar, mas temos de observar, fazer estudos e chamar a atenção, porque não queremos manter uma situação de dependência, em que as pessoas se estabilizam ali na esmola, mas que as pessoas cresçam, se desenvolvam. Queremos um país desenvolvido de forma abrangente. Não chega ter uma sociedade com uma economia com êxito, quando, afinal, no todo da população há muita gente que fica para trás.

Aliás, o último barómetro da Deco Proteste revela, por exemplo, que três em cada quatro famílias sentiram grandes dificuldades em pagar as contas no ano passado. E o estudo da Cáritas, revelado em fevereiro, indicava que há cerca de 513.000 pessoas em situação de privação material severa, e dá conta também de uma tendência de aumento do número de pessoas em situação de sem-abrigo. Estamos a falhar neste combate à pobreza, em conseguir que os portugueses tenham uma vida digna?

Temos já académicos a estudar o fenómeno da pobreza, que têm dados e que podem ser uma ajuda para quem governa. Aquilo que já ouvi é que é preciso um desígnio da parte governativa para enfrentar estas situações, levar a sério essa resposta. E há quem esteja disponível e possa colaborar nessa avaliação.

Deve ser uma prioridade?

É uma prioridade cuidar dos pobres e da questão dos rendimentos das famílias, das pessoas em Portugal. É mesmo uma necessidade, porque a questão agravou-se.

Já falamos aqui da habitação, da saúde e educação, tudo se interliga. Numa entrevista à Renascença, a antiga ministra da Educação, Maria Lurdes Rodrigues, diz que o desafio para o próximo Governo é “reparar o elevador social”, que está avariado. É também para isso que está a alertar?

Vamos lá ver, nestes 50 anos do 25 de Abril não podemos deixar de considerar o desenvolvimento que foi feito. Ainda há dias me encontrei com pessoas com necessidades especiais, e o desenvolvimento, a consideração que há em relação a estas pessoas hoje é notável. Pensando há 50 ou 60 anos atrás e o que há agora de resposta, é notável. Claro que não é o Estado, são as instituições com o apoio do Estado e hoje as famílias têm referências de apoio, que vêm a público. Gerou-se uma consideração, quase uma ternura, um carinho da sociedade em relação às instituições que têm essas pessoas e vem ao de cima uma beleza humana que não conhecíamos.

A própria Igreja também tem ajudado a essa sensibilização, com o Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência.

Sim, claro. Se houve atenção, neste caso, a estas pessoas, e se criaram movimentos e instituições para trazer auxílio a esta realidade humana, porque devem fazer parte da evolução do país... não podemos cair numa situação em que há um problema de rendimentos, de famílias com complicações a emigrarem. É preciso uma presença, uma atitude de confiança e de bem, de modo a que toda a gente se envolva, também as empresas e os grupos económicos. Sei que muitos têm essa postura e interesse em que as coisas se desenvolvam, e se preocupam com o o diálogo com os seus funcionários. Mas é preciso cultivar essa maneira de estar na vida, reconhecendo o bem. Digamos que cada empresário é um agente social, porque está a fazer bem ao país e a muita gente.

"Somos o país da Europa onde a diferença dos rendimentos é maior"

A questão dos salários também depende da sensibilidade dos empresários, de uma mudança e melhoria...

E depende do estímulo, quer no sentido da boa vontade dos empresários, quer dos próprios funcionários e colaboradores, da atenção que lhe é dada e da sua valorização, se isso acontece também se sentem estimulados a corresponder. Há empresários com muito êxito em relação aos funcionários, porque os ouvem, não dão apenas ordens. Pode não ser o dono da fábrica, mas há gestores e responsáveis de setor em que as coisas são dialogadas, e há um acompanhamento, as pessoas sentem-se bem no trabalho que fazem, não há distanciamento, gera-se um trabalho de proximidade.

Quer dizer, a valorização das pessoas não é apenas ganhar dinheiro, é sentir que o seu trabalho é um bem para o desenvolvimento do país e do mundo, e que esse trabalho realiza e até santifica.

IMIGRAÇÃO

A imigração é um dos problemas que a sociedade portuguesa está a enfrentar, com a chegada de cada vez mais migrantes. Isso tem sido usado, nem sempre pelas melhores razões, como bandeira política, por alguns partidos. A Cáritas alertou há dias para o facto de estar no limite da sua capacidade de ajuda aos migrantes. Muitos dos programas de apoios estão a ser descontinuados. Teme que se possa chegar a uma situação de rutura?

Eu não sei se não estará já. Eu estive na reunião da Cáritas onde essa preocupação foi partilhada, pelas Cáritas diocesanas. É uma situação que parece de descontrolo! Isto é, não me compete, nem sei falar sobre as motivações que levaram ao fim do SEF e ao aparecimento da AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo], mas a verdade é que há a sensação de que não há controlo da situação. Esta é a sensação, que não há controlo!. Quem sabe, pode responder… O momento agora, com mudança do Governo, também não é o melhor. Mas é uma situação difícil.

Para um problema destes, qualquer minuto de atraso conta…

Conta, e não se pode gerar uma situação de descontrolo, quer nos aeroportos, quer na identificação das pessoas, o que que é que vêm fazer. Surgem situações inesperadas, de um momento para o outro, e se não há ninguém do Estado a controlar a situação, não é da competência da Cáritas fazer esse trabalho.

"Fim do SEF? É uma situação que parece de descontrolo!"

Portanto, este marcar passo que houve, pela extinção do SEF, até à criação da nova agência, fez agravar a situação?

Sim. Há aqui uma situação que, claramente, para os nossos serviços de apoio, sentimos que não está segura, não está garantida.

Nem as respostas que são dadas em termos de ajuda?

Sim, porque a certa altura aparece um serviço do Estado que pede à Cáritas, de repente, 100 refeições! Ok, estamos cá, vamos ajudar, mas é agora?

As instituições ajudam, mas tem de ser em colaboração com os serviços do Estado e com o financiamento do Estado?

É uma cooperação. Funcionamos com um princípio de cooperação e lealdade, e precisamos que o Estado também tenha esses princípios. Ajudamos, colaboramos, mas é uma colaboração supletiva, isto é: o Estado não pode ser substituído, tem de ser o Estado a assegurar esse controlo da identificação das pessoas, quem é que as acompanha. Aparecem mães com crianças, questões de saúde, de residência. São preocupações, e os nossos serviços não têm forma de corresponder a essa exigência.

Essa também deve ser uma prioridade?

Sim. Cuidar desta área é uma prioridade.

SÍNODO

A Igreja está em caminho sinodal. O Papa Francisco indicou recentemente dez temas para serem discutidos na segunda etapa do Sínodo, em outubro, entre os quais "os critérios teológicos, metodologia sinodais para o discernimento partilhado das questões doutrinais, pastorais e éticas controversas", a "missão no ambiente digital", e ainda a revisão dos documentos que tratam da relação entre bispos, vida consagrada e associações eclesiais. Acredita que poderão sair mudanças relevantes para a Igreja depois deste Sínodo?

Admito que sim. Se o Papa quer tratar destes assuntos na última sessão do Sínodo dos Bispos, imagino que votarão sobre estas propostas, e depois o Papa retirará dessa escuta elementos para promover um documento em que altere alguma destas áreas da vida pastoral da Igreja, correspondendo assim ao desejo manifestado pelas pessoas que estão a participar. E que se entenda que será uma situação inspirada, porque o Papa pede para que se reze, até no Sínodo, que rezem antes das reuniões. Espera-se que seja uma atitude responsável, obviamente, naquilo que fôr decidido. E não me admira que haja algumas modificações.

BENÇÃO CASAIS DO MESMO SEXO

Sobre o recente documento relativo à bênção dos casais do mesmo sexo, ou em situação irregular, sabemos que provocou posições e comentários antagónicos dentro da Igreja. Como é que olha para este tipo de polarização que existe, de facto, e que às vezes se estende também a outros âmbitos, como a Liturgia?

Bom, esse documento não foi um efeito do Sínodo. O Dicastério resolveu fazer um esclarecimento, que gerou alguma perturbação, digo eu, na Igreja. Devo confessar que a minha reação foi 'estamos perante uma inutilidade'. Para que é que foi feito? Consideraram no Dicastério que era muito necessário para dar explicações. Não era necessário, porque aquilo que aprendemos desde o início é que uma bênção não se nega a ninguém. É um princípio: uma bênção, não se nega a ninguém.

Mas, para haver um documento destes é porque, se calhar, isso não estava a ser feito, não estavam a ser consideradas estas situações…

Sim, mas de qualquer modo, não há nenhuma alteração substancial, porque não se trata de abençoar uma união, é a bênção de pessoas, individual. Não há alteração, e só fez confusão.

O esclarecimento não esclareceu, fez confusão?

Fez, e não agradou a ninguém. Também não agradou aos homossexuais, porque não veio corresponder àquilo que porventura pretendiam. Foi um esclarecimento que serviu para quem precisava dele, mas para quem aprendeu que as bênçãos são para se dar e que não se negam, não veio acrescentar.

ABUSOS NA IGREJA E INDEMNIZAÇÃO ÀS VÍTIMAS

Não podemos deixar de falar sobre os abusos sexuais na Igreja. A reparação financeira às vítimas vai ser discutida já na próxima assembleia plenária da Conferência Episcopal, em abril, onde vai ser apresentada uma proposta para o valor das indenizações. Já há mais consenso entre os bispos nesta matéria?

Não sei se haverá. Sei que vai haver a assembleia em abril, e este assunto faz parte da agenda. Mas, não sei se haverá, porque há questões de processo. A questão do entendimento sobre isto é o entendimento do processo que levou a estas coisas, como as coisas têm sido feitas, e aí vejo que não há unanimidade nas observações que me têm chegado. Vamos ver se a Assembleia chega a um consenso em relação ao método, às formas.

E aos valores? Por exemplo, em França, recentemente foram indemnizadas 489 vítimas, com uma compensação financeira média de 35 mil euros. Pode vir a ser um valor de referência para Portugal?

Bom, este é o meu parecer: as coisas têm um contexto numa diocese, e é numa diocese que se devem resolver. Portanto, nas dioceses, na relação com as pessoas, numa análise, é que se deve chegar... porque, se não estamos perante um tribunal, não é uma indenização. Vamos ver como é que as coisas se devem resolver, tem de ser com bom senso e com sentido de proximidade.

O que não me parece bem é haver agora… constar que há pessoas que se dizem abusadas e que devem ser acompanhadas, mas que não querem nenhuma aproximação à Igreja. Só querem dinheiro? Isso também é um pouco estranho. Foi pedido que atendêssemos as pessoas, que os bispos falassem com pessoas abusadas, e cuidassem dos abusadores.

"Consenso sobre indemnizações? Esse assunto faz parte da agenda da assembleia de abril. Mas não sei se haverá, porque há questões de processo"

E isso está a ser feito?

Sei que os bispos têm falado com pessoas abusadas, sim. Mas, de repente, dá a impressão que o assunto deve ser tratado à parte. Não! Senão não evoluímos, ficamos cada um à distância, no seu gabinete. Não pode ser assim. Trata-se de fazer aquilo que é necessário fazer, que é gerar proximidade, ter um bom diálogo e um bom entendimento, e criar aquela confiança que porventura tenha falhado no passado. Confiança com pastores que falam às pessoas como filhos da Igreja.

JMJ LISBOA

O ano de 2023 ficou marcado pela Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa. A Igreja em Portugal, em sua opinião, está a saber potenciar os frutos desse encontro?

Penso que ainda não. Ainda não o conseguiu e tenho alertado para isso, naquilo que me diz respeito. Porque mesmo aquilo que é o assumir a mensagem que o Papa nos deixou escrita com a sua presença, nas intervenções que teve, a gestão dessa mensagem não está completamente assumida.

Aconteceu isto - que me parece que é generalizado, e que também se entende, que foi de repente um cansaço. Trabalhou-se tanto que houve um cansaço tão grande, "deixem-nos parar um bocadinho para descansar"!

Mas, com os jovens não se pode descansar...

Não se pode, exatamente. Acho muito bem aqueles que já tomaram iniciativas, no sentido de pedir aos jovens um testemunho: nas comunidades, dentro dos movimentos, que deem um testemunho sobre o que se passou; o que é que aprenderam? Quais foram as motivações? O que é que isso contou para a sua vida e para o seu futuro? Qual é o que entendimento sobre a sua presença na Igreja, que protagonismo gostavam de ter? Que os jovens assumam esses desafios com todo o interesse, e colaborem para o futuro da sociedade, da Igreja e para o seu próprio futuro.

Penso que a JMJ - voltando aos documentos e à mensagem do Papa - pode sugerir muito deste testemunho, para quem esteve lá.

Agora, a Jornada em si mesmo é que foi um grande testemunho! E isto é que não se pode perder. Não é um testemunho para nos afirmarmos. Foi um testemunho em si mesmo.

E a vários níveis, até na forma como a pode comunicar e mostrar-se aos outros, crentes e não crentes.

Sim, um testemunho enorme de beleza e de como mais de um milhão de pessoas podem estar em convivência pacífica. Isto é profético! Não temos de andar aqui à tareia uns aos outros e a dar cabo do mundo. Os jovens do mundo inteiro deram um sinal profético ao mundo, e deram-no em Lisboa.

"Aquilo que aprendemos desde o início é que uma bênção não se nega a ninguém"

Foram as verdadeiras Nações Unidas em Lisboa...

Exatamente. Um sinal ao vivo! Quer dizer, não é uma afirmação da Igreja, porque quer dar lições ao mundo. É simplesmente promover os sinais proféticos, e ali foram os jovens que o deram, e jovens do mundo inteiro.

Não se pode perder esse sinal, toda a gente tem boas recordações dessa maneira de estar. O saldo é muito positivo e não se vai perder...

Isto também vai ser conversado na assembleia plenária? Olhar para a frente?

Penso que sim, mas tem de ser cada diocese a cuidar. Na realidade tivemos um grande evento, mas o trabalho é feito localmente, onde as pessoas estão. Essa animação tem de passar ao real, semana a semana, mês a mês, nos grupos de jovens universitários, outros ainda da escola secundária, jovens que estão nos movimentos de Igreja. Cabe-lhes a eles assumir o desafio da mensagem que o Papa lhes deixou e que desejo muito que a retomem. De facto, para serem protagonistas do mundo novo, convém reunirem-se e atenderem ao desafio.

NOMEAÇÃO BISPOS

Sobre a nomeação de novos bispos, é um processo bastante demorado. Tivemos agora a nomeação do novo bispo para Beja, o mas o Patriarcado de Lisboa aguarda a indicação de novos bispos auxiliares, e este ano há pelo menos três dioceses cujos bispos vão completar o limite de idade - Guarda Portalegre e Algarve. Porque é que estes processos demoram tanto tempo? Isto não é prejudicial para a vida da Igreja?

É prejudicial para a animação das comunidades. As dioceses querem e precisam dos pastores, e nesse sentido, sim, há algum prejuízo. Mas, não lhe posso responder porquê...

Não está na sua mão....

Não está. Mas, nas nessas observações que o Papa Francisco faz, que quer ver tratadas na última sessão do Sínodo, em outubro deste ano, um dos pontos é exatamente a nomeação dos bispos, o que significa que o Papa tem intenção de tocar neste assunto em termos de processo.

Tem consciência de que não está bem como está.

Não está a conseguir-se eficácia. Como há aqui uma questão de sigilo no processo, não temos eco daquilo que são as dificuldades da Nunciatura, não são conhecidas. Pode ser que alguns bispos saibam, aqueles que têm bispos auxiliares. Eu não tenho essa experiência e não sei explicar. Mas, a dificuldade existe, é bom que o processo seja mais agilizado e se resolva mais cedo as nomeações. É preciso saber se é um problema de Portugal ou também de outros países. Estou convencido que para aparecer aqui como um ponto a discutir na última sessão do Sínodo, dá a entender que o assunto não é uma questão só de Portugal, é mais universal.

PÁSCOA

Que mensagem deixa para esta Páscoa?

A Páscoa é uma forma solene de nos aproximarmos e celebrarmos aquilo que celebramos todos os domingos, mas temos aqui uma semana especial, e uma noite e domingo especiais, que é a Solenidade da Páscoa: Semana Santa, Tríduo Pascal, o mistério Pascal a ser celebrado. Esta caminhada quaresmal e a celebração da Páscoa puxam por nós. Nós precisamos disso, que nos lembrem, que puxem por nós.

Nós, católicos, somos cristãos batizados. Essa dimensão batismal consagra-me como Filho de Deus, e ao consagrar-me faz me pertença: 'eu pertenço a Deus'. Às vezes esquecemo-nos disto, a azáfama é muita, precisamos que alguma coisa nos lembre isto.

A minha relação com Deus pode precisar de momentos de paragem, e a Liturgia tem esta pedagogia de me levar a aprofundar aquilo que sou chamado a fazer na Páscoa. É a renovação da nossa pertença. Na Liturgia chama-se 'renovação das promessas batismais', que é uma coisa que se diz na Vigília Pascal. Mas, não pode ficar apenas no rito da Liturgia. Deus quer mesmo a nossa renovação pessoal, vai servir-se de uma celebração Pascal para nos retomar, para nos renovar. Nós precisamos de renovar essa pertença, que nos fortalece e nos liberta.

Os cristãos têm a possibilidade de testemunhar uns para os outros em oração, e depois nas comunidades e em família, esta dimensão de pertença como algo feliz e libertador.

Mas, o desafio é prolongar essa renovação para lá da Páscoa.

Claro. Mas estes momentos são precisos, para quebrar ritmos, e há uma pedagogia, de facto. A Páscoa não acontece num momento qualquer, aparece na mudança de estação também. A própria natureza ajuda, porque há mais sol, há dias com mais luz, há mais flores, há aqui um despertar. Há uma natureza que vem ao de cima e a Páscoa sugere contemplar a própria natureza. A natureza renova-se e nós somos também renovados espiritualmente. É isto que se pede.

O que desejo para os cristãos é que assumam a Páscoa como momento de renovação e de pertença a um Deus que nos quer envolvidos naquela mensagem de Jesus, que é viver o seu Reino. A dimensão da espiritualidade cristã não é dispensável da nossa missão. Viver com harmonia aquilo que se celebra e passar o nosso testemunho e a nossa a alegria. Tem de haver coerência, obviamente, na vivência da vida. Mas é isto que Jesus me veio trazer e desafiar, oferece-me de novo uma Páscoa - e Deus é sempre novo, não é mais uma Páscoa. É sempre a mesma, mas que se retoma, se renova com a presença de Deus e de uns dos outros.

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