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Entrevista a Nuno Palma

"Portugal está bloqueado e capturado por interesses". Próximo Governo "deverá durar meses"

29 fev, 2024 - 06:00 • Sandra Afonso

Portugal é mal gerido, não consegue convergir, está dependente dos fundos europeus que são uma maldição, os partidos são incapazes de aplicar reformas, mas o povo também não quer a mudança, É o retrato do país, segundo o economista Nuno Palma, que não encontra soluções nos programas económicos dos partidos nem espera uma solução governativa estável a 10 de março.

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Que desafios Portugal enfrenta? Para responder a esta pergunta em tempo de eleições legislativas, a Renascença fez uma série de entrevistas temáticas, onde se inclui a atual entrevista a Nuno Palma, sobre economia.

Veja aqui outras entrevistas:


Portugal é um país mal gerido, que não consegue convergir com a Europa, mas nem os partidos, nem a população querem a mudança. É deste modo que Nuno Palma, economista, investigador e professor catedrático na Universidade de Manchester, olha para este retângulo banhado pelo Atlântico

Em entrevista à Renascença, o autor do livro "As Causas do Atraso Português" (D. Quixote) analisa o presente a partir do passado e antecipa o futuro, mas não deixa esperança. Não pensa regressar a Portugal antes da idade da reforma porque não acredita numa recuperação nas próximas décadas.

Palma acusa os partidos do arco da governação de alimentarem o atraso estrutural do país, para continuarem a receber os fundos europeus, dinheiro que descreve como uma maldição, que equipara ao ouro do Brasil.

Os fundos europeus têm sido usados pelos partidos para financiarem a sua manutenção no poder e manterem a população relativamente satisfeita. É também isso que justifica o atraso do país e a dificuldade em aplicar reformas: a população não quer a mudança.

Nuno Palma explica que os problemas de Portugal não são de hoje, nem foram provocados por um mau Governo, é o resultado de décadas de decisões e ideias erradas. O economista rejeita que Portugal tenha uma das maiores cargas fiscais ou que a descida dos impostos resolva os problemas, acusa os reguladores de falta de independência e critica os programas económicos dos maiores partidos, AD e PS.

O investigador não encontra soluções para a economia nacional nas propostas partidárias, defende que o país está capturado por interesses, não acredita numa solução de estabilidade a 10 de março e admite que o próximo Governo deverá durar apenas meses.

Defende ainda que o PSD não tem capacidade para mudar o país e vai acabar por desaparecer da Assembleia da República, como aconteceu com o CDS, à semelhança do que tem acontecido com outros partidos na Europa.


Desinvestimento em capital humano, mau funcionamento da justiça e más políticas públicas. São algumas das causas para o atraso de Portugal, que identifica no livro que escreveu. Encontra nos programas que os partidos agora apresentam para as legislativas respostas a estes problemas?

Alguns deles reconhecem que estes são problemas. Estas são causas próximas do atraso, são algumas das causas imediatas que explicam porque é que Portugal é um país mal gerido e, sendo um país mal gerido, é um país que não se consegue desenvolver e que não consegue convergir com a Europa. Alguns dos partidos falam nestas coisas, mas depois, no que toca a propostas concretas para resolver estas coisas ou reformas concretas, de que forma é que estes problemas vão ser resolvidos, todos os partidos são muito, muito vagos sobre reformas concretas, se é que falam de todo em reformas concretas.

Por que é que acha que é tão difícil avançar com reformas em Portugal?

Antes de mais, porque a população não quer. A população tem medo das reformas, não quer ouvir falar de reformas. A população, grande parte dela, não sente a necessidade de haver reformas, está confortável como está.

Mesmo percebendo que não há alterações sem reformas?

Mas as pensões vão sendo pagas, o salário mínimo vai aumentando. Grande parte da população não sente a necessidade de uma mudança.

Tendo em conta as sondagens e a tradição em Portugal, dia 10 a vitória será entre o PS ou a AD. Do que li e ouvi, é bastante crítico sobre o conhecimento de economia de qualquer um dos líderes, Pedro Nuno Santos ou Luís Montenegro?

Ainda que, é preciso reconhecer, que a equipa de Luís Montenegro é muito mais competente do que a equipa de Pedro Nuno Santos. Eu não conheço um único nome competente na equipa económica de Pedro Nuno Santos, não há nenhum economista que reconheça como um bom economista e todo o programa económico de Pedro Nuno Santos é um conjunto de disparates.

No caso de Montenegro, eu próprio não voto na AD, mas reconheço que há bons economistas na equipa. O Joaquim Miranda Sarmento é um bom economista, é uma pessoa bem-intencionada. Se vão fazer as reformas necessárias, aí tenho bastantes dúvidas, mas Montenegro ouviu economistas muito bons a nível internacional. Pelo menos, escutou as pessoas certas e tenta chamar pessoas certas para a equipa. Aí, há uma assimetria, as equipas económicas dos dois lados não são iguais.

"Muito dificilmente o Governo que ganhe, seja ele qual for, vai durar mais do que alguns meses"

Ainda assim, há muitas propostas que se aproximam. Já lá vamos, antes queria falar do crescimento da economia. Enquanto a AD aponta para um crescimento de 3,4% em quatro anos, o PS é mais conservador e fala em 2%. Isto numa altura em que Bruxelas já reviu em baixa as perspetivas de crescimento e adiou a retoma. Qual destes cenários lhe parece mais realista?

Nenhum deles. O cenário mais realista é um cenário pior que qualquer um desses. O que é preciso compreender é que muitos destes programas eleitorais prometem cenários, mas não explicam muito bem como é que estes números vão ser conseguidos. Vou parecer menos parcial se criticar a AD, é isso que farei. Não é dito no programa, de forma muito clara ou de todo, quais são as reformas - e as reformas vão sempre doer a alguém - que vão ser feitas, para gerar esse tipo de taxas de crescimento e, como tal, não me parece que essas taxas de crescimento são realistas.

Todas estas coisas de que estamos aqui a falar são espuma. Quem vai ganhar as eleições? Que cenários de curto prazo se vão concretizar? A mim interessa-me mais, é o que tento fazer neste livro de divulgação científica, baseada numa literatura extensa, é tentar compreender porque é que Portugal chegou à situação em que está. Porque é um país não só mal gerido, mas onde é difícil reformar, em que não é credível que as reformas necessárias para o crescimento estejam à nossa porta. Só podemos olhar de frente para o futuro e compreender que caminhos são possíveis se compreendermos bem como chegámos ao presente.

Partindo dessas conclusões, tentamos agora perceber a atualidade e até onde podemos chegar. Refere no livro, por exemplo, que descer impostos não resolve nada por si, é apenas um paliativo, porque a economia não está a gerar riqueza. Tanto a AD como o PS, além de outros partidos, apresentam várias propostas de alívio fiscal. Não acredita que vão ter impacto?

Esta questão é um pouco complexa. Uma coisa é a questão das taxas e taxinhas, da complexidade fiscal e até da previsibilidade fiscal. Não é bom estar sempre a mudar na lei o que tem a ver com os impostos, porque as empresas precisam de planear a longo prazo.

É mais uma reforma, a simplificação, que está adiada.

É importante simplificar, é importante prestar atenção ao contribuinte. Agora até há uma associação de defesa do contribuinte, presidida pelo Paulo Carmona, faz sentido num país como Portugal prestar atenção a estas matérias.

Não é verdade dizer que a carga fiscal em Portugal é muito alta ou particularmente alta a nível internacional. Há muito essa ideia feita, especialmente à direita, mas não é verdade. O peso do Estado na economia em Portugal está a um nível normal a nível europeu. O que não é normal em Portugal é que depois o que é dado em troca desses impostos tem fraca qualidade.

O Serviço Nacional de Saúde não funciona bem, as escolas não funcionam bem, os alunos portugueses estão a cair no teste pisa, os tribunais e a justiça funcionam espetacularmente mal. Os serviços que os cidadãos recebem, os bens públicos, pelo dinheiro de impostos que entregam, esse é que tem qualidade muito fraca. Aí é que está a grande debilidade.

Também há quem compare o nível de impostos tendo em conta a dimensão do país?

Em relação ao tamanho da economia, isso não é verdade. Há uma medida alternativa que é a do esforço fiscal, mas é uma medida, algo obscura. Se fizer as contas relativamente aos salários, etc..., pode encontrar certas medidas em que efetivamente Portugal tem um esforço fiscal maior que os outros países. Mas, nenhuma destas dimensões é claramente anormal em relação a outros países. O problema é que, depois, o que os cidadãos recebem em troca, dos impostos que pagam, têm muito má qualidade.

Houve um claro desinvestimento público nos últimos anos, as estatísticas têm provado isso. Como é que se explica este desinvestimento? Não há dinheiro? É uma questão de prioridades? O que podia ter sido feito de forma diferente?

Todos os governos de António Costa foram alérgicos a reformas, o objetivo era que ficasse tudo na mesma, criar estabilidade política de curto-médio prazo. Mas, isso foi sempre feito à custa do futuro, à custa de qualquer tipo de investimento que só viesse a dar retornos num futuro mais longínquo.

Os cortes no investimento público foram bem documentados, por exemplo, pelo Miguel Faria e Castro, economista radicado nos Estados Unidos, que mostrou de forma sistemática que os níveis de investimento públicos têm sido baixíssimos. Há outras pessoas, como António Nogueira Leite, que têm enfatizado essa questão.

O investimento público está em mínimos históricos e nós vemos isso nas nossas vidas, no estado do Serviço Nacional de Saúde, nos hospitais no estado das escolas.

É uma consequência das contas certas? Apesar de importante, esta política foi demasiado agressiva?

Isso tudo tem a ver com essa questão de que a lição da troika foi aprendida e os governos do PS não quiseram arriscar que as finanças públicas chegassem a um ponto em que era preciso outra intervenção externa e, portanto, equilibraram as contas. Uma das formas de equilibrar as contas foram as cativações. Muitas vezes, aliás. Os orçamentos aprovados na Assembleia da República depois não eram efetivamente aplicados, porque o Ministério das Finanças cativava a despesa. Era uma despesa só feita no papel.

A nível constitucional, levanta dúvidas, porque retira à Assembleia da República essa capacidade de aprovar orçamentos. Depois o Ministério tem autorização para cativar o dinheiro e ele nunca sai. Esses orçamentos são uma fantasia.

Foi assim que os últimos ministros das Finanças fizeram um brilharete com as contas públicas?

Um brilharete que é só um brilharete orçamental e depois tem consequências graves para a vida das pessoas. É um brilharete um bocadinho míope.

Quer com isso dizer que as contas certas foram severas demais?

Essa é uma questão pouco relevante, se houvesse crescimento, se existissem as políticas públicas que iriam criar crescimento económico, fazer o país crescer e desenvolver-se.

Querer cortar umas coisas que têm imensas consequências na vida das pessoas, para criar contas certas, recusando-se esses governos a fazer as reformas que o país precisa para crescer, é míope. É mais uma forma de manter as bases de apoio, porque há muitas pessoas que têm o trauma da troika e fazem acusações sem sentido sobre quem tem culpa dos cortes. Há um historial que depois se combina com o nível de capital humano baixo do país, o efeito das ajudas europeias, que são umas aspirinas ou pensos rápidos, que fazem as pessoas não sentir as verdadeiras consequências da péssima governação que existem em Portugal.

"O país está bloqueado, mas o país não quer mudar"

Já voltamos às ajudas europeias. Ainda sobre a política que tem sido seguida, uma das consequências foi a perda de rendimentos, estamos a falar de salários e pensões, que os partidos querem continuar a recuperar. Esta é uma intervenção necessária do Estado?

Não compete ao Estado determinar salários.

Nem o salário mínimo?

Há um mínimo de intervenção, eventualmente no salário mínimo. Mas em Portugal há aí um problema, porque o salário mínimo está cada vez mais próximo do salário médio. Não vale a pena entrar agora nos detalhes de quão mínimo deve ser o SMN.

O que importa é que não pode haver a ideia, que é uma fantasia, de que o governo é que determina salários. Isso não é de todo verdade. Os salários são determinados pela produtividade da economia. A forma de termos salários altos não é por decreto! Tem de ser através da economia e de níveis de produtividade altos. Para isso o país tem de ter políticas públicas apropriadas, que criem um ambiente propício ao desenvolvimento do setor privado e a um melhor funcionamento do setor público.

A administração pública, por exemplo, não tem critérios de mérito. A evolução na carreira, seja dos professores, seja dos juízes, ou até no setor da saúde, não depende da sua capacidade de fazer um bom trabalho ou não. Um professor pode ser mau professor e fica a vida toda mau professor numa escola secundária, sem grandes consequências para a sua carreira. Um juiz pode não despachar os processos com a rapidez e com a competência necessária, outro pode ser muito mais eficiente e não há grandes consequências.

Toda esta falta de escrutínio, falta de avaliação de desempenho em toda a função pública, em toda a administração pública, depois tem consequências na economia privada e na criação de riqueza que levaria a salários mais altos para todos.

É muito crítico sobre os fundos europeus e agora o PRR, chama-lhes "o novo ouro do Brasil" e diz que são uma maldição. Quer explicar?

Tal como o ouro do Brasil não desenvolveu a economia portuguesa no século XVIII, bem pelo contrário, nos nossos dias também é verdade que não é este dinheiro caído do céu que vai desenvolver a economia portuguesa. Isso é uma fantasia. Tal como é uma fantasia dizer que o problema não é dos fundos, mas da forma como são aplicados. Claro que isso é uma tautologia, é imediatamente verdade. Mas, o que defendo no livro é que não existe o contexto em Portugal para que os fundos sejam bem utilizados e não vale a pena imaginar que vem outro Governo, diferente, e os próximos é que vão usar bem os fundos.

As instituições são demasiadamente fracas em Portugal, o capital humano é demasiadamente baixo para que os fundos possam ser bem utilizados. É inevitável que fundos desta natureza e nesta quantidade venham a ser mal utilizados. Os fundos acabam por ser uma maldição tanto para a economia portuguesa como para o sistema político português.

Lendo as suas palavras, percebemos que critica diretamente a gestão política destes fundos europeus, como a distribuição por empresas mais pequenas, privadas, que não têm potencial transformador.

Cito alguns estudos científicos que mostram que há uma série de empresas de média e pequena dimensão em Portugal que, no fundo, recebem os fundos como uma forma de ganhar a vida. Mas não são empresas que tenham um potencial transformador para a economia portuguesa. Portanto, os fundos só estão a atrasar a chegada de reformas que possam levar a melhorias na economia portuguesa.

Acusa mesmo os políticos de prolongarem o atraso do país para continuarem a receber estes fundos.

A nível político, tem efeitos negativos porque permitem aos partidos que estão no poder e, em particular, ao partido dominante que tem gerido Portugal nas últimas décadas, manter-se no poder e distribuir apoios políticos, comprar apoios políticos com o dinheiro que recebe desses fundos.

Como as pessoas não sentem no bolso as consequências de estarem a ser tomadas más decisões, isso vai adiando a revolta. Essa mudança está sempre a ser adiada devido à existência dos fundos.

O que acontece quando a torneira se fechar?

Em qualquer regime político, mas em particular numa democracia, a opinião pública importa e os políticos são escravos da opinião pública. Os políticos vão fazer o que acham que a opinião pública quer, para que sejam eleitos. Para acontecer uma mudança, a opinião pública tem que mudar, a forma como as pessoas pensam tem que mudar. E porque é que as pessoas não pensam de outra forma? Porque as pessoas não sentem as consequências no bolso.

Imagine que no caso da TAP, por cada vez que o Estado tinha de fazer uma injeção de dinheiro, as pessoas recebiam em casa a conta para pagar. A TAP tinha acabado muito antes das injeções de Pedro Nuno Santos! Ele fazia injeções brutais, meteu ali montantes ridículos, que teriam tido utilizações alternativas muito melhores na economia, fosse nas escolas, nas universidades, nos hospitais, no sistema de justiça. Houve um enorme custo de oportunidade, de dinheiro espatifado na TAP, mas as pessoas não sentiram no imediato essas consequências. Caso contrário, ele teria sido demitido muito antes.

As coisas só vão mudar quando a opinião pública mudar, mas a chegada destes fundos é uma das coisas que atrasa essa mudança.

Também não concorda com a defesa dos centros de decisão nacional, porque entende que só protegem os lucros de monopólios. Ainda vemos isso na economia de hoje?

Claro que sim e por isso a proximidade ao poder político importa muito. E essa proximidade é muito mais fácil se for uma empresa com gestores nacionais, com pessoas que estão aqui na "corte de Lisboa", à volta dos políticos, a fazer lobbying de forma direta, conhecem-se todos, comem nos mesmos restaurantes, etc.

A economia portuguesa é um pouco corporativista, ainda nos nossos dias, é muito corporativista até. Mesmo o que se poderá chamar a direita em Portugal - não gosto muito dos termos direita e esquerda, mas para simplificar - mesmo a direita em Portugal é muitas vezes corporativista. Não promove a livre concorrência, promove a proteção de certos setores que, através da proximidade ao poder político, beneficiam de lucros de natureza oligopolista ou monopolista e que conseguem mantê-los através dessa proximidade ao poder político.

Isso depois tem consequências muito negativas para o consumidor, que iria beneficiar de uma maior concorrência.

O contrapeso a este cenário seriam os reguladores. Numa entrevista recente, disse que estavam capturados. Desconfia da independência de todos os reguladores nacionais?

Muitos reguladores estão efetivamente capturados.

Porque são nomeados pelo Governo?

São nomeados politicamente, direta ou indiretamente, e não funcionam. Muitas coisas são anunciadas, mas só existem no papel. Quantos pacotes anticorrupção é que já ouviu? A Autoridade da Concorrência, o Tribunal da Concorrência em Santarém, até que ponto é que a lei é efetivamente aplicada, é que têm os meios para fazer aplicar? Às vezes fica tudo só nos títulos dos jornais e depois anunciam outros pacotes anticorrupção ou outro pacote legislativo, para fazer títulos de jornais. Muitas das pessoas que estão à frente desses institutos e desses reguladores queixam-se que não há meios, mas também não se demitem, ficam lá a receber o salário todos os meses!

Diz também que Portugal é hoje um país bloqueado e em negação, o que é visível na abstenção. Estamos à beira de novas eleições, o que tem de mudar?

Em Portugal tem de mudar imensa coisa, a começar por uma mudança radical na opinião pública, de que já falámos. É um país profundamente estagnado, cada vez mais envelhecido, com os jovens a saírem em grande número, com uma comunicação social em que obviamente não existe uma censura prévia, parece-me que existe muita autocensura da parte das pessoas. Há um grande enviesamento ideológico, há pouca independência de grande parte dos órgãos de comunicação social, alguns dos principais jornais do país que acham que têm grande qualidade defendem programas ideológicos, não têm uma atitude de isenção. De forma absolutamente desavergonhada, defendem projetos políticos. É um país capturado por certos interesses.

Chegou a dizer que "o Chega vai rebentar com o PSD". Antecipa o eclipse do PSD, é isso?

Quero clarificar que essa afirmação não tem nenhum juízo de valor, não digo que gosto do Chega, estou a fazer uma previsão. Parece-me que sim, quanto mais o sistema económico do país falhar e quanto mais as pessoas sentirem que o país não está a dar soluções necessárias, certas coisas vão-se manter na mesma. Os fundos europeus, por exemplo, cada vez mais jovens vão sair do país, mais cedo ou mais tarde a Segurança Social vai entrar numa crise grave, os tribunais não são capazes de condenar políticos sujeitos a grandes processos de corrupção. O caso do Sócrates é absolutamente óbvio, mas há outros. O sistema de justiça continua a ser cada vez mais disfuncional. Tudo isso vai dar azo...

O PSD é uma marca gasta, as pessoas não acreditam que o PSD seja capaz de reformar o país. E eu, que até acho que o PSD tem umas pessoas boas e bem-intencionadas, mas infelizmente não acho que o PSD tenha a sério a capacidade e a vontade de mudar o país. À medida que a insatisfação de grande parte da população aumenta, a tendência vai ser para uma polarização, mas entre o PS e o Chega, e não entre o PS e o PSD. Infelizmente.

Pode acontecer ao PSD o mesmo que aconteceu ao CDS, desaparecer da Assembleia da República?

Penso que sim. Já aconteceu noutros países europeus, nos partidos equivalentes ao PSD.

Como historiador económico olha para o passado, obviamente, não para o futuro. Ainda assim, vou pedir-lhe esse exercício. Chega a escrever que Portugal é um caso perdido. Acredita mesmo nisso?

Tudo depende em que horizonte está a falar. Nas nossas vidas, parece-me que sim. Eu sou muito pessimista em relação ao futuro do país. O país está bloqueado, mas o país não quer mudar! Vemos pela maior parte das soluções apresentadas, que não são politicamente viáveis ou que, na verdade, estão a defender qualquer interesse ou qualquer lobby. Os conflitos de interesse dos comentadores que andam para aí nas televisões, nos jornais, a maior parte de fraquíssima qualidade. Esses comentadores muitas vezes, estão a defender qualquer lobby, qualquer interesse, têm conflitos de interesses não declarados.

Todo o país está capturado por estas narrativas, por estes disparates. Não me parece que haja um caminho evidente para sair disto. As eleições que vem aí, muito dificilmente vai sair uma solução estável em termos políticos destas eleições.

"As instituições são demasiadamente fracas em Portugal, o capital humano é demasiadamente baixo para que os fundos possam ser bem utilizados"

Vamos ter um Governo a prazo?

Muito dificilmente o Governo que ganhe, seja ele qual for, vai durar mais do que alguns meses. Não tem a ver com o que fez este Governo ou o anterior, tem a ver com um atraso histórico, níveis de capital humano baixos que vêm muito de trás e que tornam difícil a população portuguesa fazer escolhas diferentes. No início do século XXI, mais de metade da população portuguesa apenas tinha a escola primária ou menos.

Conseguiram-se algumas conquistas, mas agora parece que andamos outra vez a andar para trás no ensino.

Em termos relativos, sim, porque uma coisa é dizer estamos a avançar, mas os outros países não estão parados e avançam mais do que nós. Tal como na economia, Portugal é um carro a andar a 80 quilómetros por hora, quando os outros seguem a 120. Portugal está a ficar para trás.

Encontramos várias medidas alternativas nos partidos mais pequenos, mas esses não têm dimensão para formar Governo e o nosso sistema eleitoral muitas vezes não permite aproveitar estes votos. É mais uma reforma que considera essencial?

A reforma da lei eleitoral. A Constituição em Portugal e a lei eleitoral é toda feita para favorecer os partidos grandes. Todos os anos desperdiçam-se imensos votos que vão para o lixo. Devia haver um círculo de compensação. Por exemplo, eu voto no Círculo Europa, porque a minha residência fiscal é no Reino Unido, isto implica que qualquer voto meu, se não for no PS ou no PSD, vai para o lixo. Possivelmente, no futuro, se não for no PS ou no Chega, vai para o lixo.

Eu, que em eleições passadas votei na Iniciativa Liberal, sabia que o meu voto iria para o lixo. É uma coisa, num certo sentido, antidemocrática. Mas, os partidos, o PS e o PSD, tiveram a possibilidade de reformarem imensas vezes e nunca quiseram porque, obviamente, beneficiavam desse status quo. O PSD, se calhar, um dia vai-se arrepender de não o ter feito quando podia.

E não encontra medidas alternativas fora dos chamados partidos do arco da governação?

Sim. Mas eu também lamento dizer que já não sou capaz de votar na Iniciativa Liberal. Portugal é um país de tal forma iliberal, que até o próprio partido liberal faz purgas e livra-se das pessoas que tenham delito de opinião, como fizeram vergonhosamente à Carla Castro, pondo em cabeças de lista pessoas que simplesmente não têm nível para o ser, como o cabeça de lista por Lisboa, que é um "boy" puro, da máquina do partido, que não sabe nada, que não defende nada de jeito e que apenas está lá como uma espécie de marioneta pateta.

Isto também reflete a natureza do país, contrária ao mérito. É um país que não paga a quem tem mérito, pelo contrário, muitas vezes os tachistas, os aparelhistas conseguem chegar ao topo.

Foi um dos motivos que o levou a sair do país?

É evidente que sim. Eu não podia ter escrito este livro se vivesse em Portugal. Não era possível fazer nenhuma da investigação, não teria tido financiamento. As universidades provavelmente não me iam apoiar. Muita da Academia em Portugal é uma academia invejosa, mentirosa e desonesta, que não recompensa a iniciativa individual. É endogâmica, contrata os seus próprios alunos de doutoramento, é fechado às influências internacionais, é muitas vezes altamente politizada.

Está a fechar a porta a um regresso ao país?

Nunca iria regressar a Portugal para trabalhar. Talvez na reforma, se nesse momento for politicamente possível viver em Portugal, com liberdade, que não está garantido que venha a ser. Antes da reforma não regressarei, não tenho qualquer dúvida disso, porque não tenho qualquer esperança de que o país seja reformável.

Nesta geração?

Nos próximos 10, 20, 30 anos.

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  • Nuno Campos
    06 mar, 2024 Portimão 08:04
    Mais uma figura o sr Nuno Palma que fique por la porque nao disse nada de novo o que ele propoe para a economia realmnte esta nos programas eleitorais.
  • Antonio Queiroz
    02 mar, 2024 Bruxelas 23:25
    Excelente análise. Subscrevo inteiramente. Portugal já foi...Não há paciência!
  • Inês Correia
    29 fev, 2024 Maia 12:37
    Grande entrevista. Parabéns a Nuno Palma pelo trabalho de investigação que fez.

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