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Pandemia de Covid-19

“SOS Confinamento”. Quando todos fazem tudo em casa

22 fev, 2021 - 07:41 • Sandra Afonso

Muitos já não conseguem distinguir onde começa o “trabalhar em casa” e termina o “viver no trabalho”. A psicóloga Cassiana Tavares alerta que nem todos estão prontos para trabalhar a partir de casa, mas aconselha soluções.

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Entramos em mais uma semana de avaliação da situação pandémica e de discussão de renovação do estado de emergência. A perspetiva é de continuar o confinamento março fora, o que para muitos significa continuar a conjugar teletrabalho com tarefas domésticas e apoio a filhos com aulas à distância. Por isso, vale a pena lembrar algumas das “palavras mágicas” para o confinamento: autonomia, compreensão, antecipação, planeamento, gestão, acompanhamento e criatividade.

Quando falamos de teletrabalho é preciso distinguir dois tipos de funcionários: os que estão prontos para trabalhar a partir de casa e os que não têm condições para o fazer. A psicóloga do Trabalho Cassiana Tavares salienta que não basta levar o computador para casa.

“Às vezes nem é possível replicar o mesmo sistema que tínhamos no trabalho, como acontece com quem funciona com dois ou três monitores e com mais alguns recursos e de repente vai para casa com um computador portátil que lhe dá um ambiente de trabalho completamente diferente”, exemplifica.

Mas há outro aspeto a ter em conta. Segundo esta psicóloga, “revendo a literatura e investigação feita, já no espaço europeu, a palavra crítica para podermos estar com sucesso a partir de casa é a autonomia, não a tecnologia.” Isto implica “ter liberdade para decidir as tarefas, em que ritmo e até objetivos diários”.

Nem sempre é possível definir objetivos semanais ou mensais, “mas podemos gerir o dia, e isto também dá liberdade para fazer a agenda – quando é que trabalhamos sozinhos, quando trabalhamos em apoio ou em parceria com outros. Por isso, esta é a palavra para onde deveríamos estar a olhar neste momento: a autonomia que temos para fazer as nossas tarefas diárias”, defende em entrevista à Renascença.

Pais, não estão sozinhos

“Para quem está em casa, não importa a idade dos filhos, isto é ainda mais exigente. A dada altura, a pessoa não sabe se fica na reunião ou se vai ajudar a criança que está a trepar um banco e a abrir o frigorífico, se faz de conta que ninguém está aos gritos e põe uma cara sorridente. Já não sabe o que fazer”, admite esta psicóloga do trabalho.

Cassiana Tavares defende que é importante colocar estas dificuldades em perspetiva, “porque estamos como pais todos a viver isto juntos”, e deixa uma ferramenta de apoio, com três fases – o segredo passa por trabalhar as rotinas, dos adultos e dos filhos:

  • antecipar, como é que vai ser o dia;
  • planear, ter um tempo para estudo (se já estão nessa fase), para diversão, lazer e de atividades de casa;
  • acompanhar, quase como se faz na gestão dos projetos, mas com as crianças estar sempre uns passos à frente (quando é preciso conduzir reuniões ou fazer trabalho mais complexo, pode ser a altura certa para eles verem televisão, fazerem jogos ou outra coisa do género).

“É um processo crítico, sobretudo com filhos pequenos em casa e mais do que um. Se estão os dois pais em casa até convém ir alternando. Muitas pessoas estão a fazer isto”, avança a psicóloga, que continua a dar consultas, agora online.

“Apesar do esforço que traz, é uma boa estratégia: cada um trabalha um par de horas seguidas, à vez”, diz Cassiana Tavares. No livro “A Bíblia da Carreira” (Ed. Manuscrito) esta especialista avança mais ideias para os pais com filhos em casa.

Teletrabalho em confinamento

Nas atuais condições de trabalho, primeiro, é necessária compreensão: com o próprio, com quem vive na mesma casa, com os colegas de trabalho e com a liderança, porque o atual regime de teletrabalho “é realmente difícil, é exigente e precisamos de nos olhar uns aos outros com compreensão, para facilitar tudo o resto”, explica a psicóloga. “Estamos todos no fundo, a ser apertados ao máximo, e isto traz até um peso muito grande às relações familiares”.

Cassiana Tavares deixa mesmo um exemplo recorrente: “se ligo a alguém que não me atende no momento, com relativa facilidade fazemos interpretações – 'pois, isto em teletrabalho é impossível! Ninguém está realmente a trabalhar!' A liderança até pode sentir isto ou pensar isto com facilidade, mas precisamos de pôr estas lentes de compreensão nesta fase.”

Pela organização psicológica de cada um, para manter a cabeça arrumada, esta especialista destaca também a importância das rotinas certas. “Embora muitas pessoas possam sentir que preferiam trabalhar pela noite dentro, ou que até são mais rentáveis, nós temos um ritmo natural – dia/noite”, lembra esta psicóloga.

Esta alteração das rotinas e ritmo de trabalho até pode funcionar para alguns, admite Cassiana Tavares, quando têm essa margem de manobra. “Mas também, do que sabemos a longo prazo, esta inversão do ritmo dia/noite faz pior à saúde, do que se nos procuramos regular”.

Uma assistente administrativa tem de estar disponível às 9h00 para começar a atender o telefone, portanto, não é razoável passar a noite a responder a e-mails e a fazer relatórios, “não vai correr bem”, conclui a psicóloga.

“Para conseguirmos cumprir este ritmo dia/noite, devemos ter um horário certo para acordar e para as refeições, antecipar e planear o dia e conseguir falar e negociar com as pessoas com quem trabalhamos quando surgem as urgências, que vão aparecer sempre, e tentar seguir uma vida parecida com o normal: ter fins de dia/noite e fins de semana.”

Nada disto será possível se não forem definidas, à partida, as dinâmicas de trabalho: “quando é que há reunião de equipa, quando é que há horas para apoio, quando estamos dedicados só ao nosso trabalho”. Uma medida essencial, “porque em casa os objetivos, as tarefas, os recursos, as dinâmicas de trabalho mudam. Se muito do meu trabalho tem a ver com estudar e produzir informação, se eu tiver os meus colegas a ligarem-me três, quatro vezes, e eu rejeito-os, a dada altura isso começa a criar mal-estar na equipa de trabalho”, explica esta psicóloga.

Outra questão muito importante é o espaço. “Se estamos num sítio que não tem uma secretária dedicada ou, pelo menos, uma mesa onde durante umas horas podemos trabalhar dedicados, os monitores à altura certa ou a quantidade de monitores que precisamos, a qualidade do sinal da internet, ruído, tudo isso vai interferir e interfere tanto que afeta a perceção do teletrabalho. Até com os miúdos em casa e o nosso companheiro ou companheira, que pode ajudar, precisamos de isolamento”. Muitas pessoas já usam tampões ou fones para se concentrarem. “É preciso preparar o espaço de trabalho, ser intencional nisto, não deixar ao acaso”, avisa.

Também não basta definir e organizar tarefas e objetivos, é igualmente importante estabelecer um horário, “a que horas é que tenho que estar disponível e quando é que eu vou parar, porque senão o trabalho entra-nos literalmente pela casa adentro e, de repente, estamos com uma mão a responder a um e-mail e a outra a apertar o botão da máquina”. Não há problema em adiantar algumas tarefas, muitos já o faziam antes, “mas, se não tivermos regras direitas para o princípio e para o fim do trabalho, podemos perdermo-nos, podemos ir à cozinha organizar uma coisa e esquecermo-nos daquilo que estávamos a dar seguimento, e vice-versa”.

Uma nota ainda para o corpo: “a partir de casa é fundamental manter a saúde como uma prioridade”. É necessário garantir o contacto com a luz solar, comer bem, adaptar a dieta ao desgaste energético atual.

Para cumprir este plano, a dada altura será fundamental recorrer a muita criatividade. O que “não significa que num fim-de-semana jogamos Cluedo e noutro fim-de-semana fazemos uma gincana, não é disso que estou a falar! Às vezes o fim de semana é só descansar, ver televisão, ter momentos sem trabalhar”.

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