Uma família de portugueses tentou alugar uma casa de férias na Ilha da Armona, em Olhão, mas viu o seu pedido recusado por serem precisamente portugueses.

Enrique Coelho procurava uma casa para passar uns dias de férias com a família e uns amigos na última semana de agosto e recorreu ao Airbnb, plataforma de alojamento local. Encontrou uma casa que lhe parecia adequada, percebeu que a gestora deste alojamento local era de nacionalidade irlandesa e, por isso, iniciou os contactos por escrito em inglês.

“O anúncio está todo escrito em inglês, iniciei a conversa [por escrito] em inglês, fui extremamente cordial”, garante Enrique à Renascença, acrescentando que “a resposta inicial foi normal”.

Contudo, “assim que a senhora percebeu que eu era português e que tinha amigos portugueses na ilha, cancelou imediatamente a reserva”, relata Enrique.

Durante a troca de mensagens, a anfitriã informou-o de que não aluga a casa a portugueses que tenham amigos portugueses na ilha, por já ter tido queixas dos vizinhos relativas a um grupo de hóspedes portugueses que terá feito muito barulho.

“Nessa altura reagi, perguntei à senhora se me conhecia e à minha família de algum lado e disse-lhe que ela me estava a julgar baseada em preconceito, baseada numa nacionalidade”, descreve Enrique. “É uma situação chocante, estamos a falar de uma ilha ao largo do Algarve, em Olhão, uma ilha portuguesa e haver preconceito e rejeição a portugueses é duplamente chocante.”

Com a reserva cancelada e sem possibilidade de chegar a um entendimento com a anfitriã, Enrique decidiu apresentar queixa à plataforma Airbnb.

“Depois de uma pequena vistoria da página, na própria conversa há uma bandeira que se pode ativar e a partir dai automaticamente a página vai perguntando qual o tipo de situação que encontrou. Eu descrevi o que aconteceu, submeti-a e recebi uma mensagem a dizer ‘A sua queixa foi admitida, levamos muito a sério estas queixas, mas, por razões de confidencialidade, não podemos dizer o resultado da nossa pesquisa’”, explica Enrique.

“Achei lamentável. Tenho um historial no Airbnb, fui anfitrião algumas vezes, fui hóspede muitas vezes e o meu historial é impecável”, remata.

Anfitriã nega preconceito

Contactada pela Renascença, a gestora do alojamento local nega que tenha rejeitado o arrendamento devido à nacionalidade e garante que já teve vários hóspedes portugueses. Lucie alega que Enrique queria alojar sete pessoas numa casa com lotação máxima de seis pessoas.

Enrique não nega que, inicialmente, pediu alojamento para sete pessoas – quatro adultos, duas crianças e uma bebé de sete meses – tendo sugerido o pagamento de um valor extra pela sétima pessoa. No entanto, Lucie não aceitou.

Para manter a reserva, Enrique encontrou uma alternativa: alojar o filho mais velho noutra casa com amigos. Mesmo assim, nova recusa por parte de Lucie, que acabou por rejeitar formalmente o pedido de arrendamento.

Em declarações à Renascença, Lucie garante que ficou “irritada” com a situação e que “temia a realização de festas" na sua casa. A irlandesa acrescenta que tem tido "muitos hóspedes portugueses” e que a todos pede que não façam barulho depois das 23 horas, devido à idade avançada dos vizinhos.

Questionada sobre se já foi contactada pelo Airbnb face à queixa apresentada por Enrique, Lucie contrapõe que alguns “amigos de Enrique” é que a contactaram, um deles de forma “abusiva”, situação que a própria reportou ao Airbnb. Insatisfeita com a situação, Lucie garante que vai abandonar a plataforma de alojamento local.

Recusar alojamento por causa da nacionalidade é inconstitucional

Ouvido pela Renascença, o advogado João Santos garante que, a ser verdade a recusa de arrendamento por causa da nacionalidade, tal “constitui uma violação da Constituição.”

“No artigo 13.º da Constituição, o número 1 diz que ‘todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei’ e o número 2 diz que ‘ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado ou privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de: ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social’“, explica João Santos.

Mais: o advogado admite que “se [Lucie] persistir nessa conduta, arrisca-se até, eventualmente, a perder a licença de exploração do seu estabelecimento turístico”.

Questionado sobre se uma má experiência com hóspedes portugueses pode legitimar a opção de Lucie, João Santos é perentório.

Isso é como confundir a árvore com a floresta. Só porque um português ou dois ou três lhe causaram alguma perturbação, então mais nenhum português poderá usar o seu estabelecimento?”, questiona o advogado, antes de reforçar: “A lei não lhe permite fazer essa distinção negativa.”