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Entrevista a Rosário Partidário

"Terceira travessia não existe por causa do novo aeroporto"

08 dez, 2023 - 06:30 • Sandra Afonso (Renascença) e Marta Moitinho Oliveira (Público)

A coordenadora da Comissão Técnica Independente que analisou a localização do futuro aeroporto explica que a terceira travessia do Tejo é "fundamental" para Lisboa e avança onde quer que fique o novo aeroporto. Em entrevista à Renascença e ao Público, Rosário Partidário defende ainda que a localização "não devia depender de decisões políticas".

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Hora da Verdade com Maria Rosário Partidário
Hora da Verdade com Maria Rosário Partidário

A terceira travessia do Tejo não depende da localização do futuro aeroporto, afirma a coordenadora da Comissão Técnica Independente (CTI), Maria do Rosário Partidário.

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do jornal Público, Rosário Partidário diz ainda que o aeroporto pode começar a funcionar sem acesso ferroviário, no entanto, a ligação através de comboio é essencial.

A coordenadora da CTI explica ainda que a TAP não foi ponderada nesta avaliação porque não estava no mandato da comissão, mas o decisor político deve ter em conta os projetos do futuro dono da companhia aérea nacional.

Admite que a decisão sobre o novo aeroporto não recaia sobre nenhuma das opções com melhor classificação, Alcochete ou Vendas Novas. Este é um trabalho técnico e a decisão é política, mas, para Rosário Partidário, não devia ser.


Tendo em conta este atraso imposto pela demissão do Governo, quando podemos ter aviões a aterrar no novo aeroporto?

Seguramente não antes de sete anos, pelo menos para o Campo Tiro de Alcochete. Vendas Novas seria mais prolongado, uma vez que o Campo Tiro de Alcochete já tem alguns estudos realizados. Isto só começa a contar a partir do momento em que há decisão.

Estes prazos já incluem as acessibilidades?
Não fizemos nenhum cronograma para a construção de acessibilidades, mas estou em crer que enquanto se constroem as plataformas e o terminal podem estar a fazer-se as acessibilidades. Estou mais preocupada com o acesso ferroviário, porque são projetos âncora que são complementares, e que têm a sua dinâmica própria.

Sem projetos ferroviários não há aeroporto que funcione?
Não é bem isso. O aeroporto pode funcionar e continuar dependente do modo rodoviário. Não é a solução que nós preconizamos. Um bom aeroporto tem que ter acesso ferroviário.

Fica coxo se não tiver o comboio a funcionar?
Do ponto de vista de eficiência, fica. Não há aeroporto que se preze, num país desenvolvido, que não tenha acesso ferroviário. Até por razões de pegada carbónica.

A ferrovia é então uma condicionante…
Se a ferrovia não estiver a funcionar no dia em que a primeira pista estiver, há "shuttles", há soluções.

Certo, não fica tão eficiente, fica um bocadinho coxo…
Fica coxo.

E uma terceira travessia sobre o Tejo é também um fator que ajuda ao sucesso do aeroporto?
Claro e ao sucesso da Área Metropolitana de Lisboa. A terceira travessia é importante para gerar uma grande circular ferroviária em Lisboa. É fundamental para fazer um desvio de mobilidade do transporte rodoviário para o transporte ferroviário.

A terceira travessia não está prevista por causa do novo aeroporto. Ela está prevista porque ela é fundamental para o funcionamento da Área Metropolitana de Lisboa. A terceira travessia do Tejo foi colada ao aeroporto há uns 15 anos, erradamente. Se não houver novo aeroporto, ela continua a ser necessária.

Nos vossos cálculos, não consideraram o impacto da despesa da ferrovia e da terceira travessia sobre o Tejo?

Não porque são projetos âncora e são independentes.

O que é que nos pode fazer acreditar que, desta vez, vai ser diferente e que teremos um novo aeroporto?
Temos uma situação de colapso no Aeroporto Humberto Delgado (AHD). Sobretudo, em termos da capacidade do lado terra, dos terminais, dos acessos ao próprio aeroporto. E do lado ar, embora em terra, também a questão dos estacionamentos, das esperas, dos "slots". Tudo isso pode ser melhorado. Há margem de melhoria, foi isso exatamente que entregamos no relatório de curto prazo.

Tendo em conta essa situação de colapso, o relatório diz que o Montijo ficaria pronto um ano mais cedo que Alcochete. Estes 12 meses não poderão fazer a diferença?
Estamos a falar de um projeto de 50 anos, pelo menos. Um ano não é nada. É o mesmo que agora. A decisão poderia ser tomada agora, ou pelo menos em janeiro, se houvesse Governo e vai ter que esperar uns meses até haver condições para um novo Governo tomar a decisão. O que é um ano? Não é nada. E o barato sai caro.

É preferível olhar para os 50 anos em vez de ter pressa?
O Montijo é uma solução que, além dos "n" problemas ambientais e operacionais da aeronáutica que tem é muito pequeno. Portanto, tem uma capacidade que o limita em 2038. O que significa que daqui a 10/15 anos, no máximo, estamos outra vez a falar de uma expansão aeroportuária.

É evidente que a ANA argumenta que a procura vai diminuir. Isso é o oposto do que diz a Confederação do Turismo de Portugal. E é o oposto que dizem os estudos de procura. Além disso, o aeroporto não é só uma plataforma para levantar e aterrar aviões. É uma âncora de desenvolvimento no território. E a ligação, nomeadamente, à rede europeia de transportes, em que Lisboa é um dos nós principais, não funciona no AHD, não funciona no centro de Lisboa. Tem que ter espaço.

Falou da Confederação de Turismo que critica Alcochete, preferia o Montijo, porque diz que é uma solução mais rápida e que estamos a perder milhões por ano…
Mesmo que o Montijo fosse construído nos três anos – que não acredito que fosse – é um investimento que se perde. Eu também gostava de voar do novo aeroporto enquanto fosse viva, mas não sei se vai ser possível. Isso é algo que nos transcende, porque isso depende da celeridade da decisão. A decisão tem que ser tomada o mais urgente possível. Mas agora temos este impedimento. Há sempre aqui uma razão qualquer: ou é uma crise económica ou é uma mudança de governo.

Houve um passo importante nesta altura, que foi o acordo entre os dois maiores partidos relativamente à metodologia que foi seguida. E esse acordo deverá ter algum peso, algum valor. Não sou política, portanto não sei apreciar se depois os políticos em si não valorizam os acordos que fazem. Isto é um projeto de dimensão nacional. Não devia depender de opções políticas.

Tendo em conta que Lisboa está a crescer em termos urbanísticos para o lado de Alcochete. Não corremos o risco de a população de Alcochete vir a ter os problemas que hoje em dia as pessoas em Lisboa têm com o ruído e o impacto na saúde mental?

Há uns meses estive em Genebra, estava num hotel mesmo ao lado do aeroporto. Eu não ouvia os aviões e depois fui tentar perceber porquê. É porque as rotas de aproximação e descolagem não passam por cima de áreas urbanizadas. A isto chama-se ordenamento do território. E portanto basta que haja um ordenamento do território na zona mais alargada. A Alta de Lisboa, que é um dos projetos mais recentes da cidade, está ao lado do aeroporto, e está na linha de enfiamento, e foi construída há pouco tempo. E portanto, há aqui um problema chamado ordenamento do território e é preciso salvaguardar.

A Alta de Lisboa, quando foi construída, já foi em plena discussão de transição do aeroporto de Lisboa para outro local…

Pois. Não aconteceu ainda.

Ainda na questão ambiental, como é que Vendas Novas ficou em segundo lugar, tendo em conta a floresta de sobreiros que existe no local?

Também tem no Campo de tiro de Alcochete. Isto é um paradoxo. Zonas densamente ocupadas que não têm áreas naturais têm pessoas que são afetadas do ponto de vista de ruído, de segurança, do próprio stress, questões psicológicas. Se nos afastarmos de zonas densamente ocupadas, vamos para zonas mais naturalizadas. Vendas Novas tem tanto ou mais sobreiros do que tem o Campo de Tiro de Alcochete. Até Santarém tem sobreiros. Temos que viver com a situação. Se eu tivesse alternativa, preferia, do que estar a sugerir um abate de sobreiros nas zonas em que efectivamente tem que ser. Não estamos a falar de 250 mil sobreiros. Estamos a falar de cerca de 30 a 40 mil sobreiros.

As duas soluções que foram consideradas as mais vantajosas (Portela + Alcochete e Portela + Vendas Novas) foram as únicas que foram introduzidas como hipóteses de trabalho pela Comissão. Eram hipóteses ganhadoras à partida?

Não necessariamente. Vendas Novas nem a conhecíamos. Ela foi sugerida através da plataforma.

Mas depois a comissão sugeriu Portela + Vendas Novas…
Não é possível conceber a decisão sobre o aeroporto sem ter um período de transição em que o Aeroporto Humberto Delgado tem que estar a funcionar, porque não se consegue fechar a porta de um lado e abrir do outro. Sobretudo considerando que nós sugerimos fazer um desenvolvimento flexível, o que significa que o aeroporto vai sendo construído.

Aquele valor dos 8 mil milhões de euros é o valor total. Não é necessariamente aquilo que tem que estar disponível no arranque. No arranque não tem que ser logo disponibilizado ou ter disponível esse valor de investimento. Até porque ao começar a funcionar vai começar a gerar receita e portanto, ao gerar receita, essa receita pode reverter a favor da sua expansão, desde que um contrato de concessão que exista assim o permita.

Na apresentação do relatório relativizou a distância face ao centro de Lisboa, lembrando que na década de 40 a Portela era considerada distante. Fiquei com a sensação que preferia que Vendas Novas fosse a opção…

Não. Isso aplica-se a Alcochete também, porque há muita gente que tem opinião de que Alcochete é muito longe. As três localizações – estou a contar com Santarém também –, que permitem soluções únicas, são distantes. O Campo de Tiro Alcochete está a cerca de 35 quilómetros, Vendas Novas está a 70, e Santarém está a 90. Isto numa escala dos Estados Unidos ou do Brasil é aqui ao lado. Eu não estou nada inclinada nem para um lado nem para o outro. A única questão para Alcochete ser considerada mais vantajosa é porque tem de ter mais espaço e mais condições para criar todo o entorno aeroportuário que é uma cidade aeroportuária, com hotelaria, com indústria.

Vendas Novas tem três grandes desvantagens: é terreno privado, outra é a distância, e a outra é o facto de não existir qualquer estudo. Para o Campo de Tiro de Alcochete, quando foi estudado em 2007, fizeram-se estudos super aprofundados.

O que é preciso garantir para fechar a Portela?
É preciso garantir duas pistas na nova solução. Só com uma pista é a solução do Montijo, que não é suficiente. Chegamos a 2038 e esgotou. Naturalmente que uma pista no Campo de Tiro de Alcochete tem mais capacidade do que uma pista no Montijo, mas é uma pista. Quando houver duas pistas no novo aeroporto, aí já se pode fechar o AHD.

Fechar ou começar a fechar?

Sim, do ponto de vista de capacidade aeronáutica. O problema vai ser também ter suficiente massa crítica, ou seja, as empresas e os recursos humanos também já deslocados. Não basta ter uma pista. Por isso defendemos sempre o aeroporto único, porque é aquele onde estão concentrados todos os serviços.

Sentiu algum desconforto quando a solução mais vantajosa a que a comissão de CTI chegou foi Alcochete, tendo em conta que foi criticada anteriormente por ter participado num estudo que apontou para Alcochete?

Há pouco perguntou se eu preferia Vendas Novas. De facto, nem que fosse só por isso, eu preferia Vendas Novas, que era justamente para provar que não tenho nenhuma preferência. Não, não tenho preferência. Não é por acaso que o Campo de Tiro de Alcochete regressa como solução. É porque tem condições. De todas as soluções únicas é a que está mais perto de Lisboa.

E era a solução defendida pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos. Teríamos ganho algum tempo se tivesse vingado a proposta que ele tinha e que foi chumbada pelo próprio primeiro-ministro?

Se calhar temos que voltar um bocadinho atrás, nomeadamente a 2010, 2012, 2013, quando o Campo de Tiro de Alcochete tinha uma Declaração de Impacto Ambiental (DIA) favorável. E podia ter sido imediatamente construído. E aí não havia Pedro Nuno Santos, nem António Costa, mas podia ter sido.

Está preparada para a possibilidade de o Governo optar por outra localização?

Quem decide é o Governo. Nós só fizemos um estudo, com muito rigor, com muita credibilidade, com muita exigência. E temos os factos. O estudo está feito e o objetivo do estudo foi ser um suporte para a decisão.

Em algum momento tiveram em conta o que é que o novo dono da TAP poderá querer para o modelo futuro do aeroporto?

Depende de quem seja o novo dono. Decidimos não considerar a dimensão da TAP na nossa análise.

O Presidente da República disse há uns meses que gostava de ver a primeira pedra do aeroporto, ainda antes do final do seu mandato, que termina em 2026. Acha possível?

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