Entrevista Renascença

"Se não tivéssemos as vacinas mRNA, muitos milhões de pessoas teriam morrido de Covid"

04 dez, 2023 - 09:01 • Sandra Afonso

Em entrevista à Renascença, Robert Langer, professor do MIT, cofundador da Moderna e um dos cientistas mais premiados do mundo, fala das novidades à espreita na medicina, uma área que vive um momento histórico com os novos tratamentos para doenças raras ou a distribuição de medicamentos para os países em desenvolvimento.

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"Se não tivéssemos as vacinas mRNA, muitos milhões de pessoas teriam morrido de Covid"

Em entrevista à Renascença, o cientista e engenheiro Robert Langer explica que a tecnologia RNA mensageiro, utilizada na vacina contra a Covid, foi essencial para travar a mortalidade e só agora começa a ser explorada. Está a duplicar a eficácia da vacina contra a gripe e deverá ser aplicada em todo o tipo de doenças, incluindo cancro. A Aguardar aprovação está já a pílula robótica, que pode injetar insulina e revolucionar o tratamento dos diabéticos, entre outros.

Em desenvolvimento estão também novos tratamentos para doenças raras ou a distribuição de medicamentos para os países em desenvolvimento.

Robert Languer tem cerca de 1400 patentes e é, atualmente, o segundo nome mais citado em publicações científicas, além de coordenar o maior laboratório de engenharia biomédica do mundo (no MIT). Aos 75 anos continua o trabalho de investigação, além de ser frequentemente convidado para palestras. Este ano foi um dos oradores das Conferências do Estoril, por videochamada.

Além de um currículo invejável, acumulou também uma generosa fortuna, que lhe valeu críticas de enriquecimento fácil durante o desenvolvimento e distribuição da vacina contra a covid-19, mas nesta entrevista rejeita qualquer acusação.


É considerado um pioneiro na distribuição de medicamentos e na engenharia de tecidos. Lançou as bases para medicamentos modernos, como a medicação para o cancro, e a vacina contra a Covid da Moderna. Qual considera que foi o seu maior feito até ao momento?

Estou muito orgulhoso de termos, eu acho, alguns dos alunos e pós-doutorados mais maravilhosos do mundo. Acho que cerca de mil passaram pelo nosso laboratório, 400 são professores, e por todo o mundo, e fizeram enormes contribuições.

Se eu fosse falar sobre contribuições científicas diria, provavelmente, o trabalho que fizemos no início e meados dos anos setenta, no desenvolvimento das primeiras micropartículas ou nanopartículas que poderiam fornecer moléculas grandes. Foi o primeiro artigo que mostrou que era possível fornecer ácidos nucleicos a partir de pequenas partículas, durante qualquer período de tempo. Na altura as pessoas achavam que isso era impossível! É claro que agora é usado em muitas aplicações, incluindo na entrega de RNA mensageiro (mRNA).

Cientificamente, este é provavelmente o trabalho de que mais me orgulho. Mas, há outros, como ajudar a isolar os primeiros inibidores da angiogenese, criar novos biomateriais e ajudar a iniciar os campos da engenharia de tecidos.

Como explica a tecnologia e segurança da mRNA ao público em geral e aos estudantes?

O que tento dizer primeiro é que as vacinas são muito, muito seguras. Em segundo lugar, se as pessoas compararem os estudos publicados sobre vacinas contra a gripe, por exemplo, com a vacina de RNA mensageiro para a Covid, vêm que os efeitos colaterais são menores nas vacinas mRNA.

Não quer dizer que não possam existir efeitos colaterais ou reações. São geralmente raros, mas são incrivelmente seguros em comparação com o que eu diria que são os exemplos padrão.

A Brown University, acho que no GAMA, General American Medical Association, publicou um artigo onde analisaram mais de seis milhões de pacientes sobre a toma das vacinas Covid e, novamente, concluíram que elas são extremamente seguras.

Infelizmente, qualquer droga ou comida pode ter efeitos colaterais. A questão é se o benefício supera o risco. E acho que a conclusão é que estas vacinas salvaram muitos, muitos milhões de vidas.

Teremos algum dia uma vacina que erradicará o vírus SARS-CoV-2?

Acredito que com o tempo as coisas vão ficar cada vez melhores e haverá vacinas cada vez melhores. A Moderna está a trabalhar nisso, assim como outros. É difícil antecipar datas.

Qual a eficácia da vacina atual contra a Covid?

As vacinas provaram ser muito eficazes contra a Covid. As vacinas padrão contra a gripe são 40 a 50% eficazes. As vacinas Covid, as vacinas de mRNA, são muitas vezes 95% eficazes.

Na verdade, as vacinas mRNA para a gripe também são agora muito melhores do que as vacinas convencionais contra a gripe.

Os dados mostram que as vacinas mRNA são muito eficazes, certamente mais eficazes do que outras vacinas têm sido.

Defende que as vacinas mRNA vão mudar o mundo da medicina, como?

Já estamos a assistir. Se não tivéssemos as vacinas mRNA muitos milhões de pessoas teriam morrido de Covid.

Um dia teremos vacinas de RNA mensageiro para todos os tipos de doenças como gripe, VRS (vírus respiratório sincicial) e, particularmente, até mesmo o que chamo de vacinas para o cancro, vacinas personalizadas para pacientes com cancro. Também acho que teremos novos tratamentos para várias doenças raras, para todos os tipos de doenças que não poderiam ser tratadas antes ou bem tratadas.

A Covid também foi uma oportunidade financeira para muitos e para si, que surge na lista de milionários da Forbes. Como responde às críticas a quem enriqueceu com a Covid?

Em primeiro lugar, nunca vendi as ações que ganhei, o que leu na Forbes é apenas papel-moeda. Também dizem que eu fiz um investimento, que não fiz. Foram ideias que eu tive no trabalho, e isso também é verdade para muitos outros.

Eu não tenho dinheiro da Moderna. Se não vender as ações, não está no seu bolso. Acredito na empresa, não vendi nenhuma (ação).

O que eu respondo a essa pergunta é que as pessoas têm uma escolha sobre o que fazem com as suas vidas. Muitos tornam-se banqueiros de investimento ou criam empresas como o Facebook. Num sistema capitalista, e eu acho que o capitalismo em geral demonstrou funcionar melhor do que outros, sem incentivos financeiros estudantes universitários e pessoas realmente inteligentes não conseguem fazer isso.

Fico feliz que existam incentivos que fazem as pessoas entrar na área da saúde e criar empresas como a Moderna, porque sem a Moderna, milhões e milhões de pessoas teriam morrido.

Também trabalha com uma startup de robótica e tem experiência em robótica biotecnológica. O que está a mudar nesta área, há novas aplicações na medicina ou melhoram o que estava a ser feito?

Há novidades na robótica. Trabalhamos numa pílula robótica que pode ser engolida e que pode injetar insulina ou RNA mensageiro ou quase qualquer coisa. Ainda está em testes clínicos, mas eu acho que isso permitiria todos os tipos de novos tratamentos médicos e seria muito, muito útil para crianças com diabetes e coisas assim, se for aprovada.

Também continua a trabalhar em investigação e novas descobertas?

Sim, em diferentes áreas. Em órgãos e tecidos num chip, que um dia poderá reduzir os testes em animais ou humanos e certamente acelerar as coisas. Trabalhamos na criação de novos tecidos e órgãos para o corpo, quando as pessoas estão a morrer por diferentes doenças. Trabalhamos ainda em todos os tipos de medicamentos e na área nutricional, e em sistemas de distribuição para o mundo em desenvolvimento.

Estamos a fazer um grande trabalho com a Fundação Gates, no desenvolvimento de novos medicamentos e novos sistemas de distribuição para o mundo em desenvolvimento. Provavelmente temos 80 pessoas no Laboratório do MIT a trabalhar nessas coisas.

Como vê o futuro da Medicina?

Acho que vai ser muito brilhante. Acho que os avanços científicos atuais, na biologia molecular e na nanotecnologia e além fronteira são fantásticos. Haverá melhores dispositivos médicos, mais bem fabricados, novos tipos de diagnósticos, novos tipos de tratamentos. Acho que é um momento importante na história que pode ajudar muitas pessoas.

O professor já recebeu inúmeros prémios e distinções, alguns ao nível do Prémio Nobel. O seu trabalhado é reconhecido mundialmente. O que é que falta?

Não tenho certeza que falte alguma coisa. Os prémios são bons e o reconhecimento é bom. Mas o que é realmente importante é fazer ciência, ciência movida pela curiosidade em que podemos aprender coisas novas e ajudar o maior número de pessoas pelo mundo. É o que quero.

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