Operação Influencer

João Galamba, o "enfant terrible" que se demitiu duas vezes em cinco meses

13 nov, 2023 - 22:00 • João Pedro Quesado

João Galamba saltou dos blogues para o Parlamento e da Assembleia para o Governo. Recorde o percurso e as polémicas do ministro que abandonou agora o Governo na sequência do caso Influencer. Da primeira vez que pediu a demissão, Galamba queria a “tranquilidade institucional”. Agora, foi a tranquilidade da família que o fez voltar atrás na palavra.

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Três dias depois de negar que o ia fazer, João Galamba demitiu-se e está agora mesmo fora do Governo (ainda em plenas funções) de António Costa, na sequência do terramoto político provocado pela "Operação Influencer". A saída do executivo, disse, não é uma “admissão de culpa”, mas sim para dar à “família a tranquilidade e discrição a que, inequivocamente, têm direito”.

Galamba acaba por se demitir devido a algo que há muito o perseguia: as investigações a eventuais crimes de corrupção e tráfico de influências nos negócios do hidrogénio verde, em Sines, e na concessão da exploração de lítio, em Montalegre. É, desde a terça-feira passada, arguido no processo resultante dessas investigações.

Foram esses alegados crimes que fizeram João Galamba romper, algumas vezes, a postura menos combativa que assumiu a partir do momento em que passou a desempenhar funções executivas nos governos de António Costa.

Dos blogues para a bancada parlamentar

Nascido em 1976, Galamba licenciou-se em Economia em 2000 e fez apenas a parte letiva do doutoramento em Ciência Política da London School of Economics.

Foi numa entrevista ao jornal Público, em 2010 – alguns meses após chegar à Assembleia da República como deputado do Partido Socialista, convidado por José Sócrates - que disse que a sua “persona pública” se devia ao envolvimento em blogues.

Esse aparecimento na esfera pública acontece em 2004, e foi-se prolongando até 2015 em blogues como o Jugular. Surgiu cedo no Twitter, onde o estilo combativo do "enfant terrible" se foi afinando ao longo do tempo – e passou para as intervenções no Parlamento.

A proximidade a José Sócrates foi-se mantendo: Galamba reencaminhou para o antigo primeiro-ministro, em outubro de 2014, uma mensagem de uma pessoa “bem informada” que dava conta de “sururus de que vai ser feita qualquer coisa contra ele muito rapidamente”. Sócrates foi preso no aeroporto de Lisboa a 23 de novembro de 2014 e depois, como o resto do PS, Galamba afastou-se do autodenominado "animal feroz".

João Galamba passou a ser vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS em 2017. No ano seguinte, foi nomeado secretário de Estado da Energia ainda no primeiro Governo de António Costa. As responsabilidades aumentaram em 2022, quando o Ambiente se juntou à Energia.

Elogios e suspeitas no setor da energia

Aquando da promoção a ministro das Infraestruturas, Galamba foi amplamente elogiado no setor da energia pelo trabalho como secretário de Estado.

Um exemplo: Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis, descreveu João Galamba como alguém “de um trato afável, objetivo nos temas, com uma postura proativa na resolução dos problemas”.

A entrada deste ‘jovem turco’ no Governo tinha provocado “uma quantidade de desenvolvimentos legislativos”, acrescentou Pedro Amaral Jorge. Galamba lançou, pela primeira vez, concursos de potência solar, com grande atratividade para os investidores estrangeiros.

Contudo, no mesmo momento, os partidos da oposição apontaram dois casos para criticar a escolha de António Costa na remodelação do Governo em janeiro deste ano – uma mudança forçada pela demissão de Pedro Nuno Santos, após o escândalo da indemnização a Alexandra Reis pela saída da TAP.

Em 2019, o antigo programa de jornalismo de investigação da RTP, “Sexta às 9”, dedicou quatro emissões a alegadas irregularidades na concessão à exploração de lítio em Montalegre. O tema não parou por aí e, em 2021, depois de uma das emissões, Galamba escreveu no Twitter que o programa era “estrume” e uma “coisa asquerosa”. A publicação acabou por ser apagada, e as declarações condenadas pelo Sindicato dos Jornalistas.

Antes, em 2020, surgiu a notícia da investigação a João Galamba e Pedro Siza Vieira - então ministro da Economia – pelas suspeitas de favorecimento do consórcio entre EDP, Galp e REN para um projeto de hidrogénio verde em Sines.

Uma TAP quente, uma confusão no Ministério, e pouca ferrovia

Já na pasta das Infraestruturas, João Galamba não escapou ao assunto TAP.

Foi em pleno funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP que se soube de uma reunião secreta do então assessor do Ministério das Infraestruturas, Frederico Pinheiro, com o deputado Carlos Pereira e a ex-CEO da TAP, em preparação de uma audição de Christine Ourmières-Widener no dia seguinte, na Comissão Parlamentar de Economia.

Depois, a situação complicou-se. A notícia de um episódio de agressões no edifício do Ministério das Infraestruturas, supostamente levadas a cabo por Frederico Pinheiro enquanto tentava levar consigo um computador – que seria o único a conter informações classificadas sobre a reestruturação da TAP, provocando a intervenção dos serviços de informação para recuperar o computador – deu um novo tema às reuniões do inquérito parlamentar à TAP.

Em poucos dias, esse caso levou João Galamba a pedir, pela primeira vez, a demissão, invocando a necessidade de "tranquilidade institucional". Mas, dessa vez, António Costa desafiou o consenso e recusou esse pedido.

Dois dias depois, Marcelo Rebelo de Sousa falou ao país para dizer que não dissolvia a Assembleia da República e que teria exonerado João Galamba. Não tendo conseguido “acertar agulhas” com o primeiro-ministro, restava ao Presidente da República “estar ainda mais atento”.

O ministro foi escolhido para encerrar o debate, na generalidade, da proposta de Orçamento do Estado para 2024 e aproveitou para citar Marcelo. “Permitam-me citar sua Excelência, o Presidente da República: “Este Orçamento segue a única estratégia possível”. E, pedindo permissão, acrescentar: e é um bom Orçamento”, referiu João Galamba perante os apartes das bancadas à direita.

Mais de cinco meses depois do pedido original de Galamba, foi António Costa a demitir-se - após saber que estava a ser investigado pelo Supremo no âmbito da Operação Influecer - antes do ministro que segurou, e Marcelo agendou a dissolução do Parlamento em que Galamba ainda chegou a dizer que não se iria demitir, apesar de ser arguido na Operação Influencer.

João Galamba foi, ainda, o terceiro ministro que passou - e ultrapassou - o Ferrovia 2020. Apesar de as obras estarem todas no terreno, nenhuma foi concluída, e a previsão que fez para a reabertura da Linha da Beira Alta – o dia 12 de novembro de 2023 – provou-se tão errada como a promessa de que não se demitia.

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