24.º congresso do PS

Mexicanização da política em Portugal? Socialistas dizem ser impossível "PS tomar conta do aparelho do Estado"

07 jan, 2024 - 09:00 • João Carlos Malta (texto), Catarina Santos (vídeo)

Várias vozes na direita e no comentariado político têm referido que uma vitória do PS em março poderia levar a uma "mexicanização" do sistema político. Os socialistas reconhecem que há perigos na manutenção do poder durante muitos anos, mas dizem que a democracia portuguesa tem pesos e contrapesos que não permitem que um partido se apodere do aparelho de Estado.

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Mexicanização da política em Portugal? Socialistas dizem ser impossível "PS tomar conta do aparelho do Estado"
Mexicanização da política em Portugal? Socialistas dizem ser impossível "PS tomar conta do aparelho do Estado"

“Não me parece que haja qualquer razoabilidade na ideia de que o Partido Socialista se confunde com o Estado”, afirma a ex-ministra da Saúde e líder da concelhia do PS de Lisboa, Marta Temido, quando confrontada com as críticas repetidas da direita de que uma vitória dos socialistas nas legislativas de março deste ano é caminhar para uma “mexicanização” do sistema político português.

A expressão “mexicanização” é utilizada quando alguém se refere à eternização de um partido no poder e os vícios que isso cria, nomeadamente na confusão entre o aparelho do Estado e a estrutura do partido no poder. A ideia vai buscar nome à história do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de forma ininterrupta de 1929 a 2000.

A ex-ministra dá o exemplo da Saúde para argumentar contra os riscos de o PS tomar conta do aparelho do Estado. Temido olha para o setor em que existem “muitas empresas públicas, entidades públicas e empresariais” e onde têm existido um conjunto de nomeações. A avaliação que Temido faz ao olhar para esses nomes é a de que a mesma revela “diversidade partidária, para não dizer ideológica, que está evidente nas nomeações e nos currículos”.

O vice-presidente da bancada parlamentar do PS e dirigente nacional do partido Pedro Delgado Alves diz que as críticas da direita sofrem de “um erro de análise”, que reside na ideia de que “o nosso sistema não tem garantias, ‘checks and balances’, de forma de assegurar o funcionamento das instituições e que as leis e os resultados eleitorais não traduziriam uma vontade das pessoas”.

“Não me parece que haja qualquer razoabilidade na ideia de que o Partido Socialista se confunde com o Estado”, Marta Temido.

Uma das vozes que se levantou — já em 2019, no tempo de Rui Rui — acenando com o perigo de os socialistas se eternizarem no poder foi a de Miguel Poiares Maduro, ex-ministro do governo de Pedro Passos Coelho. Numa entrevista ao "Público", afirmava que o que mais temia era “uma mexicanização do nosso regime”.

Poiares Maduro reforçava então que havia o risco de o PS se transformar “numa espécie de pivot permanente, que está sempre no poder, alternando esse poder com partidos na esquerda ou na direita”, sem que existisse uma verdadeira alternância.

Sem riscos. Portugal tem "uma democracia robusta"

A ex-ministra da Modernização do Estado e Administração Pública, Alexandra Leitão, desvaloriza os riscos acenados pela oposição a uma vitória socialista. Leitão defende que “Portugal tem uma democracia robusta”, “tem uma Constituição que fará em breve 50 anos” e que é “muito avançada e com muitos freios e contrapesos de defesa da democracia”.

A deputada e responsável pela moção de Pedro Nuno Santos ao Congresso do PS, que se realiza até este domingo na FIL, em Lisboa, acredita que esse perigo “só existiria num país em que não houvesse imprensa livre, liberdade de expressão, liberdade de manifestação”.

Alexandra Leitão compara o período atual de governação socialista ao que Cavaco Silva encabeçou na década de 1980 e 1990, em que liderou o país durantes dez anos consecutivos. “Não gostei na altura, mas na verdade essa foi a minha grande memória de chegada à idade adulta”.

Um absurdo que joga com o medo

Por fim, o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, diz não poder esconder um sorriso ao ouvir essas acusações da direita, primeiro por serem “um absurdo” e porque revelam “uma completa falta de argumentação”.

O autarca salienta que foi contra a ideia de limitar os mandatos dos presidentes de câmara para três consecutivos, “porque quem deve escolher é o povo”. “Essa limitação de mandatos autárquicos foi um cortar dessa liberdade”, critica.

Para Leão, Portugal é uma democracia, onde há uma coisa certa: “de quatro em quatro anos, em diversos órgãos autárquicos, nacionais e europeus, as pessoas votam de forma livre e de forma consciente”.

Quem não acha esta questão desprovida de adesão à realidade é o ex-secretário de Estado da Cultura, Jorge Xavier Barreto, que num artigo de opinião no Observador escreveu que “o PS é hoje o PRI português. É, sem dúvida, um partido revolucionário institucional. Usando a aliança com a extrema-esquerda (os que querem mudar o mundo – ou assim o dizem – pela revolução) para governar, e, cumulativamente, hoje confunde-se com o próprio Estado – o PS é a instituição política de maior peso em Portugal.”

Marta Temido, apesar de reconhecer que “esse tipo de situação pode acontecer em sistemas mais frágeis”, declara que em Portugal não há risco de repetir uma história como a do México porque “a democracia portuguesa já tem mecanismos de defesa suficientes para evitar que um risco desse tipo se concretize”.

Ou seja, a separação da atuação do poder executivo face aos outros poderes, mas também em relação ao próprio aparelho de Estado, “é suficientemente estável e estruturada em termos legais para impedir um risco desse tipo”.

Depois, a ex-ministra argumenta que quem usa esse argumento “quer levar os outros a tomar uma opção diferente para evitar um alegado risco”.

Não para em troca ter uma mudança para melhor, mas para evitar o risco de continuidade. Penso que isso é frágil”, acusa.

Não é o que pensa o ex-ministro de Cavaco Silva, Mira Amaral, que há pouco tempo se referiu ao governo de António Costa como sendo “luso-comunista“, e voltou aos tempos do Processo Revolucionário Em Curso (PREC) para justificar a acusação.

“Meus caros amigos, vocês têm uma responsabilidade muito grande de tentar evitar a mexicanização do regime e tentar dar uma volta a isto”, avisou.

E a falta de alternância, não põe em risco a democracia?

A tese de risco de mexicanização do sistema radica ainda na falta de alternância no poder que uma nova vitória de Pedro Nuno Santos nas próximas eleições poderá trazer. A democracia pressupõe uma rotatividade de partidos no poder.

Alexandra Leitão admite que em democracia “a alternância seja um valor em si mesmo”. No entanto, “não um valor que se imponha à própria ideia de legitimidade eleitoral”.

A ex-ministra questiona: “Mas a partir do momento em que o PS ganhe, qual é a proposta?”

Em nome da alternância deve governar outro que não o que ganhar as eleições? Tenho alguma dificuldade em sair daqui e, por outro lado, nós temos um conjunto de regras legais de transparência que garantem que haja uma separação entre partido e o Estado, ou os órgãos do Estado e os órgãos do partido”.

E conclui: “Mesmo quando há um partido que está há mais tempo no governo, também a própria lei o impede de dominar o Estado”.

Em relação à necessidade de rotatividade no poder, Marta Temido defende que "não faz sentido nenhum que a alternância democrática seja imposta para haver alternância. Era subverter a lógica dos fatores”.

"Nós temos um conjunto de regras legais de transparência que garantem que haja uma separação entre partido e o Estado, ou os órgãos do Estado e os órgãos do partido", Alexandra Leitão.

Questionada sobre se a manutenção de um partido muito tempo no poder não aporta riscos para a democracia, Temido não exclui a possibilidade. “Acho que isso é evidente. Claro que há um risco”, declara.

Mas alerta para um problema maior: “Há um risco de os partidos de poder em Portugal terem quase que um pacto de alternância. E acho que isso é mais arriscado do que a questão de haver uma manutenção por algum tempo, e por decisão do povo, de um determinado partido em exercício de funções”, afiança.

Leão admite risco de vícios e rotinas

O autarca de Loures, Ricardo Leão, diz que a alegada falta de alternância é sobretudo “um problema da oposição”. “Se a oposição não consegue oferecer protagonistas à altura, se a oposição não consegue oferecer à população portuguesa programas e propostas que vão ao encontro das pessoas e se não tem merecido a credibilidade para merecerem esses votos... Porque o voto não se pede, o voto conquista-se”.

“Há um risco de os partidos de poder em Portugal terem quase que um pacto de alternância", Marta Temido.

O mesmo socialista até admite que, “após tantos anos de governação do mesmo partido, haja vícios e rotinas que se vão criando”. Mas, agora, diz confiar que “Pedro Nuno Santos, com este congresso, com a renovação que espero que aconteça, aprenda com os erros que foram cometidos”.

Leão diz que o PS tem sobretudo de “ter muito cuidado com as pessoas que escolhe”. O mesmo socialista reconhece que a governação de maioria absoluta foi marcada por “demasiados casos e casinhos”. E reforça que isso cria uma maior necessidade de ser exigente nos quadros políticos que o partido promove.

Mas se a pergunta for: "O PS governar oito ou 12 anos de forma consecutiva constitui um perigo para a democracia?", a resposta é clara para Leão: “Não”.

A democracia, diz o presidente da Câmara de Loures, só é salvaguardada pela escolha livre dos eleitores e “o único perigo” é o PS não ser capaz de “corrigir os erros” mais recentes.

Mas se o voto não é controlado por nenhum partido, a verdade é que cada força partidária pode escolher o discurso que quer fazer. No 24.º Congresso do PS, o primeiro-ministro António Costa afirmou que só o PS governará melhor do que o PS. Pedro Nuno Santos diz que o diabo de que Passos Coelho falava é agora personificado pela nova Aliança Democrática, composta por PSD e CDS.

"O PS tem de ter sobretudo cuidado com as pessoas que escolhe", Ricardo Leão.

Estas ideias não podem criar a ideia de que ou os portugueses escolhem o PS ou o país entra no caos? Isso não prejudica o sistema?

Temido contra o discurso de "nós ou o caos"

Temido admite não gostar desta retórica tão forte. Considera-a perigosa, mesmo ocorrendo num contexto de Congresso, “de exacerbar da luta política” que irá ocorrer nos próximos dias e nas próximas semanas. “E, pessoalmente, preocupa-me, talvez também por eu estar há pouco tempo num ambiente de partido político”, analisa.

O extremar da linguagem, diz Temido, beneficia os extremos do espetro político e “não os partidos da democracia”.

Ricardo Leão discorda. Não acha que esta seja uma forma de radicalizar, é apenas “ter consciência absoluta das propostas que temos para o país, daquilo que foi feito e da ausência da oposição”.

Pessoalmente, não reconheço nem no Montenegro, nem na oposição, nem em toda a direita, capacidade de fazer melhor do que nós fizemos”, adianta.

PS na oposição? Socialistas dizem que não seria um problema

Os críticos do Partido Socialista dizem que em março o PS precisa de uma cura de oposição, algo que Pedro Delgado Alves não quer, mas não teme. Argumenta que é “muito importante que os partidos tenham funções de governação, mas também regressem à oposição”.

É preciso que haja essa possibilidade de construção de ciclos e de os renovar. Mas isso é um juízo que não cabe aos partidos fazerem sozinhos. Os eleitores também têm de reconhecer ser necessário, nesse momento, ou não”, resume.

Pensa que a linha política do PS não está esgotada, e que a direita não tem plano alternativo, mas ir para a oposição "não tem drama nenhum”.

Delgado Alves considera que quem está muitos anos no poder “precisa de reforçar a reflexão e autocrítica”. “Quanto mais longos são os ciclos de poder, mais precisamos de ser exigentes connosco mesmos”. O PS tem-no sido? “Nem sempre, mas não é uma especificidade do Partido Socialista”, remata.

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  • Americo
    07 jan, 2024 Leiria 15:42
    "...março poderia levar a uma "mexicanização" do sistema político..." Boa tarde. Não é preciso chegar a março. Ele já está instalado. É novelar por baixo, compadrio e corrupção.
  • EU
    07 jan, 2024 PORTUGAL 12:09
    Pois é, NÃO GOSTOU, mas gostamos TODOS aqueles que demoravam OITO HORAS para irem até à Capital. Depois, até dá para ir almoçar, passear e regressar. Como é FACIL eu dizer que SOU MELHOR que TUDO o resto. Oh memória traicoeira, como transformas as PESSOAS.

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