Entrevista

Ricardo Leão: "Não quero acreditar que haja uma agenda política escondida no Ministério Público"

15 nov, 2023 - 22:00 • Susana Madureira Martins

O autarca de Loures e dirigente nacional do PS considera que a Procuradora-Geral da República devia dar esclarecimentos sobre o processo Influencer até "para defesa do próprio Ministério Público".

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Ricardo Leão: "Não quero acreditar que haja uma agenda política escondida no Ministério Público"
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Em entrevista à Renascença, Ricardo Leão rejeita a tese da cabala judicial contra o PS, mas pede rapidez na "apresentação de resultados" por parte do Ministério Público. Em relação à campanha eleitoral que se avizinha, o autarca afina pelo diapasão de Pedro Nuno Santos: "Não podemos resumir os quatro meses até às eleições legislativas nos casos de justiça"

Este dirigente nacional socialista, muito próximo de António Costa, recusa a ideia que o primeiro-ministro demissionário esteja politicamente morto na sequência deste processo. O autarca diz mesmo que, no caso de a investigação ser arquivada, se Costa quiser, pode ser candidato às presidenciais de 2026.

Ricardo Leão é candidato à liderança da Federação do PS da Área Urbana de Lisboa (FAUL) e não revela, para já, quem apoia na corrida pela sucessão de António Costa. Avisa, entretanto, e no caso de os socialistas não terem a maioria nas próximas eleições legislativas, contra a eventual renovação da "Geringonça" com as atuais lideranças do PCP e do Bloco de Esquerda, que acusa de se terem "sectarizado" e radicalizado".

A corrida à liderança do Partido Socialista já começou. Já sabe quem é que vai apoiar?

Vamos ter uma reunião interna dentro da concelhia de Loures para definir o nosso posicionamento. Praticamente está definido. Era bom que apoiasse, de forma unânime, uma das candidaturas, porque ela não vai estar desligada nunca daquilo que vai ser a minha candidatura à Federação da Área Urbana de Lisboa do PS que, por razões óbvias, aceitáveis e justificáveis, ficaram adiadas para depois do Congresso e depois da eleição para a Assembleia da República. Essa é uma das razões.

A outra razão é uma luta de há muitos anos que é a expansão da rede do metropolitano ao concelho de Loures, a linha Violeta. Ela não está incorporada no Orçamento do Estado, porque o Governo entendeu que os municípios de Loures e de Odivelas, deveriam também pagar uma parte dessas infraestruturas da expansão da rede. Estamos a falar no caso de Loures de 50 milhões € e no caso de Odivelas cerca de 30 milhões €. Olhando para o que aconteceu recentemente no Porto, onde a rede de expansão do metropolitano foi adjudicada e os municípios do Porto não vão pagar nada, porque carga de água é que os muncípios de Lisboa teriam de pagar? Transmiti ao primeiro-ministro e ao ministro das Finanças antes desta crise politica a importância de o Governo incorporar no OE esta verba e a resposta é que iriam resolver a situação.

O grupo parlamentar do PS não incluiu a proposta no OE e o líder da bancada disse-me que será aprovada num próximo Conselho de Ministros. Vou aguardar serenamente por essa decisão e depois tomarei uma decisão em relação à vida interna do partido.

Está a fazer pressão alta ao Governo?

Não é uma questão de pressão alta, é uma questão de justiça de tratamento. Acredito na palavra das pessoas e que num próximo Conselho de Ministros o Governo, por si, incorpore.

Vou só esperar, confiando na palavra, acima de tudo, do António Costa e do Fernando Medina. Porque essa é uma matéria muito importante para o concelho Loures e para aquilo também que pode vir a ser uma vitória esmagadora do partido nas próximas autárquicas e legislativas.

É bom que o Governo resolva esta matéria porque estou convicto que se o Governo resolver por si, o eleitorado do concelho não vai esquecer.

Já cheira muito a campanha eleitoral. Já está a pensar nas autárquicas. O PS já recuou no Parlamento em relação ao aumento do IUC. Era preciso haver umas eleições para a espinha dobrar um bocado?

Acho que não é uma questão de dobrar ou deixar de dobrar. Aquilo que tivemos foi um bom orçamento, era dos melhores orçamentos que o PS fez nos últimos anos.

Tem coisas muito positivas e resumimos tudo à questão do IUC. Na minha opinião a medida foi muito mal comunicada.

Agora se me diz "há este recuo". Com esta possibilidade de se fechar um Orçamento do Estado acho que se revela inteligência em recuar nalgumas matérias que de alguma forma vão ao encontro daquilo que é o interesse das pessoas.

Antes desta crise política havia muita inflexibilidade do Governo. Havendo a perspetiva de eleições antecipadas, a coisa lá se resolveu.

O grupo parlamentar do PS nunca escondeu algum mal estar relativamente à questão do IUC. Nunca escondeu isso.

Foram vários os deputados do PS que o disseram e só por uma questão de obrigatoriedade de voto e de não liberdade de voto é que iriam votar esta proposta. Havendo esta oportunidade, acho que é bem aproveitada.

A bem daquilo que era uma proposta que tinha coisas positivas, mas tinha coisas, de facto, negativas. Por isso, essa proposta recuou e acho que bem, de forma inteligente.

A situação que o Partido Socialista está a viver neste momento faz jus àquele ditado de "rei morto, rei posto"? António Costa já estará mais ou menos despachado e agora surgem Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro como os messias do partido...

Não há rei morto, nem posto. O Partido Socialista deve muito ao António Costa. Nós não podemos ser ingratos.

Acho que houve erros. António Costa tem o seu feitio próprio, cometeu erros, mas teve muitas decisões acertadas. Nunca devemos esquecer o momento recente que vivemos com a crise pandémica. Se houve primeiro-ministro que não deixou de apoiar as pessoas foi, de facto, o António Costa e foi o Governo dele. E eu acho que isso é muito importante.

Essa herança corre o risco de ser esquecida?

Jamais vou esquecer e as pessoas não devem esquecer. Tivemos um primeiro-ministro sempre presente. Temos esta guerra na Ucrânia e agora no Médio Oriente. A inflação aumentou por culpa do António Costa? O custo de vida aumentou por causa do António Costa? Não.

Ele conseguiu minimizar os efeitos. Nós conseguimos baixar a dívida pública, conseguimos aumentar salários, aumentar pensões. Tivemos um Governo que, de facto, não foi capaz de relevar essas coisas boas e deixou-se entrar nos casos de casinhos. E andamos ao longo destes meses a tratar de casos e casinhos, que não deixam de ser preocupantes, alguns deles, e a não relevar aquilo que, de facto, é importante. Acho que, de facto, aqui a estratégia de comunicação falhou.

O Governo também se pôs a jeito, ou pelo menos algumas pessoas se puseram a jeito para que esta investigação que está a decorrer neste momento, esteja a ter estes efeitos?

Concordo com o que o Pedro Nuno Santos disse. Não podemos resumir os quatro meses até às eleições legislativas nos casos de justiça. O Ministério Público (MP) faz o seu trabalho, a PGR faz o seu trabalho, tem toda a legitimidade para o poder fazer e, mais do que nunca, agora pede-se à justiça o que é da justiça e vamos focar-nos na política.

Obviamente, ninguém estava à espera de acontecer isto. O Pedro Nuno Santos, obviamente, era um putativo candidato a seguir ao António Costa, mas seria daqui a uns anos. Esta candidatura era esperada, a do José Luís Carneiro, não. Foi importante a entrada do José Luís Carneiro nesta disputa que veio enriquecer o próprio partido.

Não acredita naquela tese da cabala e na perseguição judicial a dirigentes do Partido Socialista?

Não. Sinceramente, não entro nisso.

Porque estamos em cima de eleições e o PS não pode entrar nesse discurso?

Eu não quero acreditar que haja uma agenda política escondida no MP ou na Procuradoria Geral da República. Não quero acreditar, não quero mesmo acreditar. E por isso confio na Justiça. Confio naquilo que são as instituições democráticas, no trabalho que cada um tem que fazer, confio no trabalho do MP. Se me pergunta se era importante que neste processo em concreto fosse célere na apresentação de resultados, digo que sim. De facto, a consequência que esta investigação teve foi gravosa. Fez cair um governo de maioria absoluta, numa altura difícil. Era importante essa estabilidade que existia. Agora vamos ver o que acontece depois das eleições legislativas.

Esse Governo, seja qual seja, é determinante. Nós temos um PRR para executar e para cumprir. É algo em que nós devemos estar muito focados. Era um erro gravíssimo não aproveitarmos esta oportunidade. A estabilidade que existia, do ponto de vista político, dava indicadores de confiança para esse cumprimento. Peço que os portugueses pensem muito bem, nas próximas eleições, naquilo que é a estabilidade que têm que dar a um país para poder cumprir com aquilo que é um mecanismo financeiro que vai ser único e que vai ser determinante para a vida das pessoas.

Em relação à Procuradora-Geral da República, devia ou não dar mais explicações sobre esta investigação que, no fundo, fez derrubar um Governo e um primeiro ministro?

A Procuradora-Geral da República, neste caso em concreto, deve, de facto, fazer algo. E deve para defender o próprio Ministério Público, porque, de facto, a população precisa desse esclarecimento, também. Para que não haja estes entendimentos, cada um tem o seu. A PGR devia dar esclarecimentos para defesa do MP.

Alinha pela tese de que António Costa está politicamente morto?

Muito longe disso. Obviamente que vai depender muito do resultado dessa pseudo-investigação, que vamos ver se vai mesmo ser feita e se vai ser constituído arguido, que nem sequer isso é.

Quando diz que não está politicamente morto, isso quer, exatamente, dizer o quê?

O António Costa, dependendo daquilo que for o resultado de toda esta situação terá a capacidade de tomar um posicionamento e terá toda a autonomia ou legitimidade e a capacidade para assumir desafios futuros. Menos, obviamente, aquele que é o de ser primeiro-ministro. Há outros desafios no futuro que António Costa, se quiser, tem todas as condições para poder assumir.

Quais? Presidenciais?

Depende do posicionamento que António Costa tiver, como é óbvio. Se estas investigações não derem em nada, se isto for uma montanha que pariu um rato, o que é que impede o António Costa de ser candidato a Presidente da República? Só se ele não quiser. Se ele quiser, não vejo como é que o partido não lhe poderá dar todo o apoio, não vejo como não. É uma decisão que ele terá de tomar.

E, pelo caminho, também uma outra alternativa, assumir um cargo europeu, se para isso for convidado?

Por exemplo. António Costa nutre uma enorme confiança pelos seus pares europeus. Se há pessoa bem vista na Europa e com capacidade para assumir funções determinantes é o António Costa.

No meio de toda esta crise política, como é que viu a atuação do Presidente da República?

O Presidente da República teve um posicionamento que foi o correto. Foi-lhe apresentada uma proposta pelo António Costa para dar estabilidade ao país. O Presidente teve um posicionamento importante, que foi deixar este Orçamento do Estado ser discutido e aprovado. Depois, o Governo que vier a seguir, espero que seja do PS, ou dá continuidade ou faz um orçamento retificativo e altera aquilo que bem entender. Agora, dá estabilidade ao país. Isso foi uma decisão, na minha opinião, acertada. Podia ser outra, mas dentro das hipóteses, esta é aquela que é aceitável e eu concordo.

Em relação à campanha eleitoral, como é que o PS deve gerir a sua estratégia de eventuais coligações se não tiver maioria?

O Pedro Nuno Santos tem aquela ligação à esquerda, há gente que está à espera que a geringonça volte. Sinto grandes dificuldades em relação a isso. Hoje temos um PCP que está radicalizado. Um PCP que, com esta mudança de liderança, está mais ortodoxo, mais sectário. O próprio PCP tem vindo a público dizer que a geringonça é irrepetível. Temos um Bloco de Esquerda que, também com a mudança de liderança, está a afastar-se, a sectarizar-se e a tornar mais ortodoxo o seu discurso. Vejo com grande dificuldades. O posicionamento do PCP com a guerra da Ucrânia, o posicionamento do PCP com a guerra do Médio Oriente, são posicionamentos muito perigosos.

Quem está à espera dessa geringonça, eu tenho muitas dificuldades. Aquilo que o PS tem que conseguir fazer é voltar a dizer às pessoas que é importante o voto útil da esquerda no PS. Em relação ao Chega, eu não combato o Chega falando mais alto. No meu concelho combato o Chega com aquilo que até concordo. Quero justiça no pagamento das rendas dos inquilinos de habitação municipal. Dos 2500 inquilinos, metade não pagava. Estão a começar a pagar, se não há despejos. Agora, isto é ser do Chega? Não. Como militante do PS consigo resolver problemas e dar justiça, direitos e deveres a todos.

Nós não podemos meter a cabeça na areia. O partido tem uma linha, matriz própria, mas nunca podemos deixar de ouvir as preocupações das pessoas e apresentar soluções para elas. E é nesse sentido que nós combatemos os extremismos. É assim que eu tenho feito. Eu acho que é dessa forma que nós vamos conseguir provar que só o PS tem capacidade, pelo menos à esquerda, de conseguir capitalizar votos e dar essa estabilidade ao partido, mas com políticas também para o centro.

Ouviu a intervenção de Pedro Nuno Santos na apresentação da candidatura. Temos o líder da ala esquerda do Partido Socialista a ser agora um moderado...

Mas tem que ser. Não deixo de ser de esquerda por estar a exigir que os inquilinos da Habitação Municipal paguem a renda. Não deixo de ser de esquerda por fazer ações de despejo a pessoas que não querem de forma nenhuma cumprir uma renda de 9 €. Não deixo de ser de esquerda. Temos que ouvir as pessoas, sentir o aroma das ruas e dar respostas aos problemas das pessoas e que em nada minimizam a matriz do partido. Essa é que é a grande questão. Temos que combater o extremismo com um bom programa eleitoral, mas com compromissos e com realização das promessas. É assim que se combate o extremismo.

Comentários
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  • Maria
    16 nov, 2023 Palmela 11:59
    Nem sei porque razao este autarca de loures esta preocupado" a unica coisa nova que vai acontecer e haver eleicoes antecipadas! De resto continua tudo na mesma o dr.antonio costa continua em funcoes e agora ate acumlou dois cargos!
  • Maria
    16 nov, 2023 Palmela 11:52
    O ministerio publico esta minado de gente de outros partidos" tudo o que aconteceu nao passou dum truque do ministerio publico pra ver se conseguiam derrubar o dr antonio costa mas nao consegiram ! Eu ate nem quero saber saber mais deste assunto.
  • E Loures, como é?
    16 nov, 2023 Loures 11:05
    Preocupe-se mas é com Loures, que foi por lá que foi Eleito. Uma vila parada no tempo, desfeada por obras megalómanas do seu antecessor Bernardino que destruiu a pouca fluidez de tráfego que havia, em prol duma coisa que os locais nem sabem explicar o que é, e nem falo na destruição dum jardim frondoso e com várias espécies para ser substituído por um "jardinzinho de manutenção reduzida" e com mais pedra que zona verde. É com isso que tem de se preocupar, mais nada.
  • Joaquim Correto
    15 nov, 2023 Paços 23:47
    Agenda política não acredito, mas motivações políticas, parece não haver dúvidas!

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