Legislativas 2024

Os candidatos vistos de fora, da Arábia ao Reino Unido, “não aquecem nem arrefecem”

27 fev, 2024 - 12:01 • Cristina Nascimento

Fazem parte do grupo de 30% de jovens portugueses entre os 18 e os 39 anos que sairam de Portugal à procura de melhores condições financeiras. Ainda que à distância, têm uma palavra a dizer sobre as eleições que se aproximam.

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Os candidatos vistos de fora, da Arábia ao Reino Unido. “Não aquecem nem arrefecem”
Os candidatos vistos de fora, da Arábia ao Reino Unido. “Não aquecem nem arrefecem”

Há quem esteja fora há meia dúzia de meses, há quem esteja emigrado há 10 anos. Pertencem todos ao grupo de 30% de portugueses entre os 18 e os 39 anos que decidiram ir trabalhar para fora. Têm outra coisa em comum: o dinheiro foi o principal motivo para saírem.

Fábio Antunes fez agora 31 anos. Engenheiro informático, está há oito anos em Londres. Quando saiu do Porto estava empregado, mas com poucas perspetivas. “Sentia que havia claramente um lugar para mim em Portugal, mas sentia que financeiramente seria mais difícil construir um futuro confortável em Portugal. Isso acelerou a minha decisão de sair para o estrangeiro”, diz.

Rumou a Londres em março de 2016. Entre renda, caução, despesas de instalação, “no primeiro mês desapareceram” as poupanças que trazia de Portugal. No entanto, mesmo com um custo de vida mais caro em Londres do que no Porto, o que passou a ganhar, quase o triplo do que o que recebia em Portugal, permitiu-lhe, por exemplo, no espaço de cinco meses já conseguir fazer férias.

“Em agosto, consegui ir fazer uma semana de férias num hotel em frente à praia com os meus dois irmãos. Tivemos uma semana espetacular. Se eu tivesse ficado em Portugal, essa semana tinha-me limpado grande parte das poupanças”, conta.

Fábio saiu de Portugal com ideia de voltar. Ainda não mudou de planos, mas não sabe quando vai acontecer. Por agora, Por agora, e porque já tem anos de residência suficientes para isso, vai avançar com o pedido de nacionalidade britânica. “A dupla nacionalidade pode dar jeito”, diz. Depois, ou regressa a Portugal ou, se calhar, vai experimentar outro país.

Apesar dos planos a muito curto prazo não passarem por Portugal está de olhos postos na realidade portuguesa. “Já recebi a carta para ir votar, ainda não sei em que vou votar, estou muito indeciso, mas sei em quem não vou votar”, diz.

Tem visto os debates televisivos, embora considere que não são suficientemente esclarecedores. “Devia haver mais escrutínio das propostas”, sugere.

Questionado sobre o que seria preciso mudar em Portugal para se decidir pelo regresso, Fábio Antunes hesita. “Agora tenho uma situação financeira estável e em Portugal ainda há tantas dificuldades, parece-me injusto dizer ‘eu quero ganhar x para voltar’”, explica.

Fábio prefere enumerar outros aspetos da vida portuguesa. “Sempre que vou a Portugal, prefiro andar de comboio. A Linha da Beira Alta está em obras há mais de um ano, por exemplo. Gostava que os transportes funcionassem melhor”, diz. Na saúde, diz que gostava que as pessoas pudessem optar pelo público ou pelo privado, mas que não se vissem obrigadas a recorrer ao privado quando necessitam de um cuidado urgente.

E há a questão salarial: “Gostava que os salários fossem melhores, pelo menos que fossem justos em relação ao custo de vida”.

Trabalhar, viajar, trabalhar, viajar. Uma década de emigração

Quem também passou pelo Reino Unido foi Ana Filipa Baptista. Enfermeira, está há 10 anos fora do país. “Na altura, em 2013, toda a gente [da área da enfermagem] saía e eu comecei a pensar no assunto no meu último ano de licenciatura”, descreve. Terminou os estudos em Coimbra, ainda trabalhou oito meses em Portugal e depois rumou ao estrangeiro.

Esteve cinco anos em Southampton: “Fiz amigos que ainda hoje guardo.” Neste primeiro salto para fora, também saltaram à vista as diferenças salariais. “Lembro-me dos meus colegas estarem a receber entre cinco a oito euros por hora, o que eu acho inadmissível, temos literalmente a vida dos doentes nas mãos”, diz. E no Reino Unido, quanto foi ganhar? “Quase o dobro e entrada direta do NHS [o serviço nacional de saúde britânico]”.

Depois rumou à Arábia Saudita. “Nunca tinha pensado em ir para o Médio Oriente, mas uma amiga falou-me na oportunidade e decidi arriscar. Era a oportunidade de conhecer uma cultura diferente e um país que, na altura, nem recebia turistas. A remuneração também era muito atrativa e tinha 56 dias de férias”, descreve.

Aos 33 anos, no caso de Ana Filipa, solteira e sem filhos, os dias de férias não são de somenos importância. “Gosto muito de viajar”, diz entre risos. Aliás, fala com a Renascença a partir da Colômbia.

“Fui para a Arábia em 2019, fiquei um ano e depois fui viajar. Voltei em 2021, fiquei até 2023. Agora estou a viajar outra vez. A ideia é depois regressar à Arábia”, diz.

Apesar do plano imediato passar por um regresso à Arábia Saudita, Ana Filipa reconhece que gostava de voltar a terras lusas. “Estou fora há mais de 10 anos, afastada da família e dos amigos… Depois, acabamos por não pertencer a lado nenhum”, explica. Mas, de imediato, reconhece que Portugal ainda não oferece o que precisa para regressar e fixar-se a longo prazo.

"Tenho dito a toda a gente que vou esperar para ver o que acontece depois de março, depois das eleições.” A 10 de março ainda estará de viagem, mas entre escalas e viagens vai acompanhando os debates.

“Assusta-me um bocadinho o futuro de Portugal neste momento. Tenho visto muitos jovens da minha idade ou até mais jovens, alguns deles também emigrados, como eu, que se estão a posicionar-se bastante numa extrema-direita”, lamenta.

Ana Filipa diz não compreender este fenómeno, lembrando o panorama português e europeu. "Também tendo em conta toda a informação que temos hoje em dia, a história que vivenciamos, como a humanidade. É algo muito assustador e enfurece-me um bocadinho.”

“Falta muito a todos os partidos. Não aquecem, nem arrefecem”

Do outro lado do mundo, na Austrália, está há quatro anos Rita Palhavã, 29 anos, que trabalha na área dos eventos. É de Reguengos de Monsaraz, mais próximo de Espanha do que da capital de distrito Évora.

“Sou do campo. Os partidos políticos não fazem ideia do que se passa no campo, é um mundo esquecido”, começa por dizer Rita, quando questionada sobre como tem estado a acompanhar a realidade portuguesa e o debate político.

Rita está em Perth, a quatro mil quilómetros de Sidney, razão pela qual não vai votar. “É muito longe.” Acompanha o que se passa por cá, mas com alguma desilusão na voz.

“Acho que a todos os partidos lhes falta muito. Olho para as discussões dos partidos e uma pessoa, às tantas, perde o interesse, não há alguém que eu diga ‘aqui está uma luz ao fundo do túnel’. Acho que é transversal, não tem a ver com direito à esquerda. Os partidos, no geral, não aquecem, nem arrefecem”, diz Rita Palhavã, num exercício de análise política.

É com este espírito de descontentamento que Rita assegura que, para já, voltar a Portugal está fora de questão. “A Austrália tem um problema, é muito longe. Estamos a pensar voltar para a Europa, mas não para Portugal”, diz.

O fator financeiro, mais uma vez, é determinante. “Os salários não têm nada a ver. Na Austrália, um empregado de mesa consegue fazer uma vida normal e despreocupada”, exemplifica.

“Não sei que progresso o país [Portugal] pode ter, mas sei que está muito difícil. Tenho muitos amigos que estão a pensar sair”, assegura.

“A minha geração sente-se enganada”

Em Itália está outro alentejano. Duarte Godinho, 30 anos, natural de Évora, queria ser jornalista.

Foi para Lisboa, trabalhava na área do turismo - numa altura em que o setor já florescia em grande - e estudava. Ainda assim, o dinheiro não chegava. “Trabalhava a tempo inteiro não chegava a ganhar 600 euros por mês”, diz.

Farto do sufoco financeiro, decidiu emigrar. Quando chegou a Roma, há seis anos, continuou a trabalhar na área do turismo, mas o rendimento mais que duplicou.

Na Cidade Eterna, Duarte Godinho trabalha agora como guia turístico de bicicleta. Sobre um eventual regresso a Portugal, citando o poema de Alberto Caeiro, pseudónimo de Fernando Pessoa, Duarte Godinho reconhece que o rio Tibre nunca será mais belo que o rio Tejo, mas assegura que, enquanto o panorama financeiro de Portugal não mudar, ele continuará a admirar a beleza do Tibre.

“Foi-nos dito que se estudássemos, se nos aplicássemos, se fossemos trabalhadores e tivéssemos valor, esse valor seria recompensado. A minha geração sente-se enganada. Fizemos o que nos foi pedido e, na hora de receber, não vemos esse retorno”, diz, com mágoa.

Tal como Fábio, em Londres, também já recebeu a carta para ir votar e no dia 10 de março vai exercer o seu direito de voto. Tem acompanhado os debates partidários e a realidade política portuguesa, mas não se sente nem esclarecido, nem representado e sente-se “desiludido com todos”.

Duarte Godinho diz que procura informar-se diretamente sobre as propostas dos partidos e irá “pôr a cruz em alguém que a carregue e faça dela alguma coisa positiva. Se as pessoas candidatas carregassem de facto as cruzes de quem os elegeu, as coisas seriam diferentes. Mas nós damos as cruzes e ainda as carregamos às costas, ninguém me tira essas cruzes de cima”, lamenta.

Emigrada de fresco, olha para Portugal com tristeza e frustração

De Itália para a Suíça, encontramos Inês Ramos, fisioterapeuta. Tem 26 anos, emigrou com o namorado há meio ano. Deixaram para trás Cantanhede, em Coimbra, onde conseguiam viver juntos porque tinham a “ajuda dos pais”, apesar de já trabalharem.

“Essa foi uma das razões pelas quais quisemos emigrar, queríamos ser independentes”, explica, ao mesmo tempo que assegura que “nunca tinha pensado sair de Portugal”.

O pai de Inês esteve emigrado, precisamente na Suíça, durante 16 anos. Voltou para Portugal em julho do ano passado, Inês saiu no mês seguinte.

“Nunca pensei em emigrar porque sabia o que o meu pai tinha passado. Não queria mesmo emigrar, mas, depois de trabalhar quatro anos e meio em Portugal, comecei a olhar para o meu futuro e via que as coisas não evoluíam”, explica.

Questionada sobre o que faltava em Portugal, Inês responde que não se sentia valorizada “em termos salariais e condições de trabalho”. “Estou aqui há poucos meses, já me sinto mais valorizada e tenho mais qualidade de vida”, descreve.

De partida para uma escapadinha de fim de semana no centro da Europa, Inês não esconde sentimentos de tristeza.

“Gosto mesmo de Portugal, gostava muito de viver em Portugal e de estar estável, com qualidade de vida, perto dos meus e vi-me obrigada a emigrar para ter uma qualidade de vida melhor e para me sentir mais feliz. Por isso, agora, quando olho para Portugal, sinto tristeza e frustração”, admite.

Inês e o namorado ainda agora saíram do país e, para já, não fazem planos de voltar, talvez quando tiverem filhos. Vai valendo o dinheiro que Inês ganha e que lhe permite vir a Portugal com frequência: nos primeiros quatro meses que esteve fora, foi três vezes matar saudades de Portugal.

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