Debate da rádio

A Pobreza em debate. Há 2 milhões de pobres em Portugal, 150 mil estão nas ilhas

26 fev, 2024 - 19:02 • Salomé Esteves

O debate da rádio arrancou com um tema que faltou à televisão: a pobreza. Para ilustrar uma situação que afeta cerca de dois milhões de portugueses, e um em cada três nas ilhas, a Renascença fez as contas ao desemprego, à desigualdade salarial e ao limiar da pobreza

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“A pobreza é a maior derrota das últimas décadas”. A frase é de Pedro Nuno Santos, durante o debate da rádio desta segunda-feira. O tema, que foi descurado durante os debates televisivos, abriu a discussão entre os sete líderes dos partidos presentes.

Os números mais recentes mostram que mais de dois milhões de portugueses residentes em território nacional viviam no limiar da pobreza ou em risco de exclusão social em 2022, segundo os dados do INE. Nas ilhas - Açores e Madeira -, são cerca de 150 mil. E questões como o aumento do custo de vida, a situação económica, os impostos, o desemprego e as pensões estão entre os oito maiores problemas que Portugal enfrenta, aos olhos dos portugueses, segundo o Eurobarómetro do outono 2023, divulgado por Bruxelas em dezembro.

Todas estas questões desaguam na pobreza. Mas que números ajudam a pintar o retrato do que constitui ser pobre em Portugal?

Maior risco de pobreza nas ilhas, menor na capital

A proporção de população em risco de pobreza, tendo em conta as transferências sociais, caiu exatamente quatro pontos percentuais entre 2003 e 2021 - ano em que o indicador mostrava que 16,4% dos portugueses estavam nesta situação.

A partir de 2018, no enquadramento do Europa 2030, começou a medir-se a proporção do risco de pobreza, em combinação com o risco de exclusão social. Ao combinar os dois indicadores, a percentagem de pessoas neste grupo sobe.

Em 2022, eram 20,1%. Nas regiões autónomas chegam aos 30%, e no Algarve, aos 25,7%. Do outro lado, a Área Metropolitana de Lisboa tem a taxa mais baixa, menos de metade do que as ilhas, com 14,5%.

Mas, apesar de o valor ser mais alto e do período dos dados também ser mais curto, a percentagem de cidadãos em risco de pobreza ou de exclusão social caiu ligeiramente, no total, desde 2018, quando era de 21,6%.

A queda é especialmente acentuada nos Açores. Há seis anos, havia 36,5% no arquipélago em situação de risco, mais 6,2% do que no final de 2022. Já na região Centro, 2022 terminou com menos 4,1% de pessoas em risco de pobreza do que em 2018. Apenas no Norte se registou um leve aumento, de 0,9%.

Em todos os territórios, o período da pandemia traduziu-se num aumento na taxa de pessoas pobres.

Um limiar da pobreza à frente da inflação, mas atrás do salário mínimo

O próprio limitar da pobreza tem aumentado desde 2003. Nesse ano, era de 4.149 euros. Em 2021, crescia para 6.608. Este montante é calculado pelo INE utilizando o número de adultos de uma família e o seu rendimento líquido, através de uma tabela de equivalências da OCDE.

Este valor é anual e, em 2021, significava que uma pessoa nesta condição receberia cerca de 550 euros por mês para ser abrangida pela definição de pobreza. Que remuneração precisaria uma pessoa de receber para se estar nesta situação?

Nesse ano, o salário mínimo era de 665 euros. Ou seja, para ser considerado dentro do limiar da pobreza, um cidadão teria de receber menos 115 do que a remuneração mínima nacional.

Em 2003, o salário mínimo era de 356 euros. Apesar de o valor ser bastante mais baixo, estava mais próximo do equivalente mensal do limiar do risco da pobreza: 345,75 euros por mês. Neste ano, as pessoas que recebessem perto do ordenado mínimo estariam no limiar da pobreza.

Mas este limiar acompanhou a inflação? Sim. Aliás, entre 2003 e 2022, o limiar da pobreza esteve acima dos cálculos ajustados à inflação.

O Instituto Nacional de Estatística, que divulga este dado com os resultados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, ainda não partilhou o valor do limiar referente ao ano de 2023.

À medida que o valor tem aumentado, a taxa de intensidade da pobreza também tem caído, mas apenas ligeiramente, ao longo dos anos. Este indicador mede a distância dos rendimentos das pessoas mais pobres ao valor do limiar da pobreza.

Ainda que, entre 2003 e 2021, a percentagem tenha descido de 24,7% para 21%, há cidadãos a receber menos cerca de 119,49 euros mensais, em média, do que o estabelecido pelo valor do limiar da pobreza.

A pobreza como uma questão de género?

Paulo Raimundo abriu a sua intervenção no debate com a “questão fundamental” do aumento de salários. Para o líder da CDU, “não é por acaso que são as mulheres um dos setores mais penalizados com a pobreza. São as mulheres que sofrem mais com a discriminação salarial, que têm salários mais baixos e que são aquelas que estão numa situação de precariedade maior”.

Em termos de género, os dados do INE não fazem mostram que, em 2021, esta taxa era 1% mais alta nas mulheres do que nos homens. Durante estes 18 anos, a diferença entre os sexos não é superior a 2%.

Na taxa de desemprego, ainda que as mulheres registem números ligeiramente mais altos, as diferenças rondam as décimas. Nos últimos três meses de 2023, havia 6.4% de homens desempregados enquanto 6,9% das mulheres estavam desempregadas, o que resulta numa taxa média de 6,6%.

Mas dados relativos à diferença salarial entre homens e mulheres mostram que há diferenças na remuneração entre géneros, e significativas.

Em 2022, uma mulher recebia, em média, menos 16,2% do que um homem, tendo em conta o “total de níveis de qualificação”. Estes são dados do Gabinete de Estratégia e Planeamento apresentados pela Pordata.

A diferença é maior quanto mais alta a qualificação. Ou seja, quão mais longe as pessoas se encontram do limiar da pobreza. No nível de “praticantes e aprendizes”, o mais baixo da tabela, a diferença, em 2022, era de 4,9%. De seguida, nos “profissionais não qualificados”, as mulheres ficam atrás por 8,6% da remuneração média mensal dos homens.

Mas a maior disparidade acontece nas pensões. Um estudo da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de género revela que, em 2019, uma mulher aposentada com mais de 65 anos recebia menos 28,2%, em média, do que homem na mesma condição. Em 2007, essa diferença era de 35,6%, mais 7,4%.

De facto, de acordo com dados do INE, as mulheres com 65 e mais anos são recorrentemente o grupo etário com maior taxa de risco de pobreza. Em 2003, a sua proporção era de 29,1%, face aos totais 20,9% e, em 2021, de 18,7%, comparativamente aos totais 16,4%. A este grupo, seguem-se os homens da mesma idade.

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