Rolisboa

Jogos narrativos. Um mundo ilusório que desbloqueia a vida real

17 out, 2023 - 17:40 • Redação

Rolam os dados e começa-se a "jogar histórias". Foi assim este fim-de-semana na Rolisboa, a convenção anual dedicada aos jogos narrativos e de interpretação de personagens, que todos os anos junta entusiastas de todo o país.

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Jogos narrativos. "Um hobby que vai muito para além disso"
Imagem e edição: José Lacerda Coutinho

O silêncio normal de uma biblioteca é invadido pelo som dos dados a rolar e pelas vozes das múltiplas personagens que transportam a fantasia para a vida real. O Palácio de Galveias, no Campo Pequeno, foi o centro do mundo dos jogos de narrativa (RPG’s), este fim-de-semana, em mais uma edição da Rolisboa.

Para muitos, o ritual é visto como um hobby e um refúgio do dia-a-dia. Mas para Marta Costa, coordenadora do projeto, vai muito para além disso.

“Os jogos de narrativa ajudam bastante na parte social. Uma pessoa, mesmo sendo introvertida, a jogar com outras pessoas acaba por ganhar uma ajuda. Fora dos jogos consegue falar mais facilmente com alguém.”

Para a coordenadora, os RPG’s ajudam a descomprimir e a experienciar coisas que no mundo real "seriam impossíveis de fazer", como criar "feitiços, poções e uma miríade de coisas diferentes”.

De acordo com o fundador da iniciativa, André Tavares, o objetivo da Rolisboa passa por cultivar o jogo narrativo junto de comunidades que ainda não o conhecem, mas também promover a continuidade do jogo de narrativa dentro da comunidade de jogadores que já existe. A Rolisboa é desenvolvida com a missão de criar um espaço lúdico e pedagógico, com foco nos jogos narrativos e LARP (jogo de Representação em Tempo Real, sem o auxílio de dados e tabuleiro).

A ideia nasceu de forma “espontânea”, em novembro de 2018, quando André Tavares e um grupo de amigos decidiram pegar na sugestão dada por um "roleplayer" (nome dado aos praticantes de jogos de narrativa) de fazer um evento dedicado a este universo.

André Tavares e o grupo de entusiastas “desvirtualizou” a ideia numa convenção a nível nacional. Assim nasceu a Rolisboa, que teve a primeira edição em dezembro de 2018.

Em 2019, o Grupo de Roleplayers de Lisboa juntou-se à organização e, em conjunto com a Rola Iniciativa (uma plataforma de divulgação de jogos narrativos em português), materializaram a convenção como ela ainda hoje é conhecida.

Hoje a convenção é organizada pela Elemento-Associação Ludo-pedagógica, que congrega membros de outras organizações, como o Grupo de Roleplayers de Cascais, Clube de Estratégia do Seixal e Especulatório.

Durante o evento foi promovido um conjunto de atividades para os amantes de jogos de narrativa, como workshops, palestras e apresentações de projetos, mas em que as mesas de jogo são a principal atração para os participantes.

“Nas mesas existem dois elementos fundamentais: o mestre de jogo — a pessoa que prepara e cria a narrativa inicial —, e os restantes jogadores que vão interpretar as suas personagens. Cada uma tem a sua personalidade, os seus objetivos, as suas intenções, a sua forma de ser e estar na vida”, explica Daniel Carvalho, gestor de comunicação do evento.

“Em conjunto, vão criar uma história que se vai imortalizar nas suas memórias. O mestre de jogo é a pessoa que segura um livro com páginas em branco e os jogadores escrevem nesse livro”, conclui.

Hélder Araújo, um dos dinamizadores das sessões, considera que o principal desafio de ser mestre de jogo é garantir que as pessoas que participam nas atividades se divirtam durante as quatro horas de sessão. “A ideia é que não seja um suplício, mas sim um prazer”, diz.

A Rolisboa é também um espaço para apresentar jogos originais e de autor. Foi o que fez Hélder Araújo, participante do evento, mas também dinamizador de sessões de jogo e gamedesigner.

Joga desde os 15 anos e as dificuldades que sentia para comprar os jogos em Portugal impulsionaram-no a desenvolver as suas próprias criações. É comum começar-se por adaptar outros jogos já existentes, conta, mas “o maior desafio é quando começamos a criar um jogo que abandona esses prossupostos e mexemos em mecânicas nunca antes utilizadas.”

“Se quisermos fazer um jogo incrivelmente simples é possível e não dá muito trabalho. É muito mais importante a forma como se traduz na atividade da mesa do que inventar as regras e o jogo em si”, explica Hélder Araújo.

Também Daniel Carvalho tem vindo a apresentar as suas criações na Rolisboa. “O Asilo”, um jogo de terror clínico, é a mais recente criação do gestor de comunicação do evento. “O grande desafio é que, ao contrário de um livro, em que tu contas uma história à tua maneira e o leitor vai assimilar, quando estás a criar um jogo é algo que alguém vai utilizar. Tens de escrever algo que as outras pessoas possam implementar e ir ao encontro da visão que tu tens”, comenta Daniel Carvalho.

"É muito mais importante a forma como se traduz na atividade da mesa do que inventar as regras e o jogo em si"

Jogos para todos e para todas as idades

Os jogos podem ter as mais diversas temáticas, incluindo mistério e terror, sendo que o desenvolver da narrativa poderá vir a afetar alguns dos participantes da mesa de jogo. O evento é dotado de um código de conduta, para providenciar uma experiência de jogo e convívio que sejam seguras e divertidas para todos, independentemente do seu género, identidade e expressão de género, sexualidade, aparência física, diversidade corporal, raça, etnia, nacionalidade ou religião, explica Daniel Carvalho.

Também a iniciativa criada por André Tavares pretende chegar aos mais novos. Numa altura em que cada vez mais se jogam jogos de computador e de telemóvel, a Rolisboa vai ao encontro das crianças, promovendo nas escolas e nas bibliotecas os jogos de narrativa.

A partir da entidade organizadora, a Associação Ludo-Pedagógica Elemento, a Rolisboa seleciona jogos com temáticas apropriadas para estas idades, de modo a incutir o gosto pelos RPG’s.

Para Marta Costa, coordenadora do evento, a vertente social dos jogos ajuda as crianças a começarem desde cedo a socializar e a trabalharem em conjunto.

Jogos são "caros", mas a comunidade está a crescer

O acesso a este género de jogos nem sempre foi fácil. Antes da existência da Rolisboa, era difícil encontrar jogos em Portugal, bem como encontrar um espaço onde os amantes do jogo pudessem conviver e partilhar ideias. Para André Tavares e Hélder Araújo, o panorama português mudou quando os RPG´s deixaram de ser um subgrupo de jogos de mesa, que normalmente se inseriam num evento maior, como a LisboaCon, e começaram a ter um fim-de-semana totalmente dedicado a este universo.

“Embora sempre tenhamos sido muito bem recebidos na LisboaCon, a comunidade sentia a necessidade de ter um dia inteiramente dedicado ao ato de jogar histórias, por isso, esta vontade nasceu da comunidade e ainda hoje somos um evento comunitário”, adianta André Tavares.

Para Hélder Araújo, o acesso à internet veio "democratizar” a aquisição deste tipo de jogos, que continuam a ser "caros", mas agora "chegam muito rápido". O que também ajudará ao crescimento contínuo da comunidade.

“No início eramos cerca de 70. Hoje, na biblioteca do Palácio Galveias, já recebemos mais de 200 pessoas. Temos recebido pessoas mais jovens, o que é um bom indicador de que este hobby tem vindo a crescer e na direção certa”, concluí o fundador do projeto.

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