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João César das Neves
Opinião de João César das Neves
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Três doenças da democracia

01 jan, 2024 • João César das Neves • Opinião de João César das Neves


O principal problema do extremismo é ser contagioso. Ele vence mesmo entre aqueles que o repudiam, convertendo-os, não às suas ideias, mas aos seus métodos.

A democracia está doente. O sinal mais evidente é os dois candidatos a primeiro-ministro andarem entretidos a acusarem-se mutuamente de extremismo, sem entender que é isso mesmo que faz deles próprios extremistas. Um moderado é-o, não apenas nas posições, mas sobretudo nas acusações. É trágico que os partidos principais, em vez de de lidarem com os problemas do país, se ocupem a publicitar de borla a extrema-direita e a extrema-esquerda, colando-as aos adversários moderados.

O truque de caricaturar o rival como um monstro é bem conhecido, mas isso pode tornar-se uma armadilha pois, além de falso, realmente vulgariza os horrores que denuncia. Seria conveniente que, de uma vez por todas, ficasse estabelecido que o PS não é o Bloco de Esquerda e o PSD não é o Chega.

É urgente que os dois grandes partidos do centro se respeitem mutuamente, para bem da democracia e do país. Devem lutar com ardor e empenho, mas sempre com elevação e dignidade. A retórica incendiária, além de beneficiar os extremos, põe em risco o sistema, que os exaltados abominam, mas os partidos institucionais têm o dever de defender.

O principal problema do extremismo é ser contagioso. Ele vence mesmo entre aqueles que o repudiam, convertendo-os, não às suas ideias, mas aos seus métodos. Perante propostas aberrantes e violentas, as pessoas serenas tendem a indignar-se e reagir com animosidade, o que aumenta o nervosismo geral, fazendo o jogo dos radicais, que florescem na confusão.

O truque dos drásticos é a provocação, sendo propositadamente obscenos; assim, se conseguirem irritar os mansos, a sua tarefa está cumprida, pois o propósito deles está mais nos meios que nos fins. Deste modo, a única forma de vencer os irritados é defender posições sensatas e equilibradas de formas pacíficas e racionais.

Um moderado em três características fundamentais. A primeira é a consideração da realidade na totalidade dos seus fatores. Os extremistas, pelo contrário, atendem apenas a alguns elementos e traços mais chocantes, esquecendo múltiplas subtilezas que relativizariam as suas conclusões simplistas.

A segunda atitude do moderado é, porque reconhece a complexidade dos múltiplos aspetos contraditórios da situação, o respeito pelas opiniões opostas, compreendendo a parte de verdade que lhes assiste. Também aqui os extremistas se consideram como únicos detentores da certeza, tomando os opositores como bestas perversas ou desmioladas. A terceira, e mais importante qualidade do moderado é a cortesia e equilíbrio da sua posição, sendo sereno e educado também nos meios.

Estes valores são válidos em todos os tempos, mas especialmente em épocas de raiva, como a atual, envolvida em tumultos militares, sanitários, tecnológicos, financeiros e comerciais. Esta segunda doença da democracia cria alarme e irritação, suscita ansiedade e indignação, terreno fértil para furiosos. É esse clima de incerteza e susto que sugere as soluções drásticas alimentadas por demagogos.

Os medos e críticas são válidos e justificados, mas sempre maus conselheiros. Não é fácil, mas o único antídoto tem de ser a serenidade e a bonomia. O essencial é entender que, mais do que os nossos rendimentos e comodidades, mais até que a democracia e o equilíbrio económico, o que verdadeiramente está em causa é a própria civilização, que se baseia no respeito, no equilíbrio, na lucidez.

Além desta conjuntura borbulhante, o extremismo resulta sempre de mais duas causas. A primeira é a arrogância de quem despreza o sistema e os esforços alheios, e se considera iluminado para salvar o mundo. A outra, mais grave, é a dose de verdade que lhes assiste. Esta terceira e principal doença da democracia está naquilo em que os extremistas têm razão, quando a elite se corrompe, não tanto nas falcatruas financeiras, mas na atitude de fundo.

O regime, qualquer regime, tem tendência a instalar-se. Se perguntarmos aos ministros quais são os grupos relevantes no seu setor, os interesses e debates, eles fazem uma descrição detalhada. Se lhes perguntarmos quais os problemas do país, eles acham que são esses. Por isso é que temos intensa política social e cada vez mais gente a viver na rua, forte investimento na educação e os piores resultados no exame internacional PISA. Por isso crescem as faltas gritantes na Saúde, Justiça, Educação, Segurança, etc.

Os governos andam bem treinados em ganhar eleições, mas desinteressados de governar o país. Tratam mais da imagem que da substância. Este é a velha estratégia do “pão e circo” dos imperadores de Roma. A nossa democracia tem ultimamente sido um bom exemplo disso e, a julgar pelos discursos eleitorais, a tendência vai continuar. Se todos os partidos, afinal, não têm soluções novas para apresentar nas dificuldades da conjuntura, resta-lhes acusar o adversário de ser pior que eles.


João César das Neves, professor da Católica-Lisbon School of Business and Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica-Lisbon School of Business and Economics

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