Reportagem Renascença

Lutar, vencer e celebrar. A pediatria do IPO Porto tem um sino que toca esperança

15 fev, 2024 - 14:00 • André Rodrigues

Tiago tinha três anos quando foi diagnosticado com um neuroblastoma. Hoje tem 12 anos e ainda vai ao hospital receber tratamentos. Rita é sobrevivente de uma leucemia desde 2021. Aos 18 anos tem a vida pela frente, mas também o receio de viver tudo outra vez. Neste Dia Internacional da Criança com Cancro, o IPO Porto inaugura um projeto que dá um novo sentido ao fim dos tratamentos.

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Lutar, vencer e celebrar. A pediatria do IPO Porto tem um sino que toca esperança

"Uma pessoa tem uma vida normal, depois deixar de ir à escola, internada, cheia de máquinas, com muitas dores... é difícil". Tiago, na primeira pessoa, tem 11 anos. Em 2015, o Instituto Português de Oncologia do Porto (IPO Porto) tornou-se a sua segunda casa.

Diagnóstico: neuroblastoma. Evolução: favorável.

"Quando vim, tinha três anos. Ficava aqui meses e meses internado. Agora já saio", conta à Renascença.

Tiago já fez tratamentos nos Estados Unidos, já esteve em Barcelona para tentar acelerar a cura com tratamentos inovadores.

Pelo meio, teve medo de não voltar à escola, teve medo das dores, teve medo que o cabelo não voltasse a crescer.

"Agora já tenho cabelo outra vez... lindo... eu gosto muito de ter cabelo", sorri.

Sofia, a mãe de Tiago, diz que o caminho incerto da doença do filho é uma constante aprendizagem.

Primeira lição: relativizar os problemas. "Ele não entende por que razão as pessoas não são gratas pelo que têm, quando têm saúde e ele, como tantas outras crianças, está numa corda bamba".

Tiago, 12 anos, diagnosticado com um neuroblastoma, em 2015 Foto: André Rodrigues/RR
Tiago, 12 anos, diagnosticado com um neuroblastoma, em 2015 Foto: André Rodrigues/RR
Sofia Rodrigues, mãe de Tiago Foto: André Rodrigues/RR
Sofia Rodrigues, mãe de Tiago Foto: André Rodrigues/RR

"Vocês entrevistam a Joana Marques, não é?"

A crise obrigou a família a adaptar-se às circunstâncias para Tiago não perder a normalidade possível: ir à escola, aos aniversários dos amigos, ao futebol.

Tiago gosta do jogo, seja numa consola de videojogos, ou numa mesa de matraquilhos.

Adepto e sócio do FC Porto, este menino de 11 anos foi ao Jamor em junho de 2023 para ver a final da Taça de Portugal, que o Porto ao Sporting de Braga.

Valeu pelo resultado. E por um encontro extremamente inesperado.

"Quando chegou a casa, ele só falava da fotografia que tirou com a Joana Marques. Ele e o pai são fãs, adoram o programa, ouvem-no todos os dias quando vai para escola", revela a mãe que reconhece que nunca mais foi a mesma pessoa.

Sofia trabalhava numa conhecida editora, o problema de saúde do filho absorveu-a por completo, mas fê-la ultrapassar montanhas de receios.

O neuroblastoma que trocou as voltas à família foi uma oportunidade para agarrar a vida e ter aquilo que sempre desejou ter. Ou perto disso.

"Sempre achámos que o Tiago tinha de ter um irmão e eu queria que tivéssemos três filhos".

Sofia engravidou do segundo filho. Nasceu uma menina, hoje com três anos.

"Quando soube que estava grávida, o Tiago estava numa fase difícil da doença e a precisar de muito apoio", mas hoje Sofia percebe que não podia haver melhor forma de ajudar o filho a superar os momentos mais tristes e o cansaço que se instala por causa dos tratamentos .

"Ela, ainda pequenina, abraça-o... diz-lhes as coisas mais maravilhosas", emociona-se.

"Tenho medo de viver tudo outra vez"

Rita tem 18 anos. É sobrevivente de uma leucemia linfoblástica que lhe foi diagnosticada em 2008, quando tinha dois anos e meio.

Diz que o IPO Porto é e será sempre o seu hospital. É aqui que tem amigos quem deve a vida, o sorriso e os sonhos.

Aqui lutou e venceu a doença. E agora, não há tempo a perder: "cada dia que passa é uma oportunidade que pode nunca mais acontecer".

Sorridente, confiante. Rita entrou este ano para a faculdade. Estuda Criminologia, mas sonha com Direito. E vai tentar mudar de curso.

Aos 18 anos, tem a vida pela frente. E tem as memórias da doença.

E, com elas, o medo viver tudo: "temos de ser realistas, mesmo que não seja em mim, tenho medo de ter de passar por tudo outra vez, de passar pelo que os meus pais passaram".

O medo faz parte do dia a dia de um sobrevivente, mas não pode impedir que a vida aconteça.

Lutar, vencer, celebrar. A ala pediátrica do IPO do Porto tem um sino que toca esperança, que marca a vitória no último assalto contra a doença.

"É aquele momento em que querem anunciar a toda a gente que estão prontos para seguir com a sua vida... e este é um espaço de vida", assinala Filomena Maia, que coordena o Serviço Educativo da ala pediátrica do IPO Porto, desde que o fundou há mais de 30 anos.

O sino simboliza a vida reconquistada para quem sai e a esperança para quem precisa de mais tempo no hospital.

"Eles muitas vezes são os primeiros a dizer que vai correr tudo bem".

Filomena Maia conta que os meninos vão buscar essa força às experiências contadas pelos veteranos do cancro infantil, adultos que tiveram cancro quando eram pequenos e que conseguiram curar-se.

E que regressam ao hospital, 20 anos, 30 anos depois de terminada a luta contra a doença. "Chegam cá para mostrar-nos os filhos... são nossos para sempre".

O que fica quando morre uma criança?

Quando as histórias não têm um final feliz, ficam as memórias e as famílias. E todos os anos, há um encontro que junta pais de crianças que já faleceram.

"Só eles é que sabem o que é a dor de perder um filho, mas este é um encontro que celebra a amizade, a gratidão, as memórias que vivem neste espaço, porque nem tudo foi mau", recorda a coordenadora do Serviço Educativo da Pediatria do IPO Porto.

Em Portugal, os números do cancro pediátrico estão em linha com o mundo.

Em 2019, o Registo Oncológico Nacional contabilizou 211 novos casos de cancro em crianças até aos 15 anos.

Em 2020, foram 252, dentro dessa faixa etária, mas isso não significa que o cancro pediátrico esteja a aumentar.

Ana Maia, diretora do Serviço de Pediatria do IPO do Porto, há outros elementos que explicam esta diferença.

"Uma delas, uma maior sensibilização para o registo", conta esta oncologista pediátrica.

Ao contrário do que aconteceu no cancro de adultos, a pandemia parece não ter tido impacto significativo na pediatria.

Há casos pontuais de diagnósticos tardios, "sobretudo nos adolescentes que tendem a esconder os problemas".

A boa notícia é a taxa de sucesso. A maior parte dos cancros pediátricos tem um final feliz.

Rita sobreviveu. Tiago ainda não sabe quando vai acabar a doença. Um dia ela há de passar.

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