Já o Royal United Services Institute (RUSI), outro grupo de reflexão, tem a sua própria análise sobre o tema: “A Rússia ainda mantém o objectivo estratégico de subjugar a Ucrânia e agora acredita que está a vencer.”
Avdiivka foi um golpe no ânimo dos ucranianos
Simon Schlegel está em Kiev. É também analista sénior do Crisis Group, com a pasta da Ucrânia. No terreno, sente que o espírito dos ucranianos mudou, mas não foi quebrado.
“Os ânimos estão a mudar. A Ucrânia acaba de perder uma cidade importante, Avdiivka, e depois de uma batalha intensa desde outubro, foi preciso retirar da cidade. É algo que é muito lamentado em todo o país, embora também exista um consenso na sociedade de que era necessário não sacrificar mais pessoas”, diz Simon Schlegel.
A decisão foi tomada por Oleksandr Syrsky, o homem que sucedeu ao general Zaluzhny no comando das Forças Armadas, e que, recorda o analista alemão, tinha sido muito criticado por ter mantido tropas em Bakhmut, a cidade que ficou conhecida como a trituradora de homens, tal foi a carnificina dos dois lados. “Foi criticado por ter sacrificado muitas vidas. E agora este é um sinal claro de que é preciso ter mais cuidado”, acrescenta Simon Schlegel.
Apesar dos problemas, não vê na Ucrânia vontade de deixar de lutar ou ceder territórios à Rússia. “Podem desperdiçar mais dois anos de recursos, que a Ucrânia continuará a existir e continuará a resistir. Penso que é essa a mensagem que a Ucrânia quer enviar agora, uma mensagem de resistência, de resiliência.”
O problema da mobilização e os custos diretos para Zelensky
Na Ucrânia, a dificuldade em conduzir a mobilização é um problema complexo. “O problema é também a vontade política”, argumenta Oleg Ignatov.
“Zelensky está muito relutante em mobilizar mais soldados. Foi isso que Zaluzhny lhe pediu. Ele parece não querer fazê-lo, mas, mais cedo ou mais tarde, terá de o fazer, porque há uma verdadeira escassez não só de soldados, mas de soldados treinados que possam lutar no campo de batalha”, acrescenta o analista. É que no papel, diz Ignatov, pode haver um milhão de soldados, mas apenas 300 mil com condições de participar numa batalha real.
“A Rússia tem uma clara vantagem em termos de número de tropas treinadas”, argumenta Oleg Ignatov. “Não me lembro se é a primeira vez que isto acontece, mas diria que sim. A Ucrânia teve sempre uma vantagem em termos de pessoal porque os russos usaram um número limitado de tropas, especialmente no início da guerra. E tentaram atingir os seus objetivos com esse número limitado. Mas agora vemos que a Rússia tem uma vantagem em militares colocados na linha da frente. Em Avdiivka, os russos tinham uma vantagem de 1 para 7.”
Na Rússia, a mobilização está sempre em curso. “Usam-se diferentes soluções paliativas, por exemplo, diz-se a uma determinada região que tem de arranjar mil soldados em três meses. As autoridades locais procuram criminosos, homens solteiros, alcoólicos, aventureiros, ou pessoas que trabalham na dependência das autoridades municipais ou estatais e apelam ao patriotismo. Tentam apanhar o maior número de pessoas e funciona”, explica Ignatov.
O problema da mobilização é uma dor de cabeça real para Zelensky e que é discutida na sociedade ucraniana. “A mobilização é um problema enorme, aqui é muito discutida, e o governo está a tentar reformar o sistema, baixando a idade de mobilização, e dando mais escolha às pessoas que se apresentam voluntariamente sobre onde combater e em que unidade combater”, explica Simon Schlegel.
As mudanças não devem ficar por aqui. “Provavelmente serão acompanhadas de algumas medidas coercivas, muito impopulares, como o congelamento das contas bancárias de quem não se apresenta nos serviços de recrutamento. É uma medida altamente controversa e impopular, mas torna-se necessária, porque muitos soldados precisam de ser substituídos, não só porque estão feridos, porque muitos morreram, mas também porque os que se mantêm no terreno estão exaustos”, acrescenta Schlegel.
Este, acrescenta, foi um ponto de discórdia entre Zelensky e Zaluzhny, que queria mobilizar meio milhão de homens. “O número foi rejeitado pelo governo, mas penso que o general Oleksandr Syrsky também pedirá mais soldados do que aqueles que o governo lhe pode dar”, afirma o analista.
As armas e a ajuda ocidental que tarda em chegar
A 13 de fevereiro, o senado dos Estados Unidos aprovou um novo pacote financeiro para enviar à Ucrânia: cerca de 61 mil milhões de dólares (56 mil milhões de euros). Mas a ajuda de que Zelensky desesperadamente precisa deverá ser travada pela Câmara dos Representantes, onde o Partido Republicano tem maioria, e onde a estratégia eleitoral de Donald Trump fala mais alto.