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O FMI, a justiça social e a eficácia económica

30 jun, 2023 - 01:30 • Francisco Sarsfield Cabral

O FMI defende, com razão, que os governos não devem dar apoios a quem não tem dificuldades de poder de compra, sendo desejável concentrar esses apoios nas famílias que realmente precisam de ajuda. O FMI não vê conflito entre as preocupações sociais e a eficácia das políticas económicas, desde que orientadas com acerto.

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A inflação na zona euro continua demasiado alta. Por isso Christine Lagarde não surpreendeu ao afirmar que vão continuar a subir os juros do Banco Central Europeu (BCE). Esta subida pode acentuar a estagnação económica na zona euro, que já se encontra tecnicamente em recessão.

Os críticos da subida de juros do BCE não apresentam alternativas a essa subida para travar a inflação. Parece que a alternativa seria, assim, deixar enraizar-se uma forte alta de preços, com todo o cortejo de perturbações que daí viriam para a economia e sobretudo para as pessoas e empresas. É certo que a Reserva Federal (RF) americana já fez uma pausa na subida dos juros; mas o BCE começou meses mais tarde do que a RF a subir os juros. E a RF já anunciou que voltará a aumentar os juros.

Vale a pena reparar no que pensa o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre estas matérias. O FMI já foi considerado um promotor do capitalismo selvagem. Mas essa imagem está, pelo menos, desatualizada. O FMI é, naturalmente, parte de uma economia de mercado, mas não é alheio a preocupações sociais.

Em Sintra, a subdiretora do FMI, Gita Gopinath, não criticou o BCE e a sua política de juros altos para travar a inflação. O FMI defende que os governos devem resistir à tentação de consumirem as folgas orçamentais dadas pela inflação. E também entende que as empresas devem aceitar uma redução nas margens de lucro, de forma a apoiarem os esforços dos bancos centrais no controlo da inflação.

Numa entrevista ao Público de 25 deste mês, Rupa Duttagupta, chefe da missão do FMI em Portugal, não se mostrou contra o Estado dar apoios para mitigar os efeitos sociais negativos da inflação, mas insistiu, com razão, numa tese defendida pelo FMI: não dar apoios a quem não tem dificuldades de poder de compra, de modo a concentrar esses apoios nas famílias que realmente precisam de apoios – direcionando-os para famílias com menores rendimentos e por isso mais vulneráveis. Ora o pacote de ajuda do Governo português “foi para famílias que precisavam, mas também para famílias que não precisavam desse apoio”. Por exemplo, descer o IVA sobre bens essenciais beneficia quem necessita desse apoio e também quem dele não necessita.

Pode dizer-se que o FMI, ao fazer esta recomendação, não está apenas motivado por imperativos de justiça social, mas também por razões de eficácia económica. Segundo uma investigação do FMI, se, na Europa, “a mesma quantidade de dinheiro usada nos pacotes de ajudas fosse dirigida apenas aos 40% mais pobres, o efeito seria mais eficaz”. E o apoio poderia ser mais elevado para quem dele necessita. Ainda bem que o FMI não vê conflito entre as preocupações sociais e a eficácia das políticas económicas, desde que orientadas com acerto.

Por outro lado, a chefe da missão do FMI em Portugal concorda com a OCDE, quando esta organização considera excessivo o peso dos impostos sobre os salários, que se regista em Portugal. Não parece, assim, razoável ver no FMI um aliado dos ricos contra os pobres.

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