07 jan, 2024 - 14:30 • Ângela Roque
No pós Jornada Mundial da Juventude (JMJ Lisboa 2023), e em pleno caminho sinodal, que perspetivas se abrem à Igreja em 2024? A pergunta foi lançada no programa da Renascença "Pequenas Grandes Coisas", deste domingo.
Francisco Mota é pároco na igreja da Encarnação - ao Chiado, em Lisboa -, diretor da Brotéria e vice-presidente do Serviço Jesuíta aos Refugiados em Portugal. Espera que a Igreja “dê testemunho de que é uma comunidade movida pela fé”, para que se entenda que o trabalho social que faz, resulta de “sermos chamados por Deus a ser servidores do mundo e construtores da paz. Seria a minha primeira expectativa para 2024”.
Para o sacerdote jesuíta, é urgente a Igreja fazer o balanço da Jornada Mundial da Juventude, para que o impacto que teve não se perca. “É um trabalho que não está feito, não se vê movimento para que venha a ser feito”, lamenta.
"Avaliar a Jornada não é só ver quanto é que custou, se foi tudo pago, se os fornecedores estão satisfeitos, mas é perceber qual é o impacto que teve, que vidas é que tocou, e como; que impacto tem na maneira da Igreja se relacionar com os pobres, com os doentes, com os que estão sozinhos, com aqueles que são mais excluídos e abandonados, com as comunidades mais fracas”, sublinha.
Mas, não é só isso. “Enquanto não se perceber se este evento ajudou a Igreja a pensar-se teologicamente, a pensar-se na relação com a política e com a sociedade, então a Jornada estará incompleta. Terá sido um grande momento, um grande festival, mas é um momento e um festival que vão ser estéreis e que não vão ter fecundidade. E neste momento, infelizmente, o que estamos a ver é que a nossa Igreja enquanto Igreja - a Fundação Jornada Mundial da Juventude, a Conferência Episcopal etc - não estão propriamente a promover uma séria avaliação e reflexão sobre o fruto da Jornada e aquilo que a JMJ possa ter trazido não só ao nosso país, mas à Igreja universal”.
"Avaliar a Jornada não é só ver quanto é que custou"
Considera também prioritário a Igreja renovar-se em termos de vozes e protagonistas. “Que ao longo do ano que agora começa a nossa Igreja seja capaz de se revitalizar e de encontrar caras novas que possam representá-la, e ser reconhecidas publicamente como sendo portadores credíveis daquilo que a Igreja é”.
“Temos uma Igreja demasiado gasta, demasiado envelhecida em termos dos seus protagonistas. São há muitas décadas frequentemente os mesmos - os mesmos padres, os mesmos bispos, os mesmos leigos. E 2024 seria um ano importante para que pudéssemos pensar como é que nos renovamos, que coisas novas tem a Igreja para dizer, que pessoas novas tem a Igreja para pedir que deem a cara por aquilo em que creem? Como é que nós podemos representar melhor a geografia do país, as várias idades dos crentes, os tipos de educação e de escolaridade que têm? Isto a nível dos leigos e do clero também. Por isso olhar para 2024 e pensar que é um ano no qual a nossa Igreja se pode renovar e revitalizar em termos dos seus protagonistas, também me parece uma questão importante.”
Teresa Folhadela é uma jovem do Porto. Já foi responsável internacional das Equipas Jovens de Nossa Senhora e trabalhou na equipa da JMJ Lisboa. Olha para 2024 com otimismo relativamente ao caminho que a Igreja está a traçar.
“A Igreja continua a fazer caminho na linha do que o Papa nos pede, não está de braços cruzados, com medo de falhar, mas leva este anúncio para fora de si, reconhecendo que tem imenso ainda a percorrer, procurar mais as periferias, as margens e quem se sente ferido, e também continuar a fazer caminho com quem já está mais dentro. É uma Igreja que não é um museu de Santos e de ‘perfeitinhos’, em que as pessoas só têm lugar aqui quando estão em determinada perfeição, mas que é um hospital de campanha, como fala o Papa, onde cabem ‘todos, todos, todos’, mesmo todos”, sublinha.
"Não devemos ter medo da bondade"
Lembrando que o Papa Francisco “há quase 11 anos nos desafia e nos desinstala”, Teresa Folhadela diz que é preciso “não ter medo de sermos bons e de nos fazermos presentes nas sedes do mundo, porque há tantos feridos, pela violência, pelos ódios, pela falta de paz. Tantos de nós, jovens, a quem falta o ânimo, a esperança e a vontade de viver. Que cada um, na medida das suas possibilidades e como referência da Igreja, possa levar o Evangelho a todos”.
“Dizia um bispo do Porto, D. António Francisco dos Santos, que não devemos ter medo da bondade. Ele falava disto aos sacerdotes, mas acho que se aplica a todos: não devemos ter medo da bondade. Acho que é essa a minha expetativa, que todos, cada um, nas nossas comunidades, paróquias, movimentos, mas também nos nossos trabalhos, possamos levar esta alegria da Igreja e do anúncio de Jesus”, diz Teresa Folhadela.
A missão “não é só para aqueles que estão na Cúria, no Vaticano”, ou têm uma vocação consagrada, “é para todos”. E confia que a herança da JMJ é forte. “Acho que a quantidade de pessoas que foi voluntária nas Jornadas pode continuar de forma discreta a fazer um grande trabalho e, sobretudo, a levar bondade”.
Eugénia Costa Quarema, da Obra Católica das Migrações, considera a JMJ Lisboa e o caminho sinodal em curso como “sementes” , que espera deem frutos em 2024, para que se cresça em humanidade e em Igreja.
"Que a Igreja seja capaz de aprender verdadeiramente a escutar aqueles que mais sofrem, aqueles que pensam e vivem diferente"
“Que a Igreja seja capaz de aprender verdadeiramente a escutar aqueles que mais sofrem, aqueles que pensam e vivem diferente. E que a partir destas dores e angústias pessoais, eclesiais e dos povos, possamos assumir tensões e conflitos, promovendo o encontro, pela via do diálogo e outras dinâmicas”, sublinha aquela responsável, para quem é fundamental “construir pontes de entendimento e convivência à luz do Evangelho, e à luz do Evangelho iniciar ou aprofundar processos de reconciliação, interromper ciclos de violência e processos de exploração que denigrem os direitos humanos”.
“Desejo que cuidemos uns dos outros e da nossa Casa Comum. O horizonte é possível e experienciámos na JMJ a harmonia da diversidade, falando várias línguas, acreditando mesmo Senhor e deixando-nos conduzir por ele. Dialogámos com outros crentes e descrentes. Por isso, desejo que 2024 nos ajude a crescer em humanidade e em Igreja. Uma Igreja que é diversa em carismas e vocações, e só interligados podemos enfrentar as incertezas e os desafios que se avizinham”, defende.
No cada vez mais imprevisível contexto internacional, entre os balanços negros dos últimos 12 meses está o que aponta para 20 missionários católicos assassinados em 2023 – mais dois do que no ano anterior, com África a ser a região com mais mortes.
Catarina Martins Bettencourt, da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), lembra o recente ataque na Nigéria, para sublinhar que a perseguição religiosa continua a aumentar no mundo, sendo, a par das guerras que alastram, uma preocupação permanente da AIS.
Número de vítimas aumentou em relação a 2022 e Áfr(...)
“Tivemos um fim de ano terrível na Nigéria, com a morte de quase 200 cristãos, durante o Natal. Portanto, a perspetiva para este ano, em termos de liberdade religiosa, é que iremos continuar a assistir a massacres de cristãos em países de África, onde estão a atuar estes grupos terroristas. Por outro lado, continuamos a olhar com muita preocupação para as guerras que continuam, na Ucrânia e na Terra Santa, e nas outras guerras que existem, nomeadamente em África, como no Sudão do Sul. Continuamos muito preocupados”, afirma.
A Fundação AIS continua a apoiar “entre 130 a 140 países no mundo, não só onde a Igreja é perseguida, mas também onde é pobre e necessitada. Em 2023 estivemos muito focados no apoio ao Médio Oriente, mas também a alguns países de África e à Ucrânia”, refere, prevendo que “nestes países onde há guerras e grupos terroristas será um ano em que as necessidades da Igreja serão muito maiores” para que possa continuar a “ajudar a sobreviver e ultrapassar estes tempos difíceis”.
“Será um ano muito desafiante, mas com esta esperança e esta perspetiva de querermos trabalhar mais e melhor para conseguirmos chegar ao maior número de pessoas e apoiar o maior número de projetos onde a Igreja sofre, é necessitada e perseguida”. E deixa um apelo aos benfeitores portugueses, sem os quais “seria impossível fazermos todo este trabalho. Que possam continuar a ser generosos” e a divulgar o trabalho da AIS.
Com a Igreja em caminho sinodal, o padre Tony Neves espera mais compromisso e empenho dos cristãos em todas as grandes causas. Jornalista e missionário, é atualmente assistente geral da Congregação dos Espiritanos, em Roma, mas está nesta altura no Brasil, onde passou o Natal em Cruzeiro do Sul, na Amazónia. E foi a partir de lá que, numa espécie de crónica, fez a antevisão de 2024.
"Que sejamos uma Igreja missionária, em saída, e que construamos um mundo mais humano, mais fraterno, mais sinodal e mais cristão"
“A estrada que liga o aeroporto do Cruzeiro do Sul tem um outdoor que diz aos condutores: ‘álcool e direção não combinam’. Ora, ao tentar desenhar o melhor de 2024 do mundo, tento ver o que combina e o que é importante não fazer. Começo: guerra e 2024 próspero não combinam, mas negociações e paz combinam; integrismo, fundamentalismo, seja ele religioso ou político, não combinam com um futuro promissor, mas abertura, sinodalidade, diálogo e opção pelos mais pobres combinam com um ano feliz para ‘todos, todos, todos’”.
A defesa do ambiente também não é esquecida. “Ao escutar aqui na Amazónia o ‘grito da terra e dos pobres’, percebo que os atentados contra a Mãe Terra não combinam com um futuro de progresso sustentável, pelo contrário, proteger a natureza e amar os pobres, isso sim combina com um futuro ‘Laudato Si’; uma economia que gera ricos mais ricos, e pobres mais pobres, mata, e por isso não combina com respeito pela dignidade humana. Mas um mundo onde todos têm vez e voz, combina com os valores gravados nas páginas dos evangelhos”.
E prossegue: “um amanhã controlado por uma inteligência artificial sem humanidade não combina com o projeto de felicidade e salvação traçado por Deus para a mesma humanidade, mas um 2024 cheio de inteligência humana, ternura e compromisso solidário, isso sim, combina com o amor do Deus que nasceu na história, que pede que sejamos uma Igreja missionária, em saída, e que construamos um mundo mais humano, mais fraterno, mais sinodal e mais cristão”.