Covid-19

Dose de reforço da vacina “nada tem a ver com ensaios clínicos”, mortes acima dos 80 anos estão a aumentar

15 out, 2021 - 08:00 • Joana Gonçalves

A percentagem de óbitos por Covid-19 está a aumentar nos maiores de 80 anos desde junho e, neste momento, este grupo etário já representa aproximadamente 50% dos internados em enfermaria. "Tenho dúvidas que consigamos impedir óbitos semanais nos próximos dois, três anos", defende o epidemiologista Manuel Carmo Gomes.

A+ / A-

Foram os primeiros a receber as duas doses da vacina, apresentam maior risco de doença grave e enfrentam uma variante que aumenta em 50% o risco de infeção em vacinados. A decisão do reforço da vacinação em idosos com mais de 80 anos “nada tem a ver com os ensaios clínicos”, mas antes com os indicadores de efetividade da vacina e o aumento de mortalidade nesta faixa etária, explica Manuel Carmo Gomes.

“Os ensaios clínicos realizaram-se quando a linhagem do vírus que circulava nos países onde foram feitos não era esta linhagem Delta, portanto, nesse aspeto já não podem ser considerados atualizados”, esclarece, em entrevista à Renascença.

O epidemiologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação da Direção-Geral da Saúde (DGS) adianta que a percentagem de óbitos por Covid-19 está a aumentar nos maiores de 80 anos, desde junho de 2021, quebrando a tendência de decréscimo, iniciada em janeiro, altura em que começaram a ser vacinados.

“Se observarmos os dados de óbitos e hospitalizações, vemos que a percentagem de pessoas com mais de 80 anos entre os óbitos de outubro se aproxima dos 70%. No mês passado eram 58%. Tem vindo a subir”, revela o especialista.

Em maio, quatro meses após o início da vacinação em Portugal e com uma cobertura vacinal que superava os 90% na faixa acima dos 80 anos, o país registou o menor valor de óbitos por covid-19 neste grupo etário, em percentagem do total de mortes provocadas pela doença (31%). Desde então, o número não tem parado de aumentar.

Para o professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa “é difícil apontar uma única causa” para a quebra de proteção que a vacina confere a este grupo etário e que ditou um novo aumento de mortes.

“Quando nós medimos a efetividade imediatamente a seguir à toma da vacina, em janeiro, fevereiro e março, a variante que predominava era a Alpha. Portanto, esta perda de imunidade pode ser uma combinação de pelo menos três coisas: o aparecimento da variante Delta [que se tornou dominante em junho], a menor duração da concentração de anticorpos nas pessoas mais idosas e o agravamento da situação com o passar do tempo, umas vez que foram um dos primeiros grupos a ser vacinados”, afirma Carmo Gomes.

De acordo com os resultados da unidade de investigação epidemiológica do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), o grupo etário dos 80 e mais anos tem registado um “decaimento da efetividade contra hospitalização, de cerca de 80% no primeiro mês após a segunda dose, para cerca 60% quatro a cinco meses após a segunda dose".

Numa conferência de imprensa, no dia 8 de outubro, Baltazar Nunes tinha já referido que, nesta faixa etária, as vacinas contra o vírus SARS-CoV-2 apresentam uma proteção contra morte de 87% no primeiro mês após a vacinação completa, percentagem que baixa para cerca de 75% nos quatro a cinco meses seguintes.

Segundo Manuel Carmo Gomes, “neste momento, em enfermaria, as pessoas com mais de 80 anos já representam aproximadamente 50% dos internados. Em uci (unidades de cuidados intensivos), os maiores de 70 anos representam 40%, com tendência de aumento”.

"Tenho dúvidas que consigamos impedir óbitos semanais, nos próximos 2 a 3 anos”

Questionado sobre a meta da célebre imunidade de grupo, numa altura em que Portugal já conquistou a barreira de 85% de cobertura vacinal, o epidemiologista diz-se “ bastante cético”.

“Imunidade de grupo é uma situação em que o vírus deixa de circular na população. Poderá, ocasionalmente, haver uma introdução vinda de fora, que origina um surto pequeno, que depois desaparece. E, normalmente, não temos casos de infeção todos os dias. Eu tenho muitas dúvidas de que consigamos isto com este vírus”, diz Carmo Gomes.

De acordo com o professor de epidemiologia da FCUL, a proteção que as vacinas conferem contra infeção é muito menor do que a proteção que conferem contra doença grave. “Se imaginarmos uma situação teórica em que todos estamos vacinados, mas aproximadamente 40% a 50% das pessoas podem ser infetadas, mesmo sem manifestação de sintomas, isso impede a imunidade de grupo, porque o vírus continua a circular entre nós”, esclarece o especialista.

“Com uma carga viral tão grande no resto do planeta, estamos constantemente a receber novas importações. Tenho muitas dúvidas de que consigamos impedir casos de covid-19 e óbitos, pelo menos, todas as semanas. Infelizmente, este é o panorama, penso eu, pelo menos para os próximos dois, três anos”, defende.


Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+