Será que à terceira é de vez? Ricardo Salgado começa a ser julgado pelo desvio de 11 milhões

06 jul, 2021 - 06:31 • João Carlos Malta , Joana Gonçalves (vídeo)

Depois de dois adiamentos no ínicio do mês passado, espera-se que esta terça-feira comece, no Campus de Justiça, em Lisboa, o julgamento do ex-homem forte do BES. Confira tudo em sete perguntas e sete respostas.

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O ex-Dono Disto Tudo vai a julgamento pela primeira vez
O ex-Dono Disto Tudo vai a julgamento pela primeira vez

É a primeira vez, que o ex-Dono Disto Tudo será julgado em tribunal. Ricardo Salgado, que durante décadas foi figura central do sistema financeiro português, enfrentará o coletivo de juízes liderado por Francisco Henriques, no Campus de Justiça, em Lisboa.

Confira os principais dados sobre o julgamento e o pequeno filme restrospetivo dos acontecimentos que trouxeram Salgado, de 77 anos, até ao banco dos reús.

Esta é a primeira data para o início do julgamento?

Não, é já a terceira. E, antes, desta fase, por duas vezes, a defesa de Ricardo Salgado tinha colocado entraves ao avanço do julgamento.

Na primeira tentativa de evitar que o ex-líder do BES se sentasse no banco dos réus, os advogados de defesa pediram que não fosse julgado num processo separado da Operação Marquês.

Mais tarde, numa nova ação que pretendia adiar o início do julgamento quiseram mudar o local para a área de residência do ex-banqueiro, em Cascais.

Num terceiro esforço, os mesmos advogados apresentaram um pedido de adiamento da audição, devido ao contexto pandémico.

No documento invocaram a lei que define que, devido à pandemia de Covid-19, não é obrigatório que um arguido esteja presencialmente no tribunal caso tenha mais de 70 anos. Ricardo Salgado tem 77 anos.

Neste requerimento, os advogados invocaram o direito do arguido a assistir presencialmente à produção de prova, daí terem solicitado o adiamento.

Tem 76 anos, quase a completar 77 anos”, lembrou o advogado Francisco Proença de Carvalho à entrada do tribunal, garantindo que “não é por nenhuma falta de respeito, obviamente”.

Mais tarde, num gesto aparentemente contraditório, segundo noticiou o Expresso, Ricardo Salgado chamou seis familiares como testemunhas.

Entre eles, está o seu tio António Ricciardi, que tem 102 anos de idade.

Por fim, a defesa lembrou ao coletivo que não podia arrancar sem que eles apresentassem a sua contestação, entregue no limite do prazo. Por isso, só esta terça-feira é que o mesmo terá a primeira sessão.

Quais as datas agora previstas?

O início do julgamento esteve previsto para 7 de junho, mas foi adiado para esta segunda-feira (14 junho. Agora, só deve arrancar esta terça-feira, 6 de julho. As restantes datas são 8, 13, 14, 16, 20, 21 e 23 do mesmo mês.

É a primeira vez que se senta no banco dos réus?

Sim. Salgado já foi condenado ao pagamento de duas multas pelo Banco de Portugal. Também já foi acusado no processo GES. É ainda arguido no caso Monte Branco, mas esta é a primeira vez que está perante um coletivo de juízes.

Por quantos crimes vai responder?

Três crimes de abuso de confiança. Os crimes estão maioritariamente relacionados com a Espírito Santo Enterprises (ESE) e representam um valor 10,75 milhões de euros.

O juiz Ivo Rosa, na instrução do caso Marquês, deu como indiciado que esta sociedade offshore, com várias contas bancárias no Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, era “controlada pelo arguido Ricardo Salgado e utilizada pelo mesmo para movimentar fundos e realizar pagamentos sem que a sua origem, destino e justificação fosse revelada”.

Os três crimes:

  • Salgado terá utilizado a ES Enterprises para transferir cerca de qautro milhões de euros para a Savoices, uma outra empresa offshore da qual o ex-líder do BES era o beneficiário e que tinha conta noutro banco suíço.
  • Uma transferência que a ES Enterprises fez para Henrique Granadeiro, tendo o ex-líder da PT transferido depois mais cerca de quatro milhões de euros para uma conta no banco Lombard Odier aberta em nome de uma sociedade offshore chamada Begolino, que pertence a Ricardo Salgado e à sua mulher.
  • Por fim, 2,75 milhões de euros que tiveram origem no BES Angola, passaram por uma conta do empresário Hélder Bataglia e acabaram na Savoices de Ricardo Salgado.

Mas eram estes os crimes pelos quais Salgado estava indiciado?

Não, inicialmente eram sete vezes mais. Em abril passado, o juiz de instrução Ivo Rosa derrubou quase toda a acusação da "Operação Marquês" e decidiu que apenas cinco dos 28 arguidos iriam a julgamento e por muito menos crimes do que a acusação propunha.

Ricardo Salgado estava inicialmente acusado de 21 crimes: um crime de corrupção ativa de titular de cargo político, dois crimes corrupção ativa, nove crimes branqueamento de capitais, três de abuso de confiança, três de falsificação de documento e três crimes fraude fiscal qualificada.

Porque é que o julgamento não será no âmbito do processo Marquês?

Segundo o despacho de pronúncia do juiz Ivo Rosa que determinou o envio para julgamento em separado do antigo banqueiro, nenhum dos três crimes que considerou terem indícios para irem a julgamento estão relacionados com os outros arguidos também pronunciados.

Qual será a linha de defesa do ex-Dono Disto Tudo?

Segundo o “Público”, Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, advogados de defesa de Ricardo Salgado, alegam que a ESE não era um quintal do ex-banqueiro.

Na contestação argumentam que várias pessoas na sociedade offshore movimentavam a conta, que davam instruções e que também receberam empréstimos e outros valores. Segundo os causídicos, a ESE também fez empréstimos aos membros do Conselho Superior do GES e Francisco Machado da Cruz.

A defesa garante que o dinheiro, que foi transferido para as contas do arguido, se tratava de um empréstimo, e que Salgado até já tinha devolvido uma parte.

Aliás, este não era o primeiro empréstimo que Ricardo Salgado tinha recebido da ESE. Fez outros e devolveu o dinheiro com já tinha recebido outros há muitos anos e devolveu com juros.

“Tal como a Enterprises fez um empréstimo ao ora Arguido em Outubro de 2011, também lhe fez três empréstimos em 2002 e 2003 (450 mil francos suíços + 45 mil dólares + 2,17 milhões de dólares), que este reembolsou à Enterprises em 21 de Maio de 2007, incluindo juros, porquanto, em Maio de 2007, o ora Arguido pagou a esta os valores de 2.460.711,84 dólares e 481.899,04 francos suíços”, lê-se na contestação citada pelo Público, enumerando um conjunto de outras datas em que Salgado terá devolvido dinheiro aquela empresa do universo BES.

Por isso, a defesa conclui que, “a intenção de apropriação indevida que é exigida pelo crime de abuso de confiança não é compatível com a intenção e efetivo reembolso de parte deste empréstimo pelo ora Arguido, na medida em que este reembolso demonstra, através de um acto objectivo inequívoco, que não há intenção de apropriação, sendo certo que o incumprimento – muito menos, o incumprimento parcial – de dívidas não constitui crime”.

Mais, argumentam que o arguido está disponível para devolver o dinheiro em causa. O artigo que a defesa cita, diz o seguinte: “Extingue-se a responsabilidade criminal, mediante a concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instância, desde que tenha havido restituição da coisa ou do animal furtados ou ilegitimamente apropriados ou reparação integral dos prejuízos causados”.

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