30 abr, 2021 - 12:21 • Olímpia Mairos
Na eurocidade Chaves-Verín, contam-se as horas para a reabertura da fronteira que durante três meses impediu a convivência entre os dois povos.
José Ribeiro, de 58 anos, residente na aldeia de Vila Frade, fala de tempos "muito difíceis", tempos que afastaram os amigos e impediram a confraternização e as trocas comerciais.
“Além de tudo, é a amizade que temos, os vizinhos uns com os outros. Damo-nos como se fossemos da própria aldeia e neste tempo estivemos separados”, conta à Renascença.
"Ninguém imagina o quanto foi doloroso estar distante dos amigos espanhóis”, desabafa. "Por exemplo, quando nós temos um funeral na nossa aldeia, vêm aqui os vizinhos e, quando eles têm, é igual”.
“É como se todos tivéssemos a mesma nacionalidade, aqui não há portugueses nem espanhóis, somos todos amigos. E eu já tenho muitas saudades de um abraço espanhol."
Mas há, também, as compras que os portugueses costumam fazer em Espanha e que, durante o encerramento das fronteiras, não foi possível fazer. “O gás e o gasóleo são muito mais baratos e é do lado de lá que sempre nos abastecemos."
A reabertura da fronteira luso-espanholas é vista com grande expectativa por comerciantes da raia. Habituados a uma relação de proximidade, comercial e afetiva muito intensa, viram-se afastados uns dos outros e a acumular prejuízos de que não sabem se vão recuperar.
“Nós vivemos bastante com a Espanha e estamos à espera que eles venham para nos ajudar, que é o que mais precisamos”, observa António Bessa, empresário do ramo imobiliário.
Bessa, com dois estabelecimentos comerciais a poucos metros da fronteira de Vila Verde da Raia, diz que regista quebras enormes na faturação devido à ausência de espanhóis. “Uma quebra que, muitas vezes, me apetecia fechar, porque sem vendas não temos dinheiro para continuar."
"Sem clientes, que adianta ter a porta aberta?”, questiona o empresário.
“Faz-nos falta a Espanha, nós vivemos muito com a Espanha, porque os clientes espanhóis são aqueles clientes que entram e compram”, enfatiza.
Para além das quebras no negócio, António destaca a falta que sente dos “bons amigos” que mantém do lado de lá da fronteira. “Quem é que não gosta de conviver com os amigos? Os amigos são para a vida. E quem não gosta de um abraço de um amigo?”, observa o empresário.
À espera dos clientes espanhóis, está também Daniela Monteiro, gerente de um restaurante na cidade de Chaves, que viu as receitas reduzirem “drasticamente”.
“Estamos à espera deles, estamos ansiosos com esta nova etapa, esperamos que tudo corra bem”, conta à Renascença. Daniela quer ver de novo a “casa a bater os pratos” e diz-se ansiosa pelo regresso dos clientes espanhóis que “não dispensam um bom bacalhau português”.
As quebras neste restaurante chegam “aos 80%”, mas Daniela acalenta a esperança de dias diferentes e já vê a “luz ao fundo do túnel”. “Estamos ansiosos e cá estamos para bem receber os nossos clientes, os espanhóis e os portugueses”, conclui.
A reabertura das fronteiras com Espanha era pedida há muito pelos concelhos fronteiriços, que se queixavam das muitas filas nos poucos pontos de passagem e do modo como esta situação prejudicava a economia local e afetava a vida das pessoas que precisam de atravessar a fronteira.
As fronteiras com Espanha estão fechadas desde 31 de janeiro, devido à pandemia de Covid-19. Durante este período era apenas permitida a circulação entre os dois países nos 18 pontos de passagem autorizados (PPA), limitada ao transporte internacional de mercadorias, trabalhadores transfronteiriços e de caráter sazonal, devidamente documentados, e veículos de emergência e socorro e serviço de urgência.
“As pessoas foram bastante recetivas ao nosso trabalho. Fomos notando que, ao longo do tempo, foram-se apercebendo cada vez mais e melhor do que estávamos aqui a fazer e da necessidade do controlo para combater a pandemia”, conta à Renascença o inspetor do SEF, Luís Soares.
Pelo PPA de Vila Verde da Raia passaram em média 1. 000 pessoas por dias, tendo-se registado uma “recusa diária muito reduzida - menos de uma dezena de pessoas, em média”.
Mas se a recusa de entrada foi muito reduzida, o mesmo não se pode dizer das detenções. De acordo com o inspetor do SEF, “este foi o PPA, a nível nacional, onde houve mais detenções, no total de 27, que é cerca de 50% a nível nacional”.
“Nós temos o ‘SEF Moblile’, através dos telemóveis que os nossos colegas estão aí a utilizar e conseguem aceder à base de dados nacionais e internacionais, para ver se a pessoa é procurada por Portugal ou por outro país europeu. As pessoas tinham esse mandado de detenção por diversos motivos”, explica o inspetor.
Pelo Ponto de Passagem Autorizado de Vila Verde da Raia passaram cerca de 50 inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a quem coube assegurar o controlo fronteiriço.