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Diretor de Medicina Intensiva do S. João

Efeitos do confinamento já se refletem nos Cuidados Intensivos. "Provavelmente não será preciso chegar ao aumento de 200 camas"

10 fev, 2021 - 06:59 • Teresa Almeida (entrevista) com Redação

Em entrevista à Renascença, José Artur Paiva sublinha a necessidade de manter o país confinado, pelo menos, dois meses e de o Governo, a que aponta o erro de tomar medidas tardiamente, programar um desconfinamento progressivo. O diretor de Medicina Intensiva do Hospital de São João garante que doentes graves e agudos, Covid-19 ou não Covid-19, têm o mesmo tratamento. Recuperar atraso no tratamento de patologias não urgentes é objetivo para cumprir, assim que a pandemia esteja controlada.

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Portugal tem capacidade para aumentar o número de camas em Cuidados Intensivos, mas José Artur Paiva, diretor do serviço de Medicina Intensiva do Hospital de São João, no Porto, admite que não será necessário um aumento tão grande como o que era previsto há poucos dias, quando ainda não se sentiam efeitos do confinamento decretado em janeiro.

Das 207 camas que podiam ser deslocadas das áreas de Cirurgia e de Recobro Anestésico, mais de 140 já estão abertas para Cuidados Intensivos.

As previsões dos especialistas apontam para um máximo de ocupação dos Cuidados Intensivos para os próximos dias, mas, em entrevista à Renascença, José Artur Paiva admite que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderá dar a resposta adequada, sem necessidade de mais recursos extraordinários.

Para o presidente do Colégio de Medicina Intensiva da Ordem dos Médicos, a transferência de doentes para outros países não é uma solução a ponderar neste momento.

Defensor de um combate à pandemia em três frentes - confinar, testar e vacinar -, o diretor do serviço de Medicina Intensiva do São João responsabiliza o Governo por decisões tardias e alerta para a necessidade de um prolongamento do confinamento e de um desconfinamento gradual.

Travar a pandemia está a ter custos que terão de ser recuperados assim que haja um sinal evidente de travagem da transmissão do vírus.

Qual é a sua expectativa para os próximos dias, atendendo que previsão dos epidemiologistas aponta para a possibilidade de os Cuidados Intensivos poderem atingir uma taxa de ocupação recorde?

Espero aquilo que creio que todos esperam, que a sobrecarga no sistema da Medicina Intensiva continue a ser elevada, com uma heterogeneidade grande entre as várias regiões do país. Neste momento faz-se sentir de uma forma muito mais significativa nas áreas de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) e do Alentejo. As outras regiões, nesta altura, estão em menor sobrecarga.

Por outro lado, espero uma redução progressiva da transmissão viral na comunidade, uma redução que já se verifica e que é bastante marcada no número de novos casos e no Rt [rácio de transmissibilidade, indicador que define o grau de transmissibilidade da infeção]. É isto que esperamos para os próximos tempos e esperamos que as decisões relacionadas com elas sejam adequadas.

O Hospital de São João (HSJ), apesar de não ser dos casos mais críticos a nível nacional, está preparado para este pico que ainda se espera ao nível de internamentos?

Nós lidamos nesta altura com cerca de 110 doentes críticos - uns Covid-19 e outros não Covid-19. O nosso compromisso é igual para ambos os grupos de doentes, e não pode ser de outra maneira.

No nosso DNA está sermos um centro de referência para a região Norte e para todo o país. Ao longo desta pandemia temos tido cerca de 30% doentes críticos de fora da nossa área de referência direta.

Nos últimos tempos temos feito parte de um esquema de ajuda programada aos hospitais da região de LVT, que nesta altura têm uma maior sobrecarga. Eu defendo que este caminho de transferência inter-regional deve continuar e ser reforçado, uma vez que temos de pugnar pela utilização transversal dos recursos, de forma a garantir uma equidade de acesso do cidadão [ao serviços de saúde] em todas as regiões do país.

Como é que se pode resolver este ainda previsível agravamento dos internamentos nos hospitais? Com mais camas, mais recursos humanos?

Acho que é muito importante, e creio que nos últimos dias temos conseguido isso, focar a nossa mensagem numa confiança muito grande na resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O SNS deu provas de uma extraordinária elasticidade, extraordinária "compliance", de uma capacidade notável dos seus profissionais.

Esse foco nessa confiança é muito importante, em detrimento de notícias de transferência de doentes para o estrangeiro, que só faria sentido utilizar em último recurso, em último dos últimos recursos e penso que, nesta altura, essa hipótese está afastada.

Esta confiança na capacidade de resposta é fundamental e é muito motivacional para os profissionais de saúde.

Há cerca de 10 dias afirmámos que seria provavelmente possível abrir mais quase 200 camas de Medicina Intensiva e é um facto que nesse espaço de tempo, até agora, já foram abertas mais de 140, entre 140 e 150 camas de Medicina Intensiva, o que é um esforço notável.

Evidentemente por cessação de algumas atividades programadas, nomeadamente cirurgias programadas de caráter não muito prioritário. Não é bom, mas é absolutamente necessário para que possamos dar continuidade a esta resposta.

Portugal tem ainda capacidade para aumentar o número de camas?

Sim, temos uma margem ligeira, mas temos de aproveitar este aumento de camas. Para o objetivo de 200 faltam, nesta altura, 60.

Creio também que o efeito do confinamento também já se faz sentir no número de novos casos, no Rt e até no número de doentes hospitalizados, nomeadamente, na região Norte, no que diz respeito ao decréscimo de doentes internados em UCI. Algo que ainda não acontece na região de LVT.

O anúncio desses resultados já faz sentir que provavelmente não será preciso chegar ao aumento de 200 camas. Portanto, a minha resposta é sim, tenho confiança que este esforço adicional dará a resposta necessária dentro do SNS, desde que não se tomem decisões precipitadas de desconfinamento.

A ajuda internacional, neste caso, passa a ser desnecessária?

A ajuda internacional tem várias matizes que devem ser diferenciadas. É totalmente diferente aceitarmos a ajuda de uma equipa de médicos e enfermeiros que nos vem ajudar, instalando-se no país. Essa é uma ajuda bem-vinda.

Isso não é uma condicionante para os doentes e familiares dos doentes. Não gera nenhum desconforto. É uma ajuda que devemos agradecer.

Aquilo a que me refiro, e que não me parece necessário, é à transferência internacional dos doentes.

Como é que têm chegado os doentes ao hospital nesta altura. São casos mais graves, mais jovens, são diferentes dos da primeira vaga?

Continuamos a manter uma taxa de doentes Covid-19 críticos aqui no HSJ que está entre 10% a 15% com menos de 50 anos e entre 30% e 40% com menos de 60 anos.

São taxas diferentes da primeira vaga?

Sim. Embora a média de idades seja semelhante, há, de facto, um grupo de não idosos que é mais numeroso.

O tempo médio de permanência em UCI é maior?

A demora média é menor. A média de tempo que demoramos a tratar os doentes em Medicina Intensiva é menor do que na primeira onda.

A resposta aos doentes não Covid tem sofrido alterações nos últimos tempos?

Toda a atividade programada, aquela que não é urgente, tem sofrido bastante com esta necessidade de dedicarmos equipamentos, infraestrutura e recursos à Covid-19. Isto é verdade à escala nacional.

Só é possível ter este tipo de resposta por essa decisão. O que aqui no HSJ não se passa é o prejuízo de doentes não Covid-19 agudos e graves. Isto é, todos os doentes que precisam de Medicina Intensiva são admitidos a ela, independentemente de serem Covid-19 ou não Covid-19.

Não há priorização entre dois doentes agudos graves.

Podendo esta situação prolongar-se por algum tempo, em relação aos doentes com outras patologias, haverá tempo para os recuperar?

Essa é uma preocupação muito grande. À escala nacional, para darmos esta resposta aos doentes agudos críticos, Covid-19 e não Covid-19, está a ser prejudicado o acesso de uma série de patologias não grave, mas que tinha necessidade de intervenção programada.

Há muitas cirurgias de prioridade normal que estão a ser atrasadas.

Tem receio da bola de neve que possa estar a ser criada nesta altura com esses doentes não Covid que não recorrem ao hospitais?

Todas as opções que tomamos à escala nacional têm pontos negativos. É evidente que vai ser preciso recuperar, no futuro próximo, esses doentes que estão a ter as suas intervenções adiadas. Refiro-me, nomeadamente, a bastantes intervenções cirúrgicas e de diagnóstico.

Essa recuperação tem de ser um objetivo muito grande para os próximos meses. Mas só chegaremos a esse ponto se soubermos conter a pandemia, se não desconfinarmos precocemente e se o fizermos de forma gradual.

Se não soubermos lidar com a pandemia, nós nunca mais chegaremos ao ponto de recuperação. Vencer a pandemia é uma condição "sine qua non" para a recuperação das patologias não Covid-19.

É preciso que o confinamento se mantenha por mais algum tempo?

Tem de ser mantido por bastante mais tempo. Não vejo condições de um confinamento que dure menos de dois meses.

A testagem massiva da população e a vacinação são outros dois fatores essenciais para chegarmos ao verão, como diz o Governo, com a pandemia praticamente em extinção?

As soluções são três:

- não desmontar o confinamento antes de termos uma clara evidência de contenção pandémica;

- ter uma política de testagem muito alargada, muito bem montada, um "test and tracing", isolamento e um suporte social adequado para essas pessoas;

- temos um plano de vacinação muito expedito que permita rapidamente a proteção dos frágeis.

Destes três eixos de que fala há um que não depende totalmente de nós, que é a vacinação. Depende da chegada das vacinas. Os outros dois, o confinamento e a testagem massiva, dependem de uma decisão interna do Governo. Acha que chegaram tarde demais?

Acho que sim. O confinamento foi decretado tardiamente e de uma forma gradual, o que, na minha maneira de ver, foi um erro, como é evidente.

E o desconfinamento não deve ser precoce e deve ser gradual. Não devemos desconfinar de um momento só, devemos desconfinar gradualmente e monitorizando aquilo que se está a passar.

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