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Inglaterra

Quem é Lucy Letby? A enfermeira "normal" que se tornou no "mal"

22 ago, 2023 - 19:45 • João Pedro Quesado

Lucy Letby tinha cerca de 25 anos quando atacou bebés completamente vulneráveis, entre junho de 2015 e junho de 2016. Nem a polícia, nem amigos, nem colegas viram na enfermeira inglesa algo de anormal antes dos crimes, o que deixa uma pergunta importante sem resposta.

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Uma unidade de neonatologia é um local de cuidado, especialmente feito para os que ainda não conseguem, de forma nenhuma, cuidar de si. É onde os recém-nascidos, principalmente os que nascem com problemas de saúde ou de forma prematura, são confiados pelos pais aos cuidados de vários profissionais de saúde especializados.

Foi nesse ambiente que Lucy Letby, uma enfermeira inglesa, matou sete bebés e tentou matar pelo menos outros seis. Foram esses os crimes confirmados pelo tribunal, que condenou a mulher de 33 anos a prisão perpétua - sem possibilidade de saída condicional.

Letby tinha cerca de 25 anos quando atacou bebés completamente vulneráveis, entre junho de 2015 e junho de 2016. Os ataques aconteceram muitas vezes logo depois dos pais ou de outros profissionais de saúde saírem da beira das crianças. Depois de muitos alertas dos colegas à administração do hospital, a polícia foi finalmente contactada em 2017. Letby foi detida em 2018.

Uma infância sem indícios de problemas

A enfermeira que “sempre quis trabalhar com crianças”, como a própria disse em tribunal, nasceu em 1990 em Hereford, uma pequena cidade perto do País de Gales. Filha única de pais respeitados e acarinhados pela vizinhança, a infância não foi marcada por maus-tratos, abusos ou traumas. Os pais, que continuam ao lado de Lucy, testemunharam todo o julgamento, desde outubro de 2022.

Lucy estudou na cidade em que nasceu até completar o ensino secundário. Mudou-se para Chester para estudar enfermagem durante três anos. No fim do curso, os pais, orgulhosos da filha, deram-lhe os parabéns com um anúncio no jornal local de Hereford.

Depois de terminar o ensino superior, Lucy Letby fez vários estágios relacionados com a neonatologia, incluindo no Hospital Countess of Chester, onde cometeu os crimes. Terminou a especialização em 2011, ficando a trabalhar no hospital onde, em 2015, passaria a trabalhar na unidade de cuidados intensivos neonatais, onde eram vigiados e cuidados bebés que nasciam com apenas 450 gramas.

O padrão dos ataques: Lucy estava sempre lá

O primeiro ataque teve lugar a 8 de junho de 2015, mais de três anos depois de chegar ao Hospital Countess of Chester. A primeira criança morreu apenas 90 minutos depois de Letby começar o turno noturno.

No dia seguinte, Letby tentou matar a irmã da criança, depois dos familiares ficarem ao lado dela praticamente 24 horas seguidas, revezando-se por turnos. A bebé sobreviveu. Os médicos repararam em mudanças de cor na pele, em manchas roxas e brancas – tal como tinham visto, pela primeira vez, na noite anterior, na pele do irmão que morreu.

Essas manchas eram o resultado da injeção de ar na corrente sanguínea dos recém-nascidos, o que seria o método favorito da enfermeira. Lucy Letby usou outros métodos para atacar os bebés, como agressões físicas, sobrealimentar com leite, forçar a entrada de ar na barriga e injetar insulina no saco de soro.

Alguns bebés foram vítimas de repetidas tentativas de homicídio. Em tribunal, a acusação e as testemunhas declararam que Letby utilizava medicação e equipamento que tinha disponível para provocar o colapso dos bebés de forma inesperada.

A enfermeira pesquisava pelos pais e mães dos bebés nas redes sociais, enviando até um postal de condolências aos pais de uma das vítimas que matou no dia do funeral do bebé. O padrão de pesquisas indica que Letby procurava os perfis dos pais das crianças ao mesmo tempo, incluindo no dia de Natal.

De acordo com o The Guardian, os pais de alguns bebés relataram que viram a enfermeira a lavar e vestir as crianças, já mortos, para o funeral, de forma estranhamente alegre. Apenas souberam que a morte dos seus filhos não se deveu a causas naturais após vários anos.

As mortes de bebés na unidade de neonatologia do Hospital Countess of Chester continuaram a aumentar muito para lá da taxa normal – abaixo de dois bebés em cada mil prematuros no Reino Unido. Os colegas começaram a reparar que Letby era a única presente aquando de todas as mortes, e começaram a fazer pressão junto da administração, num processo demorado que agora está a ser alvo de uma investigação.

Porquê? Ninguém sabe

A polícia de Cheshire diz que não encontrou uma motivação por detrás dos ataques. “Infelizmente, acho que nunca vamos saber, a não ser que ela apenas escolha contar-nos", disse o superintendente Paul Hughes, que liderou a investigação.

No tribunal, o juiz James Goss, disse que havia “uma malevolência que quase chega ao sadismo”, e que Letby agiu “de uma forma completamente contrária aos normais instintos humanos de nutrir e cuidar de bebés, em violação grosseira da confiança que todos os cidadãos colocam naqueles que trabalham nas profissões médicas”.

Mas nada disso explica o porquê. A inspetora chefe da polícia de Cheshire, Nicola Evans, descreveu Lucy Letby como uma pessoa “bege”, “normal”, que tinha “um grupo de amigos normal, uma família, uma vida social normal, tudo o que seria expectável” de alguém entre os 20 e os 30 anos.

“É muito difícil perceber como alguém numa posição de confiança poderia cometer estes crimes. A questão do porquê é quase... É demasiado difícil... Não há nada que seja razoável, não há explicação razoável, acho que nunca vou perceber ou aceitar porquê”, contou ao Channel 4 News.

"Eu sou o mal"

Letby vivia sozinha em Chester. Em casa tinha, de acordo com a BBC, vários peluches do Winnie the Pooh em cima da cama, e um quadro de cortiça onde punha fotografias e cartas – incluindo um desenho feito pelo afilhado.

Foi nessa casa que a polícia encontrou registos hospitalares, guardados em sacos de compras debaixo da cama. Alguns dos registos tinham nomes de bebés que Letby matou, o que para a polícia seria uma espécie de troféu.

Na agenda de Letby, as iniciais dos nomes de alguns bebés estavam anotadas no dia da morte dos bebés. Num post-it verde em que afirma que “não fez nada de errado” e se sente “muito sozinha”, Lucy depois declara que é “uma pessoa terrível”, que matou os bebés “de propósito” por não ser “boa o suficiente” e escreve: “eu sou o mal, eu fiz isto”.

A polícia de Cheshire está a investigar o possível envolvimento de Lucy Letby noutras mortes ao longo de toda a sua carreira como enfermeira, incluindo a passagem pelo Liverpool Women’s Hospital. Ao todo, o inquérito envolve a passagem de cerca de 4 mil bebés pelas duas unidades de saúde.

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