13 ago, 2021 - 06:30 • João Malheiro
No espaço de uma semana, os talibãs tomaram o controlo de 11 capitais de província, no Afeganistão.
A ascenção das forças talibãs tem sido imparável, desde que se verificou a retirada de tropas norte-americanas do país do Médio Oriente.
À Renascença, Carlos Branco, major-general e Investigador do IPRI-NOVA, afirma que foi "seguramente" a retirada americana o principal fator para o avanço talibã.
"Os talibãs esperaram que as forças norte-americanas saíssem do caminho e avançaram. As forças de segurança afegãs não estão em condições de fazer frente aos talibãs. Inclusive há relatos de tropas das forças de segurança que se rendem e outras que se juntam mesmo aos rebeldes para lutar contra o Governo", explica.
O Pentágono afirmava, esta quinta-feira, que a queda de Cabul para as mãos dos talibãs não era garantida.
No entanto, Carlos Branco acredita que é "uma questão de tempo", apesar da situação exigir cautela por parte das forças rebeldes.
"Se os talibãs entrarem em Cabul vai ser uma coisa dramática. Correm o risco de ficar numa situação vulnerável, por isso terão de o fazer com muito cuidado", aponta à Renascença.
Sobre a possível reorganização política do Afeganistão, o investigador aconselha uma postura "moderada e cautelosa".
"Está a haver esforços por parte de vários atores regionais para se chegar a uma solução política, o que será extremamente dificil. Os talibã estão por cima e por isso têm mais trunfos numa negociação", conta.
Será por isso importante perceber como os vários grupos étnicos do país vão reagir, "porque não sabemos que unidades estão ou não a resistir aos talibã"; explica Carlos Branco.
O Irão, a China e a Rússia poderão ter capacidade para convencer os talibã a aceitarem uma solução de partilha de poder, mas este cenário é "extremamente improvável".
"Eu teria uma postura mais moderada. É cedo para se tirarem conclusões", reitera o Major-general.
Carlos Branco não acredita que o presidente Joe Biden "volte atrás" na decisão de retirar as tropas norte-americanas do Afeganistão.
"Não faz sentido que os norte-americanos voltem ao Afeganistão. O maior problema deles agora é a China e depois ainda há outras prioridades", explica.
A ocupação norte-americana do território, que durou 20 anos, foi motivada por outras questões para além do combate ao terrorismo, segundo aponta o investigador.
"Os norte-americanos estavam preocupados com o Afeganistão porque precisavam de construir um oleoduto e ter entrada na Ásia Central e controlar os fluxos de petróleo e de gás dessa zona, prejudicando a Rússia.
A invasão já estava programa antes do 11 de setembro. O 11 de setembro serviu de pretexto", afirma Carlos Branco, à Renascença.
O Major-general aponta ainda o anúncio de retirada norte-americana, em 2009, por parte do então presidente Barack Obama, como o momento-chave do conflito atual.
"Esse anúncio dá indicação aos talibãs para esperarem pela sua vez. O presidente Obama nunca se envolveu num programa de conversações e negociações a sério. Todo o processo negocial era inconsequente", aponta.
Questionado sobre as principais mudanças sociais de um Afeganistão sob controlo talibã, Carlos Branco aponta, fundamentalmente, a maior segurança.
"Um dos motivos pela população ter aderido à aparição dos talibãs, em 1994, foi por eles terem acabado com a guerra civil e imposto ordem. É o que vai acontecer agora também", aponta à Renascença.
Reconhecendo os talibãs como um movimento de guerrilha "altamente conservador e retrógada", o investigador diz que isso pouco mudará a vida social afegã.
Isto porque o Afeganistão já é um país pré moderno e altamente conservador, segundo a visão do investigador.
Carlos Branco acredita que é fácil construir "mitos e propaganda a demonizar os talibãs", no Ocidente, e que isso retira "capacidade de compreender os conflitos".
"Os talibãs são um movimento guerrilha, exatamente como os que havia nas colónias portuguesas. A diferença é que esses eram contra o colonialismo, enquanto os talibãs são contra a invasão do inimigo. E o Ocidente nunca conseguiu apresentar um argumento mais forte que o da invasão do inimigo", conclui.