30 nov, 2023 - 15:05 • Susana Madureira Martins
O aumento dos impostos indiretos é uma das principais críticas feitas pelos partidos do centro-direita ao Governo de António Costa e Pedro Nuno Santos vem de alguma forma dar razão a esses argumentos propondo alterações ao IVA.
Na moção de orientação que entregou esta quinta-feira na sede do PS, o candidato à liderança do PS escreve que "o imposto indireto mais importante é IVA que representava em 2022 61,5% da receita dos, impostos indiretos, e 25,3% de toda a receita fiscal".
Partindo daqui, Pedro Nuno Santos considera "importante estudar formas de reduzir a tributação indireta que mais impacta no rendimento disponível das famílias com mais baixos rendimentos".
Na moção lê-se ainda que, "ao mesmo tempo" que se discute a mexida no IVA, "devem ser encontradas formas de reduzir a fatura fiscal da energia, de modo a combater a pobreza energética".
Tal como José Luís Carneiro já veio defender em entrevista à SIC Notícias, também Pedro Nuno Santos defende alterações ao Complemento Solidário para Idosos (CSI). Na moção lê-se que "no âmbito das pensões, e nomeadamente das pensões mínimas, importa rever os critérios de acesso" a esta prestação social.
É uma proposta que surge na parte relativa à Segurança Social em que, tal como António Costa vem defendendo, também Pedro Nuno defende o estudo e debate da "diversificação das fontes de financiamento" do sistema.
A moção defende aqui que "não pode ser apenas o fator trabalho a contribuir para a Segurança Social" e que se deve "considerar os resultados do trabalho da comissão constituída para estudar o financiamento do sistema e equacionar um maior equilíbrio entre as contribuições do capital, trabalho e da tecnologia".
Pedro Nuno Santos considera ainda "necessário avaliar a taxa de formação das pensões das pessoas que estiveram desempregadas ou que, em virtude da intermitência ou precariedade, veem a estimativa das suas pensões degradada".
A moção propõe ainda que "em complemento à pensão em sistema de repartição, todos os trabalhadores devem poder beneficiar de um patamar de proteção que melhore os seus rendimentos através de um mecanismo de poupança apoiado pelo Estado, constituído por esforço conjunto dos trabalhadores e dos empregadores, privilegiadamente obtido na negociação coletiva e executado por um sistema público".
Essa "proteção complementar na reforma deve deixar de ser um privilégio de trabalhadores de salários elevados e com poder negociar individual", defende a moção, que propõe "a criação de sistemas complementares de acesso alargado, a definir no âmbito da contratação coletiva".
A moção não é específica em relação a nenhuma profissão, mas defende que na Administração Pública é preciso a "valorização das carreiras, das condições de trabalho e dos regimes funcionais e remuneratórios, incluindo a recuperação faseada do tempo de serviço congelado".
Pedro Nuno Santos já vinha defendendo publicamente que o Governo devia aceder às reivindicações dos professores, tendo mesmo apresentado uma declaração de voto que foi ao encontro da proposta de alteração ao Orçamento do Estado que o PSD sujeitou a votação sobre esta matéria e que foi chumbada pela maioria socialista.
Uma das garantias de continuidade da política de António Costa, é o "compromisso muito forte com a completa implementação da Agenda do Trabalho Digno e com o permanente diálogo com os parceiros sociais no sentido de identificar e corrigir os desequilíbrios do mercado de trabalho".
É uma proposta que poderá não agradar aos eventuais parceiros de Pedro Nuno Santos - PCP e Bloco de Esquerda - tendo em conta o desagrado que a Agenda do Trabalho Digno provoca aos partidos à esquerda do PS.
Pedro Nuno defende aqui o legado de António Costa, referindo mesmo que "é preciso evitar a tentação de fazer alterações sucessivas à legislação", considerando que o Governo fez "reformas importantes" na legislação laboral e o que é "preciso garantir" é "que a lei é cumprida".
Nesse sentido, Pedro Nuno Santos até dá razão às reivindicações do PCP e Bloco de Esquerda. "É, pois, preciso prosseguir o reforço dos meios da inspeção do trabalho, tanto do ponto de vista dos meios humanos, como da modernização da atividade inspetiva".
O tema da dívida pública é um dos calcanhares de Aquiles de Pedro Nuno Santos depois da polémica declaração de há uns anos em que defendia o não pagamento. O candidato à liderança do PS assume na moção que "Portugal continuará obrigado nos próximos anos a reduzir a dívida".
As regras europeias inscritas no Tratado Orçamental "a isso obrigam, seja pela necessidade de proteger ao país face a possíveis choques externos futuros", reconhece Pedro Nuno. Mas fica a proposta de discutir "o ritmo dessa descida face aos compromissos que Portugal assume no âmbito do quadro legal europeu".
A moção defende que "a estratégia de descida da dívida é essencial, mas ela não pode ser vista como uma prioridade isolada" e "necessita sempre de ser avaliada e ponderada face a outros objetivos e necessidades que o país enfrenta".
Surge de novo a questão muito discutida dentro do PS de que "uma política de excedentes orçamentais acelera a redução da dívida pública, mas pode reduzir excessivamente o espaço orçamental que o governo precisa para fazer o investimento público em infraestruturas e em serviços públicos e para apoiar as famílias e as empresas".
O que Pedro Nuno propõe é "encontrar o equilíbrio adequado entre a prossecução da estratégia de redução da dívida pública, os objetivos de crescimento económico, de investimento público e de transformação do Estado".
Tal como José Luís Carneiro, também Pedro Nuno defende o aumento do Salário Mínimo Nacional "numa perspetiva plurianual". Há, entretanto, várias respostas às reivindicações dos partidos de esquerda.
O "fortalecimento da negociação coletiva" ou "explorar formas inovadoras de redução da jornada de trabalho", por exemplo. Pedro Nuno defende "um mercado mais justo e com maior grau de inovação, capaz de gerar emprego de qualidade". Fica ainda a promessa de "continuar a combater a precariedade".
José Luís Carneiro só bate o rival quando se pergu(...)
Tal como tinha prometido, Pedro Nuno Santos não faz nenhuma referência aos casos e casinhos que afetaram o Governo, e sobretudo, o que levou à demissão do primeiro-ministro, mas a moção propõe uma série de reformas na Justiça.
O candidato a líder do PS deixa vincado que "a independência da magistratura judicial e a autonomia do Ministério Público são pilares do Estado de Direito democrático".
Mas, a moção também ressalva que "o respeito por estes princípios não dispensa o poder legislativo e o poder executivo de cumprir a sua função constitucional de desenvolver políticas públicas que garantam um serviço público de Justiça mais eficiente, mais acessível e mais transparente".
Na moção lê-se ainda que "é preciso valorizar as carreiras, formação e conteúdos funcionais dos oficiais de Justiça, conservadores de registo e oficiais de registo, cuja degradação do poder de compra e falta de formação profissional muito têm contribuído para a desmotivação e ineficiência do sistema judicial e de administração da Justiça".
É uma trave mestra da moção. A "valorização" das carreiras da Administração Pública. O mesmo quer dizer melhorar rendimentos e responder às reivindicações dos diversos sindicatos setoriais.
Na Saúde a linha é idêntica. "A melhoria constante do SNS tem de passar" por "seis eixos fundamentais". E um deles é "valorizar os profissionais da saúde". Há um outro eixo que é "clarificar a relação com os privados".
Aqui, a moção destaca que "assiste-se, nos últimos anos, a uma reconfiguração do sistema de saúde, marcada pelo aumento da oferta do setor privado. E quando a classe média deixa de recorrer ao SNS, este perde sustentação política e, em última instância, financeira".
Pedro Nuno regista "sinais de uma crescente concorrência entre setores e de uma dependência cada vez maior do SNS em relação ao privado. Por isso, os instrumentos de regulação das relações entre o setor público e o setor privado devem ser reforçados e a participação dos privados no sistema nacional de saúde deverá ter por base um quadro operacional com critérios claros".
Não há na moção nenhuma referência a entendimentos, coligações ou soluções com os partidos à esquerda, após as eleições de março. Mas fica implícito. Desde logo, Pedro Nuno afirma "a centralidade do Parlamento".
Lê-se no texto da moção que "no Parlamento, o PS articula-se com todas as forças que se revêm na Constituição da República Portuguesa e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, concretizando políticas que tenham como objetivo o progresso social".
É recordada a Geringonça, que "o PS liderou" numa "alteração histórica na relação de forças políticas, formando um governo suportado pelos partidos à sua esquerda, que se tinham mantido fora do arco da governação ao longo de quase 50 anos de Democracia".
Uma "alteração histórica" que "não limitou a atuação do PS", nota a moção. "Pelo contrário, aumentou o seu espaço estratégico de intervenção e garantiu-lhe, sim, o lugar de partido central no sistema político e na defesa da maior construção coletiva da nossa democracia, o Estado Social". E "este é um legado do ciclo de liderança de António Costa que deve ser protegido". Ou seja, se for necessário, o PS volta a tentar a Geringonça.
António Costa tinha deixado cair esta pretensão de avançar com um novo referendo à regionalização, tendo em conta a posição contra do líder do PSD, Luís Montenegro. Pedro Nuno Santos recupera a intenção de avançar com o processo apostando "num amplo consenso político e social".
A descentralização é para reforçar, com Pedro Nuno Santos a querer "afinar aspetos relevantes da sua operacionalização no que respeita ao financiamento adequado para as várias missões, clareza no relacionamento entre municípios e freguesias e garantia de reforço de meios para a sua concretização".