Entrevista

Mais investimento em Defesa? António Vitorino pede que partidos "clarifiquem posições"

20 fev, 2024 - 20:44 • José Carlos Silva

Os temas internacionais e relacionados com o setor da Defesa têm estado arredados da pré-campanha para as legislativas. Ex-ministro diz que “é preciso explicar aos cidadãos” que “há opções e escolhas que têm de se fazer” para garantir a segurança e a paz na Europa.

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Entrevista a António Vitorino
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Os partidos políticos na corrida às eleições legislativas de 10 de março devem clarificar as suas posições sobre a situação internacional e o papel da Defesa nos próximos anos, afirma o ex-ministro da Defesa António Vitorino, em entrevista à Renascença.

Num tempo de “grande turbulência”, com a guerra na Ucrânia e na Faixa de Gaza, as ameaças de Donald Trump aos aliados da NATO são mais um fator de instabilidade. António Vitorino diz que a NATO “não tem que precisar de um plano B” e os “europeus devem assumir, em diálogo com as opiniões públicas, a responsabilidade de aumentar os investimentos na defesa, porque esse é o interesse da segurança e da paz coletiva”.

A situação internacional está a passar ao lado da campanha para as eleições legislativas?

Eu diria que não se fala da situação internacional na qual tem um papel cada vez de maior destaque às questões da defesa e da segurança, na medida em que vivemos um período de grande turbulência, não só pelo conflito no Médio Oriente mas sobretudo pela invasão russa da Ucrânia.

É natural que as pessoas estejam muito preocupadas com o seu dia-a-dia e o debate ande à volta disso, mas é imprescindível que os partidos políticos clarifiquem as suas posições sobre a cena internacional e também sobre as prioridades que a Defesa vai ter que ter nos próximos anos.

Não é um tema cativante para o eleitorado português?

O eleitorado português, de todos os eleitorados europeus, é aquele que tem expressado um maior apoio à Ucrânia. As sondagens europeias dizem que é em Portugal que há o mais substancial apoio da opinião pública à ação da União Europeia em apoio da Ucrânia. Mas isso significa que é necessário ter condições para dar esse apoio, e esse é o grande desafio dos europeus.

Os europeus não estão preparados, neste momento, do ponto de vista da capacidade militar, da coordenação e dos investimentos que vai ser necessário fazer, designadamente, em matéria de equipa, porque a guerra está a mudar de feição. Nós vemos, por exemplo, a preponderância dos drones neste conflito e isso leva-nos a interrogar qual é a capacidade de produção de drones europeia e qual é a capacidade de utilização por parte das forças europeias desses drones, que passarão a desempenhar um papel muito importante nos conflitos do futuro.

Donald Trump, que está na corrida à Presidência dos EUA, voltou recentemente a ameaçar a NATO. A Aliança Atlântica consegue resistir a tudo isto e existe um “plano B” para a Europa se poder defender?

Em primeiro lugar, os europeus não podem dar pretextos para que seja quem for, designadamente o ex-presidente Trump, possam fazer declarações como ele fez, que sendo delirantes são uma ameaça seríssima à Aliança Atlântica e à solidariedade entre europeus e americanos.

Nesse sentido, os europeus têm que assumir claramente que esse é um diálogo democrático com as opiniões públicas, têm que assumir a responsabilidade de aumentar os seus investimentos em matéria de Defesa, porque esse é o interesse da paz e da segurança coletiva.

Em segundo lugar, é necessário que o diálogo entre as duas partes do Atlântico seja feito na base de que a NATO é um dado adquirido que não pode ser posto em causa. O nosso aliado do outro lado do Atlântico tem que oferecer garantias absolutas de que a NATO não precisa de um “plano B”. A NATO não tem que precisar de um “plano B” porque a NATO tem um “plano A”, que assenta na solidariedade transatlântica.

Portugal e a Europa deixaram a Defesa em segundo plano?

A seguir à queda do Muro de Berlim, houve a perceção que vivíamos num mundo de tranquilidade e de concórdia, de reconciliação, e o investimento em matéria militar desceu no ranking das prioridades.

Sobretudo desde que a Alemanha mudou a sua posição na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, há um grande consenso de que os europeus têm que reforçar o seu compromisso e o seu investimento, seja no quadro da NATO, seja no quadro da constituição de um pilar europeu de Defesa.

Mas isso tem custos e esse é que é o debate democrático necessário nas sociedades europeias. Explicar aos cidadãos que há opções e escolhas que têm que se fazer e que uma dessas escolhas, quando passa pela Defesa, tem necessidades de investimento e isso significará que outros setores não terão os mesmos tipos de financiamentos públicos para garantir a segurança e a Defesa.

O investimento na Defesa não significa um investimento indiscriminado. Está intimamente ligado ao investimento em desenvolvimento e investigação, que pode ter múltiplas utilizações, não apenas militares, mas utilizações civis. O diálogo democrático não é só financiar equipamentos militares, é financiar investigação e desenvolvimento europeu que permita gerar produtos de duplo uso.

Devíamos regressar neste tempo de campanha eleitoral a temas como o serviço militar obrigatório ou o reequipamento das Forças Armadas?

A Defesa Nacional é uma das componentes das políticas públicas e hoje em dia, claramente, está no topo das preocupações dos cidadãos. Nesse sentido, o contrato de confiança entre os representantes políticos e os eleitores devem ser estabelecido sobre todas as prioridades das políticas públicas, entre as quais me parece incontornável que nas próximas décadas esteja a Defesa Nacional, a Defesa no contexto europeu e os compromissos que teremos que assumir nesse quadro.

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