Futebol

A "dor" e as dúvidas da eternidade: Király olhou-se ao espelho para falar de Cristiano

06 fev, 2024 - 17:00 • Hugo Tavares da Silva

Gábor Király falou à Bola Branca sobre as agruras da longevidade. O húngaro do pijama é o jogador mais velho a atuar num Europeu, Cristiano será o segundo no verão

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Happy birthday!”, bufou com vontade com um sotaque arsenewengeriano. Foi assim o primeiro contacto com Gábor Király, o mítico guarda-redes húngaro do pijama (calças de fato de treino, vá), quando a Bola Branca explicou o teor do telefonema para a terra dos mágicos magiares: o 39.º aniversário de Cristiano Ronaldo e as agruras do corpo e da mente para futebolistas que estendem e estendem e estendem a carreira.

“Há muita dor”, resume. “Mas, se trabalhares a sério… a recuperação talvez seja mais lenta do que com 20 anos. Se estás motivado, estarás bem. Eu estive, nos últimos sete ou oito anos da carreira, com muita dor. Mas continuei o trabalho, para mim a motivação não era um problema”, conta o húngaro à Renascença.

Király retirou-se do futebol com 43 anos. Em 2016 era o guarda-redes da Hungria que, no Campeonato da Europa, empatou 3-3 contra Portugal, os futuros campeões da Europa. Cristiano Ronaldo, que celebrou na segunda-feira a derradeira e vertiginosa aproximação ao rótulo de quarentão, marcou dois golos.

“Marcámos dois de ressaltos e ele estava muito zangado”, recorda o ex-futebolista. “Eu disse a muita gente que ele tinha tudo, mas que queria ganhar todos os jogos. Esta motivação é boa para todos. Luta por tudo. Em cada jogo, quer ganhar. Ele tem de mostrar isso aos miúdos, para o futuro. É o principal valor que vejo nele.”

O cidadão de Szombathely valoriza também a experiência de Cristiano fora do relvado, a possibilidade infinita de passar valores e a chama competitiva como ninguém. “Ele não corre tanto, mas antes do jogo, no balneário, no relvado, ele pode organizar tudo. Pode ensinar os mais jovens jogadores, isto é importante. Ele pode não decidir os jogos, mas até acho que vai decidir [no Europeu]. Com 39 anos não tem de ser decisivo, mas, com a mentalidade dele, ele quer decidir o jogo. É importante que os mais jovens corram por ele.”

Se a dor e a motivação são duas sombras na caminhada do eterno futebolista, como se decide a hora de dizer adeus? Lembramos Zidane, que abandonou o ofício depois de uma final do Campeonato do Mundo, sendo protagonista.

“Eu tinha 35 anos, na altura, quando comecei a pensar em quando teria de deixar o futebol”, conta. Falei com muitos ex-jogadores, com muitos internacionais e jogadores nacionais. Todos me disseram que ‘o tempo virá’. Diziam para continuar motivado e a ser profissional porque o tempo chegará. Tu planeias a tua carreira, o que fazes no próximo ano ou dois anos, mas o fim… o Zidane, como disseste, saiu e pronto. Ou podes jogar por diversão mais dois anos. Com 43 anos disse ‘já chega’. Foram 26 anos como profissional, chega. Sem falar nos anos como jovem, para mim foi suficiente.”

Os últimos anos do futebolista foram jogados no Haladás. A longa carreira, iniciada nesse mesmo clube em 1993/94, teve passagens por Hertha Berlim, Crystal Palace, Aston Villa, Burnley, Bayer Leverkusen, TSV Munique e Fulham. Não é uma caminhada no parque deixar esta labuta.

“Num dia muda tudo”, reflete. “Já não estás focado, já não precisas de treinar todos os dias, podes mas não precisas. Tudo muda na tua mente. Nos últimos dois anos da minha carreira preparei-me para terminar em dois anos. Para mim, nunca foi problema. Eu conhecia o meu corpo.”

Apesar de tudo e da longevidade, Cristiano Ronaldo ainda tem condições para fazer a diferença no próximo Campeonato do Mundo, onde se vai tornar no segundo futebolista mais velho de sempre a jogar aquela competição, ultrapassando Lotthar Matthäus, que no Euro 2000, contra Portugal, contava com 39 anos e 91 dias. No jogo inaugural dos portugueses, o capitão da seleção terá 39 anos e 135 dias. À frente dele só estará um homem, um tal de Gábor Király…

Num tom delirante-provocatório questionamos se não teme que Cristiano estique a corda e faça mais um Europeu para lhe roubar o recorde de ancião do torneio. Ou seja, jogar em 2028. “Não sei, os recordes são para quebrar, essa é a regra. Desejo que ele não tenha lesões nestes últimos anos no futebol. É muito importante estar saudável. Se ele tem motivação, ele vai em frente!”

E se jogasse mais 10 anos, como outro dia brincou? Só resgatámos mais uma gargalhada ruidosa ao monstro húngaro que lembra com alguma nostalgia os duelos contra o avançado português quando ambos estavam na Premier League e, claro, pelas seleções. Será ele importante no Euro 2024? “Porque não?”, diz entre suspiros pensativos. “Ele alcança os objetivos. É mais um, porque não? Ele tem de saber que pode fazê-lo. Ele tem de ajudar a equipa. Não importa se tens 20 ou 40 anos, penso que o Cristiano, como pessoa, pode ser útil à equipa.”

Afinal, não é estranho para Király o que Ronaldo anda a fazer no mundo do futebol. “Se sabes tudo sobre ele, como trabalha, o quão disciplinado é, como está sempre motivado, com esta filosofia podes esticar a tua vida no futebol. Fico sempre muito contente pelos quarentões ou jogadores quase com 40 anos. O Lotthar Matthäus era a mesma coisa, tem um bom ADN. O Cristiano tem a motivação. Ele tem de estar motivado para motivar os miúdos também.”

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