Entrevista a Jorge Pisco

"O PRR não está feito para as micro, pequenas e médias empresas"

27 jun, 2023 - 07:00 • João Malheiro

Num balanço dos desafios que as empresas de menor dimensão hoje enfrentam, o presidente da CPPME avisa que há muitos problemas da pandemia que subsistem.

A+ / A-
Entrevista a Jorge Pisco, no Dia das Micro, Pequenas e Médias Empresas
Clique na imagem para ouvir a entrevista a Jorge Pisco

O presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME) considera que o PRR "não está feito" para as mesmas e realça enormes dificuldades e entraves às candidaturas para apoios importantes do Estado.

Esta terça-feira assinala-se o Dia das Micro, Pequenas e Médias Empresas e Jorge Pisco refere, em entrevista à Renascença, que o que os empresários querem é que o Governo crie melhores condições para que as empresas "possam contribuir para o tecido económico nacional".

Num balanço dos desafios que estas empresas enfrentam na atualidade, o presidente da CPPME avisa que ainda há muitos problemas da pandemia que subsistem.

Jorge Pisco aponta também que a transição digital e a internacionalização das empresas não podem ser concretizadas se o país não tiver condições para tal.

Qual é, neste momento, o cenário de empresas criadas e fechadas nos último tempos?

É evidente que se fala muito da natalidade e da mortalidade das empresas, mas na realidade os dados que existem são os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). Não são dados fidedignos ainda, porque não são dados atuais. Ou seja, os dados que nós temos são dados de 2021, que são os dados existentes.

É muito mais difícil de ter, porque a mortalidade das empresas ou um encerramento de uma empresa é sempre uma situação que decorre entre dois e três anos e é uma situação que acaba por levar muito mais tempo a uma empresa.

Mas, na realidade, no que se refere à natalidade, há um decréscimo entre o ano de 2019, antes do início da pandemia, e o ano de 2021. Havia um decréscimo de cerca de 1% da natalidade das empresas, mais concretamente nas áreas do alojamento e da restauração e também na área da construção civil.

Na análise da mortalidade das empresas -- não tanto na área da construção civil, porque foi um setor que, durante a pandemia, teve seguimento -- houve sempre algum trabalho durante esse período.

No caso concreto da restauração, teve um impacto muito grande com a pandemia, fora a atividade económica que se vem verificando depois dos dois anos de pandemia.

Como acabou de dizer, a pandemia também dificultou a criação de novas empresas e a sustentabilidade das mesmas.

É claro. Haverá aqui uma situação que é preciso ter em conta: que há milhares e milhares de empresas que fecharam e que depois já não voltaram a abrir, mas que, do ponto de vista fiscal, elas não estão fechadas.

Como dizia o Presidente da República no passado dia 16 de junho, quando esteve no aniversário da Confederação, foi recebendo centenas de empresas que, um pouco por todo o país, faziam das tripas coração, mas que depois não conseguiram, não se conseguiam aguentar e que acabavam por encerrar e que já não abriam.

Temos situações na área dos cabeleireiros, temos na área de oficinas. É transversal a vários setores. Mas depois, isto faz com que haja também um aumento da economia informal, que se verifica um pouco por toda a parte.

E que problemas subsistem da pandemia e que ainda não foram resolvidos e que continuam a ter um impacto não só a curto prazo, mas a longo prazo nas empresas?

Continuam a persistir as dificuldades económicas que que empresas têm. Os custos de contexto continuam a afligir o dia a dia das empresas, a questão dos custos, mais os aumentos dos juros bancários.

Depois, temos situações como aquelas que tivemos no final do ano passado, com as cheias que afetaram uns milhares de empresários por este país fora.

Esses apoios que são tão propalados e tão anunciados acabam por chegar tardiamente a estes empresários. Basta ver logo com as cheias do mês de dezembro, em que o Governo anunciou 20 milhões de euros para apoio a essas empresas. O que é que aconteceu? Aconteceu uma coisa que é de lamentar.

O Governo anunciou, apenas concorreram um número muito reduzido de empresas que, da reunião que nós tivemos com a senhora ministra da Coesão, aquilo que se traduz é cerca de dois milhões e tal do apoio que o Governo vai dar a essas empresas. É um apoio diminuto.

E porquê? Porque se leva demasiado tempo e as empresas acabam por não concorrer. Esta é a situação que já se verificava também na pandemia, da burocracia, das regulamentações que eram feitas para um tecido tão débil.

A maioria destas empresas tem cinco trabalhadores, são empresas familiares. Fala-se de crescimento, défice, inflação, mas é preciso a gente não se esquecer de que são milhares e milhares de micro e pequenas empresas, empresas familiares que não estão distantes do que é o empresário e o trabalhador.

É pena que a comunicação social não tenha dado relevo à intervenção que o senhor Presidente da República teve no aniversário da Confederação, no passado dia 16, porque realçou o papel que as micro, pequenas e médias empresas têm no tecido económico nacional. Era importante que dessem atenção a isto.

Que setores estão mais fragilizados neste momento e com mais necessidade de apoios neste momento?

Quando se fala de micro, pequenas e médias empresas fala-se muito dos apoios e parece que os empresários andam aqui de mão estendida. Não é isso que os empresários querem fazer. O que os micro, pequenos e médios empresários querem é que o Governo crie condições do ponto de vista fiscal, do ponto de vista dos juros bancários, para que possam desenvolver a sua atividade.

Nós queremos condições para que possamos pagar melhores salários, para que possamos contribuir também para o crescimento da economia nacional.

Os apoios às micro, pequenas e médias empresas não estão feitos para que as empresas possam candidatar-se. São muito difíceis essas candidaturas, o PRR não está feito para as micro, pequenas e médias empresas. Os apoios terão de ser medidas que tenham em conta que não é com os aumentos semanais sobe e desce de combustíveis, não é com os aumentos das taxas de juro, é haver uma política correta e económica para as micro, pequenas empresas.

Uma das consequências também da pandemia foi a aceleração de conceitos como a transição digital e o teletrabalho. Como é que nas micro, pequenas e médias empresas, obviamente nas que fazem sentido, tem sido feita a transição digital? Que empresas ou que setores estão mais avançados ou mais atrasados?

A digitalização é importante, claro que é importante, mas também é preciso ter em conta que, para que haja digitalização, é necessário que as empresas tenham condições de trabalho para se desenvolver.

Não é só na capital ou nas grandes cidades que podemos ter de trabalhar. Nós falamos muito de apoios às empresas no Interior, mas depois não temos redes de internet para o fazer.

Há que contrabalançar tudo isto. Há que criar condições para que esse movimento seja feito, mas com conta, peso e medida.

Ou seja, as empresas não podem, em todo o país, uniformemente, atualizarem-se e digitalizarem-se, se o país em si não tiver as mesmas condições de rede e de acesso à internet?

Eu falo pela própria direção da confederação. Temos dirigentes da Confederação que, no Alentejo ou no Norte do país, na maior parte das vezes estamos a falar no Zoom e, na maior parte das vezes, acabamos por estar interrompidos, porque não têm rede para funcionar.

Esta é a realidade com que nós nos deparamos no dia a dia e que temos transmitido ao Governo.

Que setores é que conseguem ser mais competitivos, até a nível internacional, e quais são os entraves que as empresas portuguesas geralmente enfrentam para conseguir internacionalizar as suas operações e o seu mercado?

Nós somos competitivos no setor do calçado. É um setor em que nós somos bastante competitivos, mas isso é preciso ter em conta que também precisamos de condições para que esse trabalho possa ser feito.

É preciso criarmos condições para as empresas desenvolverem a sua atividade a nível interno. Não basta ser só o turismo a fazê-lo. Não é só na área da do calçado. É preciso criar condições para que outras áreas possam também criar condições para que avancemos.

Não se pode partir para o plano externo se, no interno, não há condições.

Não podemos partir para o plano externo se não temos condições em termos internos de desenvolver essa atividade. Precisamos de ter condições internas para que, no dia a dia, as empresas possam cimentar esse trabalho interno, para depois poderem partir para outros voos, porque se não o fizermos dessa forma, não teremos condições para o fazer de outro modo.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Petervlg
    27 jun, 2023 Trofa 07:06
    O PRR, esta feito para os politicos.

Destaques V+