Operação Influencer

Diplomacia económica vs. lei. As tensões que o caso do Data Center de Sines levantou

16 nov, 2023 - 07:00 • João Carlos Malta

O líder da bancada do PS, Eurico Brilhante Dias, defende que criminalizar "a tentativa de resolução de problemas" é correr o risco "de ter uma administração pública paralisada e atores políticos paralisados". Mira Amaral, ministro de Cavaco Silva que trouxe a Autoeuropa para Portugal, diz que é surreal ver António Costa a queixar-se de burocracia.

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"A criminalização da tentativa de resolução de problemas dentro da lei" pode "paralisar" a administração pública e os seus agentes, alerta o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, numa altura em que o país vive as ondas de choque da "Operação Influencer".

“Acho que se nós não formos capazes de esclarecer de forma cabal que quer os membros do Governo, quer os dirigentes da administração pública, têm, dentro da lei e dentro daquilo que é o quadro regulamentar, a obrigação de agir sobre os projetos e sobre os problemas, criminalizando a tentativa de resolução de problemas, corremos o risco de ter uma administração pública paralisada e atores políticos paralisados”, afirma, à Renascença, o antigo secretário de Estado da Internacionalização.

Eurico Brilhante Dias concorda com o sentido da intervenção do primeiro-ministro demissionário, António Costa, no passado sábado, na qual ꟷ e fazendo uso da máxima que usa desde o caso Sócrates ꟷ voltou a dizer “à justiça o que é da justiça, e à política o que é da política”.

Costa acrescentou que isso significa, agora, que “aos futuros Governos de Portugal, quem quer que sejam os primeiros-ministros e quem quer que sejam os seus membros, tem que ser garantida a liberdade de ação política para prosseguir uma ação legítima”.

O ainda líder do Governo, na mesma intervenção, alertou para as “ideia perigosas” de que “os governantes não devem agir para atrair investimento, que não devem agir para resolver problemas que surgem na execução de investimentos, que não devem agir para simplificar os processos burocráticos”.

O risco de paralisia na Administração Pública é real para Brilhante Dias, se “não formos capazes de distinguir claramente aquilo que é boa administração pública, boa proteção do interesse geral de atos que podem ser criminosos”.

Medo da decisão

Em relação ao atual momento, o socialista diz que “a Administração Pública não pode ficar numa circunstância em que não é capaz de pegar numa caneta e tomar uma decisão. A tomada de decisão é muito importante quando temos de resolver problemas do país”.

Os riscos de inércia no aparelho do Estado podem crescer, argumenta, se “colocamos em toda a Administração Pública o medo de assinar, o não decidir, o adiar contínuo”.

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"Se nós não formos capazes de esclarecer de forma cabal que quer os membros do governo, quer os dirigentes da administração pública, têm, dentro da lei, a obrigação de agir sobre os projetos e sobre os problemas, criminalizando a tentativa de resolução de problemas, corremos o risco de ter uma administração pública paralisada e atores políticos paralisados", Eurico Brilhante Dias.

No caso do Data Center de Sines, ex-secretário de Estado da Internacionalização acompanhou os processos até à saída do Governo e dá a sua leitura do que terá acontecido. Para Eurico Brilhante Dias, os órgãos da administração pública nem sempre têm a mesma opinião sobre os assuntos que apreciam e “essas divergências têm de ser, muitas vezes, dirimidas e obrigam muitas vezes a intervenções de entre membros do Governo”.

Para as situações em que a Administração Pública, num determinado momento, não está de acordo e tem perspetivas diferentes sobre o mesmo assunto, onde surgem tensões normais, “é impossível ter uma legislação que considere todas as alternativas em todos os casos”.

Nos autos do Ministério Público sobre o caso do Data Center do litoral alentejano há uma passagem que ilustra estas ideias divergentes entre órgãos públicos na tomada de decisão: “Olha uma coisa, o terreno do Data Center [em Sines] é todo ZEC - Zona Especial de Conservação, então nunca podes isentar de AIA [Avaliação de Impacte Ambiental]”. A frase é do presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), Nuno Banza, durante uma conversa telefónica com o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, em maio de 2022, e que foi captada nas escutas da “Operação Influencer”.

Por sua vez, Lacasta responde a Banza e diz: “aquilo já está isentado de AIA". “Nós estamos completamente organizados com o promotor, há meses, há um ano e tal.”

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"É o primeiro-ministro de um governo socialista que não fez nada para diminuir a burocracia em Portugal, antes pelo contrário. Sabemos que quanto maior é a intervenção do Estado na economia, maior é a burocracia", Mira Amaral.

Esta troca de argumentos é, para o Ministério Público, um dos indícios que levam a suspeitar que terão acontecido ilegalidades na atribuição do projeto do megaprojeto do Data Center naquela região do sudoeste alentejano.

Mira Amaral diz que Governo trabalhou nas margens da lei

O ministro responsável pela vinda da Autoeuropa, Mira Amaral, ex-titular da pasta da Indústria e Energia, ficou espantado ao ouvir António Costa falar de burocracia na máquina do Estado.

“É o primeiro-ministro de um Governo socialista que não fez nada para diminuir a burocracia em Portugal, antes pelo contrário. Sabemos que quanto maior é a intervenção do Estado na economia, maior é a burocracia. Isto foi de facto o lema e foi a constante deste Governo. Choca-me profundamente que possa discriminar entre investidores nacionais e investidores estrangeiros”, enfatizou.

Mira Amaral diz que a ideia que perpassa é a de um Governo que trabalha nas margens da lei para facilitar a vida aos investidores que vêm de fora.

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"Não temos verificado que a burocracia tenha diminuído", Armindo Monteiro

O ex-ministro de Cavaco Silva até concede que a burocracia é um fardo para os agentes políticos, mas diz que não é por isso que os investimentos não acontecem. E oferece o caso da Autoeuropa como exemplo de um projeto para o qual foi criada uma task-force interministerial para resolver todos os entraves que iam aparecendo. “No Data Center não havia isto, havia intervenções pontuais dos ministros, tentando cada um desenrascar à sua maneira. Isso é que não é aceitável”, diz.

Na ótica de Mira Amaral, é a prova provada da ligeireza dos socialistas a lidar com assuntos do Estado. O Data Center e a TAP são os exemplos mais recentes.

“Estes senhores tratam destas questões com um informalismo que não é admissível em assuntos de Estado e, portanto, o facilitismo com que todos os assuntos são tratados é que não faz sentido”, resume.

Para Mira Amaral, o Governo de António Costa abusa do “show off” no anúncio de investimentos, como são exemplo aqueles que se vão localizar em Sines. Mais tarde, percebe-se que “não havia terreno disponível, pois quiseram fazer o investimento na zona ambientalmente protegida”.

“Prometeram que tinham energia e não tinham. Foi uma ânsia do 'show-off', de protagonismo”, reforça Mira Amaral.

O ex-ministro considera que a tensão entre a captação de investimento e o respeito da lei é algo que existe, mas volta ao caso da Autoeuropa para evidenciar como se resolvem esses problemas, garantindo que nunca teve de contornar a lei.

“Nós não esquecemos da lei do país e atuámos mediante o que ela determina. O que fizemos foi acelerar o tempo de decisão, não foi contornar ou esquecer a lei. Se num caso normal demoraria seis meses a decidir, vamos fazer em um mês ou dois”, concretizou.

Mira Amaral deixa ainda uma bicada aos governos socialistas e ao ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, que considerou que os projetos do hidrogénio representariam para Portugal o mesmo que várias Autoeuropas.

Isso está no domínio do patológico e do psicadélico. Este primeiro-ministro que denegriu as maiorias do Professor Cavaco Silva, acho-lhe um piadão quando acha que consegue fazer mais do que nós. Dizem que estes eram investimentos como a Autoeuropa, mas depois da Autoeuropa não houve mais nenhum igual. Isso é dramático para o país”, critica Mira Amaral.

Simplificação não é falta de escrutínio

Já o presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), Armindo Monteiro, afirma liminarmente que a atração de investimento obriga a uma simplificação administrativa, o que “não se pode nem deve confundir com falta de escrutínio”.

Esse escrutínio, concretiza, “é absolutamente fundamental num Estado de Direito”.

“A simplificação é uma coisa diferente. É evitar procedimentos que em nada contribuem para o escrutínio. Pelo contrário, muitas vezes aquilo que fazem é apenas criar uma dificuldade de escrutínio”, descreve o "patrão dos patrões".

“Acabam por criar uma entropia que não favorece em nada a transparência do processo”, afirmou Armindo Monteiro.

O mesmo responsável sustenta ainda que o tempo em que se realiza um investimento é fundamental.” O investimento tem um tempo oportuno para acontecer. O tempo não é uma variável menos importante nem em qualquer investimento”, disse o líder da CIP.

Em relação a António Costa e às críticas em relação à burocracia do aparelho de Estado, Armindo Monteira diz que o atual Governo tem culpa no cartório.

Não temos verificado que a burocracia tenha diminuído. Houve em tempos uma legislação, o Simplex, que efetivamente simplificou alguns procedimentos, mas na globalidade não verificamos que esses procedimentos tenham sido simplificados no que deveriam, pelo contrário, porque têm sido cada vez mais as obrigações necessárias para obter um licenciamento”, diz o presidente da CIP, ilustrando a questão com exemplos concretos na área da indústria, comercial e até na habitação.

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"A Administração Pública não pode ficar numa circunstância em que não é capaz de pegar numa caneta e tomar uma decisão", Eurico Brilhante Dias.

“Os tempos, a morosidade na obtenção de todos estes licenciamentos, sejam ambientais, sejam de que natureza forem, demora um tempo incompatível com a atração de investimento”, resume Armindo Costa, que revela estar a assistir “atónito” aos casos de justiça que envolvem membros do Governo e pessoas do ciclo íntimo do primeiro-ministro.

Em relação às regras para o investimento, o líder da CIP diz que os empresários estão preparados “para receber um sim e para receber um não”.

“O que o empresário não está é preparado para receber uma não resposta ou o gerúndio, aquela ideia do está a ir, está indo, está a acontecer. Isso não existe em matéria de investimento e isso é desesperante para qualquer empresário e para qualquer processo de investimento”, ilustra.

Voltando à ideia da dificuldade de compatibilizar agressividade na captação de investimentos e a necessidade de o cumprir o quadro legal existentes, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, confessa que para ele “a resposta é simples, muito simples, cumprindo dentro da lei”.

E concretiza logo de seguida: “A tensão que existe é uma tensão que se resolve normalmente com instrumentos legais que estão dentro da lei. É evidente que os investidores estrangeiros, quando olham para Portugal, olham para um conjunto alargado de circunstâncias, mas olham para um Estado da União Europeia. Nós competimos normalmente com os países mais desenvolvidos. Não competimos com países que, por exemplo, estejam disponíveis para subverter as regras mínimas de proteção do ambiente e do desenvolvimento sustentável”.

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