Hora da Verdade

Não está garantido que Portugal acolha jogos da fase a eliminar do Mundial 2030

02 nov, 2023 - 07:00 • Luís Aresta (Renascença), Nuno Sousa (Público)

Na primeira grande entrevista após a candidatura ibero-marroquina ter sido escolhida para organizar o Mundial 2030, o secretário de Estado do Desporto revela que a Ucrânia está fora do projeto e que nunca esteve em cima da mesa a construção de novos estádios para receber a prova.

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Hora da Verdade com João Paulo Correia. "Mundial 2030 foi decidido de forma atempada, com transparência e sem ruído"
Hora da Verdade com João Paulo Correia. "Mundial 2030 foi decidido de forma atempada, com transparência e sem ruído"

A atribuição do Mundial 2030 a Portugal, Espanha e Marrocos e ainda com uma passagem pelo Uruguai, Argentina e Paraguai foi um processo "feito com o máximo de transparência, não tendo sofrido qualquer tipo de contestação" e "interrompe um ciclo de decisões que nunca foram tão transparentes como esta".

Em entrevista ao programa Hora da Verdade, da Renascença e do Público, o secretário de Estado do Desporto, João Paulo Correia, garante que nunca esteve em cima da mesa a construção de novos estádios em Portugal, sublinha que mais de dez jogos serão disputados em território nacional e não descarta que o país seja solução para as fases mais adiantadas do torneio.

O responsável do Governo pela pasta do Desporto anuncia ainda que a Ucrânia está definitivamente fora da organização do Mundial e abre a porta a um regime de isenção fiscal circunscrito para o promotor e organizador da prova.

Agora que foi entregue a carta de intenções de Portugal, Espanha e Marrocos, o que nos pode adiantar sobre o dossier de candidatura que está a ser preparado para entregar à FIFA?

O que foi entregue foi precisamente uma carta de intenção, subscrita pelas três federações, e essa carta de intenção vai evoluir agora para uma candidatura. E essa candidatura será entregue dentro de alguns meses. Quando for entregue, teremos oportunidade de responder a muitas perguntas a que hoje não é possível responder.

A carta de intenções apresentada em Rabat aponta para um Mundial que, nas palavras do presidente da FPF, será “único e inspirador”. Seguramente, já trocaram impressões sobre o que pode tornar o Campeonato do Mundo 2030 diferenciador e marcante...

O Governo desde a primeira hora que apoia esta candidatura. Temos vindo a acompanhar o evoluir da candidatura até à decisão recente da FIFA de convidar as três federações para organizarem o Mundial 2030. Há decisões que estão tomadas. Importa dizer, repetidamente, que Portugal só tem três estádios que cumprem os requisitos da FIFA, o Estádio de Alvalade, da Luz e do Dragão, nunca esteve em cima da mesa construir um estádio novo para o Mundial 2030.

Não haverá construção de novos estádios e isso significa que há uma outra dimensão da candidatura, nas áreas dos centros de treino, que ficarão à escolha das seleções que se qualificarem para o Mundial. Estarão nessa lista mais de 30 centros de treino e de estágio que já existem em Portugal. São muitos os clubes de topo que anualmente já procuram os nossos centros de treino e de estágio, por isso, esse cartão de visita, também tem que ser utilizado para rentabilizar a oferta de condições desportivas do melhor que o mundo tem.

As palavras do Dr. Fernando Gomes, na qualidade de presidente da FPF, são palavras de quem tem a certeza que este será o melhor Mundial que o mundo do futebol já viu. Tem de ser um Mundial marcado pela sustentabilidade: ambiental, desde logo, mas também a sustentabilidade económica e social.

Que significado atribui ao facto de a carta oficial de intenções de Portugal, Espanha e Marrocos ter sido apresentada em Rabat e não em Lisboa ou Madrid?

A candidatura tem tido várias fases. Há três países envolvidos, através das suas federações desportivas, com o apoio dos Governos. Foi decidido fazer o momento da entrega da carta de intenções em Marrocos, como haverá outros momentos especiais da candidatura que serão realizados em Espanha e em Portugal.

Como confirmou há pouco, Portugal entrará no projeto de candidatura com os estádios da Luz, do Dragão e de Alvalade. Nenhum deles precisará de intervenção, tendo em conta que em 2030 serão recintos com mais de 25 anos?

Com certeza que haverá vistorias e essas vistorias provavelmente poderão apontar alguns ajustamentos e adaptações. Mas julgo que nesta fase dizer mais do que isto é prematuro.

É verdade, em 2030 esses três estádios terão cerca de 26 anos, com uma taxa de utilização elevadíssima. Receberam finais europeias e isso diz bem que são estádios que têm oferecido as melhores condições, que a UEFA procura para muitas das suas provas. Recentemente, a UEFA decidiu realizar em Portugal a final europeia da Liga dos Campeões feminina. É mais uma prova do reconhecimento do talento organizativo português.

O Mundial de 2030 contempla 104 jogos. Já tem uma certeza quanto ao número de partidas que Portugal irá acolher e em que fases da competição, tendo em conta que a lotação dos estádios poderá funcionar como uma barreira impeditiva de receber jogos a partir dos quartos de final?

Julgo que, neste momento, não há impossibilidades desse ponto de vista.

Esta é a fase inicial da construção da candidatura e isso significa que teremos de esperar pela candidatura para perceber quantos jogos serão disputados em Portugal e até que fase da competição é que os nossos estádios servirão.

Diria que teremos, no mínimo, uma dezena de jogos em Portugal e provavelmente mais do que uma dezena. Quanto à participação dos nossos estádios no modelo organizativo, é preferível aguardar pela entrega do dossier de candidatura.

A realização da final, das meias-finais ou mesmo dos quartos de final em estádios portugueses, está totalmente posta de parte?

Nesta altura não há portas fechadas. Está ainda a ser construído o dossier de candidatura.

Mas não o perturba o facto de Marrocos já ter assumido que quer acolher a final? Portugal não estará a ser relegado já para o último lugar da fila?

De todo. Portugal tem dado provas, através da FPF, de competência e também tem tido provas de reconhecimento por parte das instâncias internacionais, quer da FIFA, quer da UEFA. Essas declarações públicas são aceites com naturalidade, mas temos de nos fixar nas muitas provas de competência dadas pela FPF.

Neste contexto, é possível idealizar um Estádio do Dragão a funcionar como complemento aos grupos e jogos que Espanha pretende acolher na Corunha e em Vigo?

O dosser de candidatura começou a ser construído. Essas perguntas não cabem nesta fase inicial do dossier de candidatura. Não quero estar a especular.

Partilho apenas informação que é segura e a informação que é segura é que teremos três estádios, que estão construídos, nunca esteve em cima da mesa construir um novo estádio para o Mundial 2030. Teremos cerca de 30 centros de estágio para as seleções que participarão no Mundial e teremos mais de uma dezena de jogos nos estádios referidos.

O que nos pode adiantar sobre o projeto de remodelação do Estádio Nacional? O investimento a realizar levará em conta a aproximação do Mundial de 2030?

O Governo deu o pontapé de saída naquilo que é uma velha ambição dos amantes do desporto em Portugal, que é a requalificação do Estádio do Jamor. Esse pontapé de saída foi dado com o acordo celebrado entre as federações de futebol, râguebi e atletismo e o IPDJ, com vista à requalificação.

Estamos a falar de um património protegido, cuja requalificação terá de obedecer sempre às regras de proteção. Esta é a fase de lançamento do concurso de ideias. Torno a dizer: os únicos estádios inseridos por Portugal no dossier de candidatura para o Mundial 2030 são o Estádio da Luz, o Estádio de Alvalade e o Estádio do Dragão.

O Centro Nacional do Jamor é um dos centros de estágio que serão disponibilizados às seleções durante o Mundial, quer às seleções que irão disputar os jogos em Portugal como em Espanha. A região do Algarve, por exemplo, é sede de muitas concentrações e estágios de clubes e seleções.

O Algarve, precisamente, quer estar no mapa do Mundial o que, do ponto de vista geográfico, pode fazer sentido, dada a proximidade a Espanha e Marrocos. Vai acontecer? Em que termos?

A escolha dos centros de treino e estágio não é da candidatura, quem escolhe são as federações de outros países cujas seleções estarão no Mundial. Já existe uma oferta considerável na região do Algarve.

O aumento da procura dos centros de treino e estágio leva a que se crie a perceção de que é preciso alargar essa oferta. Percebo, mas no limite são sempre as federações a escolher. Compete-nos, sim, ter uma oferta diversa do ponto de vista territorial, apresentar uma lista com centros de treino e estágio que respondam ao que se antecipa serem as necessidades das federações e respectivas seleções.

Mencionou há pouco os 30 centros de treino e estágio disponíveis para o Mundial. Já estão identificadas as necessidades de cada um, já que em 2030 previsivelmente alguns poderão precisar de obras de reabilitação? Já está estimado o investimento que isso poderá acarretar?

Muitos deles certamente não apresentam necessidade de investimento. Se são procurados por alguns dos melhores clubes do mundo é porque seguramente já oferecem as melhores condições. Estamos a sete anos do Mundial 2030 e poderá haver algum desgaste em alguns desses centros de estágio. Essa é uma resposta que também será dada pelo dossier de candidatura quando ficar concluído.

Quando estiver fechada a lista dos centros de estágio, sabendo quais são, onde estão e o apoio necessário, no plano de mobilidade, dos acessos, dos equipamentos de saúde e segurança, só então será possível responder a essas questões.

Mas já existe uma percepção do que serão as necessidades, dentro de sete anos, até tendo em conta a previsão do número de adeptos que poderá visitar Portugal?

Dependerá muito das seleções que se qualificarem e que venham a jogar em Portugal. Há seleções que arrastam centenas de milhares de adeptos e outras que arrastam dezenas de milhares de adeptos.

Certo é que os estádios em causa têm recebido provas da UEFA e finais europeias. Estão preparadíssimos. No que respeita à mobilidade, à saúde, à segurança, são aspectos fundamentais, que têm de ser acautelados, mas estamos a falar dos dois maiores centros urbanos do país, que oferecem todas as condições e equipamentos.

Serão aplicados regimes especiais de isenção fiscal, como sucedeu nas finais da Champions de 2019 e 2020? É uma condição "sine qua non" para atrair os grandes eventos desportivos?

Nas finais europeias que se realizam em Portugal são aprovados benefícios fiscais às entidades promotoras e organizadoras externas, a título temporário e circunstancial, que tem a ver com o período em que se realiza aprova.

Essa é uma decisão do Parlamento. O Governo propõe, a Assembleia da República debate e vota. Dependerá muito do que for o caderno de encargos para a apresentação do dossier de candidatura, mas é uma das áreas que fará parte do dossier e na altura certa serão dadas as respostas a essa questão. Mas na linha do que tem acontecido, sim, o Parlamento tem aprovado um conjunto de benefícios fiscais muito circunscritos.

Está devidamente acautelado um esforço de investimento financeiro compatível com o retorno esperado?

Sim, completamente. A marca de água desta candidatura é a sustentabilidade. E não é só no plano ambiental, é também no plano económico e social. E terá de ser também no plano económico-financeiro. Este é um evento que irá valorizar imensamente a reputação do país, como a Expo98, o Euro2004, a Jornada Mundial da Juventude, decorrida há poucos meses.

O Mundial 2030 irá incrementar o valor reputacional de Portugal no contexto internacional. Naquilo que é o retorno direto, acredito que o apoio público ao evento terá que assegurar o retorno, que se antecipa que será forte naquilo que é a receita fiscal, porque gerará nos meses anteriores à competição, durante a competição e logo após a competição uma procura imensa de bens e serviços da economia portuguesa.

Independentemente do que poderão ser os benefícios fiscais atribuídos, aquilo que será a procura extraordinária externa ao evento irá gerar mais receita fiscal, impostos diretos e indiretos, irá também gerar postos de trabalho e também um legado do ponto de vista social, porque o Mundial deixa sempre marcas muito positivas por onde passa.

Citou há pouco dois eventos importantes, o Euro2004 e a Jornada Mundial da Juventude, ao nível da segurança. De que forma é que a experiência de eventos passados poderá contribuir para a elaboração de um plano de segurança que leve em linha de conta o contexto internacional atual?

O contexto internacional atual diz-nos que sete anos é longo prazo. Há sete anos não se anteciparia o contexto atual. Percebo a pergunta, o contexto internacional representa muitas vezes uma ameaça naquilo que é a elevação dos níveis de segurança dos eventos desportivos internacionais, é verdade.

Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do próximo ano serão um momento em que o desporto pode também ter que elevar o nível de segurança.

Temos de esperar por 2030 e perceber exatamente qual é o contexto. Diria que sempre que se realiza um grande evento internacional em Portugal levantam-se alguns fantasmas e que depois da realização do evento, olhando para o saldo positivo… Temos o exemplo mais recente da JMJ, que foi um êxito em todas as frentes e eu acredito que o Mundial 2030 será um êxito.

Esta pulverização do Mundial de 2030 por seis países e três continentes tem sido vista como a solução que a FIFA encontrou para em 2034 entregar o Mundial à Arábia Saudita. Não receia que este seja mais um Mundial a juntar ao histórico de corrupção, luvas e outros interesses pouco claros que marcaram anteriores decisões da FIFA?

Não há nenhum indício que nos leve a criar essa suspeita, pelo contrário. Este processo deliberativo foi feito com o máximo de transparência, não tendo sofrido qualquer tipo de contestação. Interrompe um ciclo de decisões que nunca foram tão transparentes como esta.

Julgo que foi uma decisão compreensível de realizar o primeiro jogo do Mundial 2030 no Uruguai, onde se disputou o primeiro Mundial. Isso significa responder à história do desporto e depois deixar 100 jogos nas mãos de Espanha, Portugal e Marrocos.

Ainda que Portugal só fique com 10 por cento.

Eu disse no mínimo 10 jogos, ou, dizendo de outra forma, mais de 10 jogos. Essa percentagem será superior. Devemos deixar aí alguma expetativa. Acredito que a FIFA agiu de forma distinta do que tinha decidido no seu passado, decidiu de forma atempada, com transparência e sem causar ruído.

Receou que o caso “Rubiales” comprometesse a organização ibero-marroquina do Mundial? A FPF não deveria ter-se demarcado claramente do comportamento do então presidente da RFEF?

O caso Rubiales é um caso protagonizado por personalidades espanholas. Na altura, recordo que o Governo espanhol foi rápido e assertivo na censura àquele incidente e isso foi o bastante para que a comunidade internacional percebesse que em Espanha havia tolerância zero para aquele tipo de comportamento.

O Governo português também deixou clara a sua posição, com uma declaração de censura. A FPF agiu conforme tinha de agir. Não vamos esquecer que esta é uma candidatura conjunta e a RFEF tem hoje um novo presidente.

Mais importante foi assegurar essa transição na RFEF e tudo se fez para que o caso Rubiales não atingisse esta candidatura. Eu disse sempre que o caso Rubiales nunca atingiria esta candidatura, porque esta é uma candidatura de organizações e não de personalidades.

Em Abril, o primeiro-ministro António Costa mantinha a Ucrânia juntamente com Portugal, Espanha e Marrocos, na organização do Mundial? Quando e em que circunstâncias é que a Ucrânia saiu da candidatura?

A própria FIFA decidiu, no convite que fez, convidar Portugal, Espanha e Marrocos e não convidou a federação ucraniana. É só isto.

Portugal concluiu recentemente, com inegável sucesso, a prestação no Campeonato do Mundo de râguebi. Foi amplamente elogiado pela qualidade do seu râguebi e por conseguir fazer muito com pouco. Estão criadas as condições para capitalizar esta onda de entusiasmo em torno da modalidade?

Sim, quando uma modalidade como o râguebi atinge a proeza não só de se qualificar para o Mundial, mas também vencer um jogo no Mundial contra uma das seleções que historicamente é das mais fortes no râguebi mundial, mostra que a modalidade evoluiu bastante e que há um potencial de crescimento.

Está muito nas mãos da federação aproveitar esse potencial e essa presença que os resultados da seleção ainda têm na opinião pública e na consciência dos mais jovens que procuram a sua modalidade.

Portugal tem hoje um número recorde de praticantes federados. Temos cerca de 710 mil, em 2019, no último ano pré-pandémico, o país tinha 690 mil. A pandemia atingiu muito o desporto e em 2023 os números dizem-nos que há um novo impulso no número de praticantes federados. Aproveitando esta onda de crescimento do desporto federado, o râguebi tem aqui uma oportunidade de ouro para crescer ainda mais.

Mesmo em contextos de euforia, que muitas vezes é circunstancial, continua a ser difícil encontrar apoios junto da iniciativa privada para modalidades que não o futebol. Atendendo à expressão relativamente reduzida do financiamento público e todas as dificuldades logísticas que cada modalidade enfrenta, o cenário é de enorme fragilidade. Isto é o espelho do interesse dos adeptos, que só têm olhos para o futebol, ou é também o espelho do interesse do Governo?

Importa dizer que, em 2022, o Governo conseguiu reforçar as verbas para as federações desportivas em 6,5 por cento, em 2023 o montante global subiu 4 por cento face a 2022. O Governo tem mantido uma trajetória de aumento de apoios, do financiamento público ao sistema desportivo nacional.

E para 2023, ano de Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o Governo está a investir 32 milhões de euros através do Comité Olímpico (COP) e Paralímpico (CPP). Todos os montantes envolvidos na preparação e qualificação dos atletas olímpicos e paralímpicos são assegurados pelo Governo através do IPDJ nos contratos que celebrou com o COP e CPP.

Estamos a falar de 22 milhões de euros para o COP, nove para o CPP. Estamos a falar de verbas históricas. Os atletas e treinadores não eram aumentados desde 2009 e essas verbas foram agora aumentadas em cerca de 20 por cento. Este aumento também permite investir mais em provas e estágios internacionais e também preparar os Jogos Olímpicos de 2028. Parte deste valor é para investir numa jovem geração que, não estando em Paris, tem todas as condições para estar em Los Angeles em 2028.

Posso também adiantar que haverá um novo contrato-programa de preparação e qualificação para os atletas surdolímpicos, que terá uma linha plurianual e que irá equiparar a bolsa destes atletas às dos atletas paralímpicos e olímpicos.

O debate estrutural sobre o financiamento público ao desporto conduz-nos a outra conclusão, que é a de que o desporto reivindica mais apoio. É cultural. Se olhar para os outros países da União Europeia e estudar o grau de dependência do Estado por parte de clubes e federações irá ver Portugal no lote dos países em que as organizações nacionais do desporto e os clubes mais dependem do apoio público.

O anúncio da provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) de um corte assinalável nos apoios ao desporto foi mitigado com um acordo que, já em 2024, prevê um esforço financeiro do Estado. Isto significa que, a partir do próximo ano, a SCML se desobrigará de contribuir para um sector do qual continua a extrair milhões de euros em receitas?

Levantou-se uma grande polémica acerca do anúncio da redução dos apoios. Eu utilizaria a palavra redução porque a SCML mantém o apoio ao desporto em 2023. Para 2024, os contratos que não forem renovados serão assegurados pelo Governo.

Estamos a falar de verbas, em algumas federações, muito reduzidas, quase inexpressivas. Nunca uma federação desportiva informou o Governo dos apoios que recebeu da Santa Casa. Os contratos eram sigilosos. Quando a SCML faz o anúncio, o Governo, no mesmo dia, criticou a decisão da SCML, mas, ao mesmo tempo, pediu uma reunião com a Sra. Provedora e a SCML agiu de forma altamente colaborativa.

Estamos a falar de verbas muito reduzidas. Em algumas federações estamos a falar de poucos milhares de euros em orçamentos de milhões, que levaram a declarações muito exacerbadas face ao anúncio da SCML. Nenhum daqueles apoios que poderá não ser renovado em 2024 coloca em causa o funcionamento de qualquer federação desportiva. Mas para que não reste nenhuma dúvida, o Governo substituir-se-á à SCML em 2024.

Têm sido frequentes as queixas de vários agentes desportivos, desde presidente de federações aos líderes do movimento olímpico, de um subfinanciamento crónico no desporto. Que tipo de “correcções” será possível fazer com a dotação prevista para o sector no próximo Orçamento do Estado (OE)? Ainda recentemente o presidente da Federação de Andebol escrevia que “o desporto dá muito mais ao país do que os governos têm dado ao desporto”. Partilha desta visão?

Falemos de factos. Como disse, em 2022 o Governo reforçou as verbas para o desporto em 6,5 por cento. Em 2023, o aumento foi de quatro por cento. Sabe-se que as verbas para o desporto inscritas no OE para 2024 sobem 12,5 por ceno face a 2023.

Nem todos os sectores têm aumentos de 12,5 por cento. Não está aqui todo o apoio ao desporto neste número. O que está a acontecer são as chamadas dores de crescimento.

O desporto português está a viver um bom momento de forma: vemos títulos internacionais em modalidades individuais, como a patinagem, a ginástica e a natação, e isto não acontece por acaso.

As Unidades de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE), que podem custar no próximo ano um milhão de euros, porque já funcionam desde 2016 no ensino obrigatório e vão funcionar, no próximo ano lectivo, no ensino superior, através de projetos-piloto. Estão aqui 1400 alunos-atletas, das seleções jovens, que frequentam estas unidades em 55 modalidades.

A política antidopagem custa quase um milhão de euros. A prevenção e combate à violência no desporto também custa perto de um milhão de euros, todos os anos. Isto também é investimento no desporto. O desporto escolar é um investimento que pode chegar aos 40 milhões de euros por ano. Isto para além dos 50 milhões de euros que são os títulos das notícias como a verba inscrita para o desporto no Orçamento de Estado.

Não teme que a “atualização” do programa Regressar, que reduz drasticamente os benefícios fiscais para trabalhadores que já tenham tido domicílio fiscal em Portugal e pretendam voltar a trabalhar no país, possa provocar um decréscimo da qualidade dos desportistas e, por acréscimo, da qualidade das competições? Ainda há espaço para um recuo do governo em sede de OE?

Essa decisão é uma decisão que não foi tomada para atingir o setor A ou setor B. Há uma decisão de excluir do programa Regressar rendimentos acima de 'X', estamos a falar de rendimentos anuais de muitas centenas de milhares de euros.

É um programa que tem contribuído para o regresso de muitos jovens que emigraram no tempo da troika e que hoje olham para o país com mais confiança. Esta medida foi tomada com a lógica que o Governo anunciou. Agora veremos aquilo que é o debate na especialidade do orçamento.

A esmagadora maioria dos clubes da I Liga é patrocinada por casas de apostas. Esta dependência preocupa-o? O governo tenciona legislar nesta matéria?

Itália e Espanha já puxaram o travão de mão, a Inglaterra já anunciou também essa intenção, alguns países estão a adoptar medidas dissuasoras.

Sabemos que o peso da I Liga portuguesa naquilo que é a sua dependência em relação à publicidade das casas de apostas é de 72 por cento, não podemos fingir que isto não é um assunto que merece uma reflexão profunda.

Essa reflexão tem de ser feita porque não podemos decidir prejudicando fortemente um setor, mas tem de envolver outras áreas que não só o desporto. Temos de ter a certeza do impacto que possa vir a ter num setor da nossa actividade económica que gera milhares de postos de trabalho, paga contribuições para a Segurança Social e paga impostos. Não podemos perder de vista que é um setor que tem aí, no apoio de empresas privadas, uma grande fonte de receita.

Já foi presidente de junta de freguesia, deputado, agora exerce as funções de Secretário de Estado e nos últimos dias mostrou abertura para se candidatar à concelhia do PS de Gaia. Era este o caminho de ascensão na política que idealizava?

Não vou responder à pergunta. Estou aqui a ser entrevista na qualidade de SEJD e não queria sair desta esfera.

Mas ser presidente da Câmara Municipal de Gaia é um desígnio incontornável?

Naturalmente, não farei qualquer comentário.

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  • Joaquim Correto
    02 nov, 2023 Paços 09:41
    Em 101 jogos apenas cerca de 10 é que são jogados em Portugal, deviam ter vergonha de se estarem a meter em bicos de pés!

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