16 nov, 2023 - 07:30 • Inês Braga Sampaio
Se o futuro já está escrito, Eniola Aluko quer ajudar a mudá-lo para melhor. É esse o objetivo que a move no futebol feminino, como ex-jogadora, diretora desportiva, comentadora, investidora e, mais recentemente, como membro da Excelentíssima Ordem do Império Britânico.
Encontramo-la de passagem, na "Media Village" da Web Summit Lisboa 2023, de que a Renascença é parceira oficial. É difícil ignorá-la, mesmo ao longe: são 163 centímetros de uma presença formidável, habituada a percorrer tapetes vermelhos e à azáfama da televisão. Dizemos-lhe que temos entrevista marcada e ela sorri, prontamente disponível. Aguarda, com serenidade, enquanto a focamos na câmara e afinamos o volume do microfone.
O sorriso abre-se mais ainda quando lhe damos os parabéns pela recente condecoração: foi galardoada com a Excelentíssima Ordem do Império Britânico (MBE), no Palácio de Windsor, em Londres, até onde se fez acompanhar pela mãe. Foi o próprio Príncipe William a colocar-lhe a medalha na lapela.
São para a mãe as primeiras palavras nesta entrevista: Eniola atribui à progenitora muito do sucesso enquanto jogadora: foi campeã inglesa no Chelsea e campeã italiana na Juventus, é uma lenda da seleção inglesa e fez parte de uma geração de jogadoras que mudaram o futebol feminino em campo e, agora, dão-lhe visibilidade desde fora das quatro linhas.
"Estamos a normalizar o facto de o futebol ser para todos. Não é apenas um desporto para os homens, nem é apenas para as mulheres. É para toda a gente. Se eu estiver na televisão a falar sobre um Manchester United-Chelsea e estiver a falar de uma forma com que consigas identificar-te como adepta, e se for mulher, isso normaliza as mulheres fazerem parte do futebol", afirma.
É também no sentido de ajudar ao crescimento do futebol feminino e à sua visibilidade que Eniola Aluko se associou ao consórcio de clubes Mercury/13, de forma a levar o desporto a mulheres de todo o mundo e ajudá-las a lutar pela igualdade de género:
"Há ainda muitas oportunidades em nações e continentes emergentes, como África, por exemplo, que não devem ser esquecidas. (...) O futebol feminino ainda é um movimento de igualdade de género, sobre como o desporto e o futebol feminino podem empoderar as mulheres a mudar as suas vidas."
Foi isso que o futebol fez por Eniola e é isso que Eniola quer ajudar o futebol a fazer por muitas mais raparigas, jovens e mulheres. Em entrevista à Renascença, a antiga internacional inglesa, agora uma personalidade da televisão britânica, fala do que já fez e do que ainda falta fazer, de forma a moldar o futuro do futebol feminino mundial.
Antes de mais, parabéns por ter sido galardoada como membro da Excelentíssima Ordem do Império Britânico. Qual foi a sensação?
Foi uma honra. Nunca, nos meus sonhos, pensei que me seria atribuído um MBE pela família real. Para mim, é um reconhecimento do trabalho da minha mãe: ter-me nova, trazer-me para este país, as nossas dificuldades enquanto imigrantes, o facto de ela ter permitido que eu expressasse o meu dom, a educação que me deu e os princípios solidários que me transmitiu, ter-me ensinado a dar desde tenra idade. Tudo isso e ter podido levar a minha mãe ao Castelo de Windsor e receber o prémio... Fez valer a pena todo o meu percurso. Foi um dia maravilhoso do qual nunca me esquecerei.
Enquanto jogadora, foi campeã inglesa, campeã italiana. Jogou pelo Chelsea, pelo Juventus, pelo Sky Blue, entre outros. Somou mais de 100 internacionalizações por Inglaterra e é, ainda, uma das maiores goleadoras da história da seleção. Esteve também nos Jogos Olímpicos de Londres 2012. De tudo isso, qual é o momento de que mais se orgulha, na sua carreira?
Penso que foi quando vencemos a Taça de Inglaterra pela primeira vez com o Chelsea, em 2015. Porque foi a primeira vez que a final foi jogada em Wembley e também pelo percurso do Chelsea até então. Ainda não tínhamos ganhado nada, por isso esse troféu foi uma espécie de quebrar do enguiço. Sentíamos que a conquista desse primeiro troféu seria a base para o sucesso futuro. O sucesso que hoje vemos: o Chelsea é uma das equipas femininas com mais sucesso do mundo.
Por isso, esse foi provavelmente o momento de que mais me orgulho. Foi o que me fez sentir que tínhamos atingido a meta. Além de que era muito próxima de muitas jogadoras da equipa. Emma Hayes foi uma fantástica mentora e treinadora para mim. Senti na altura que tínhamos alcançado algo incrível. Por isso, sim, diria que esse dia, de todos, é aquele de que me lembrarei para sempre.
Acabou de mencionar Emma Hayes, que se tornou a nova selecionadora dos Estados Unidos. O que é que ela pode dar à equipa, que dececionou no Mundial?
Penso que a seleção dos EUA está numa fase de transição. Algumas jogadoras icónicas, como Megan Rapinoe e Alex Morgan, provavelmente não disputarão mais nenhum Mundial. Têm jovens jogadoras a aparecer, que são muito talentosas, mas penso que os EUA estão numa posição em que o resto do mundo já anulou a diferença e apanhou-as. Elas têm de voltar a ter aquela mentalidade vencedora e dominante que sempre tiveram. E se há alguém que será capaz de recuperar essa mentalidade vencedora é a Emma Hayes.
É uma vencedora nata. Vive e respira vitórias. Penso que é isso que ela pode trazer, mas também uma forma diferente de jogar. Penso que os EUA sentiram sempre que podiam dominar fisicamente os jogos, mas o futebol feminino mudou. Agora tens de ser muito mais tático e adaptável. Viu-se com a seleção de Inglaterra, o quão adaptável a equipa foi durante o Mundial, encontrando diferentes formas de vencer. Acredito que os EUA poderão passar a ter isso com a Emma: ela não está casada a uma só forma de vencer. Isso é muito importante.
Tem estado muito ativa desde que deixou de ser futebolista. Foi diretora desportiva no Aston Villa e no Angel City, dos EUA, que ao segundo ano de existência se apurou para os “play-offs”. Sente-se parte desse sucesso? Como foi construir uma equipa do zero?
Foi um grande feito para a minha carreira construir aquela equipa, porque era uma tela em branco e tinha de executar e imaginar o que, para mim, seria a melhor equipa possível. Obviamente, há muitos desafios. As regras não te permitem ter uma grande equipa logo à partida. Mas penso que o facto de a equipa se ter apurado para os “play-offs” logo ao segundo ano é uma prova da qualidade das jogadoras, do espírito do grupo e das suas personalidades, dos adeptos, da experiência que se criou para que a equipa conseguisse tamanho feito na sua segunda época.
Estou muito orgulhosa disso. Vejo como parte do meu legado. Se me tivesses perguntado, quando estava a construir a equipa, qual era um dos meus principais objetivos, eu diria que seria sermos competitivos, mas também chegar aos “play-offs” nas primeiras duas, três temporadas. E aconteceu. Por isso, mesmo não tendo estado lá na segunda temporada, considero isso parte do legado do que construí.
Também trabalha como comentadora. Não só de futebol feminino, mas também masculino. O mesmo acontece com Alex Scott, Karen Carney, Anita Asante. Como é que isso ajuda o futebol feminino, ter antigas jogadoras a falar em grandes órgãos de comunicação a falar de todo o futebol?
Traz duas coisas. Uma delas é a visibilidade. Quando as pessoas me vêem na televisão, mesmo que seja a falar de futebol masculino, associam-me ao futebol feminino e isso traz visibilidade [ao futebol feminino].
Depois, também penso que está a normalizar o facto de o futebol ser para todos. O futebol não é apenas um desporto para os homens, nem é apenas para as mulheres. É um desporto para toda a gente. Por isso, se eu estiver na televisão a falar sobre um Manchester United-Chelsea e estiver a falar de uma forma com que consigas identificar-te como adepta, e se for mulher, isso normaliza as mulheres fazerem parte do futebol.
Penso que, durante bastante tempo, tivemos uma espécie de exclusão muito tribal de diferentes pessoas que não é saudável. Estamos a ver um mundo muito mais inclusivo, em que, se quiseres falar sobre futebol, podes falar sobre futebol. Sejas criador de conteúdos ou um adepto ou um antigo jogador. Isso ajuda a normalizar. Ainda temos idiotas que querem “generizar” o futebol, mas penso que, no todo, estamos a caminhar para a normalização.
Colabora com o Mercury/13 para levar o futebol feminino a diferentes partes do mundo. Que trabalho faz com eles?
Juntei-me ao Mercury 13 como investidora e consultora. A Mercury/13 é um consórcio de clubes. É um veículo de investimento para adquirir maioria de capital em várias equipas femininas em todo o mundo. Haverá uma equipa de gestão e de gestão de investimentos que decidirá em que clubes investir. Farei parte desse grupo.
Estou entusiasmada por estar num nível de decisão em que podes literalmente impactar o futebol feminino para o futuro e ajudar a reformular e reimaginar o futebol. Penso que temos a oportunidade, uma vantagem do segundo a jogar, de olhar para algumas coisas que correram mal no futebol masculino e dizer, “bem, podemos fazer isto de forma muito mais sustentável no futebol feminino”.
Temos a oportunidade de criar um tipo de adepto diferente e de criar um tipo de experiência diferente. Podemos reimaginar e dar nova forma ao futuro. Temos a oportunidade, comercialmente, de criar todo um novo tabuleiro que o futebol masculino não explorou. Vejo muitas oportunidades no futuro do futebol feminino que não podem realmente acontecer no futebol masculino. Desde que o Mercury/13 foi anunciado, houve imenso interesse no futuro do desporto e estou muito entusiasmada por fazer parte disso.
É uma grande defensora do futebol feminino e do seu crescimento. Que passos estão ainda por dar, para que o jogo feminino chegue a outro patamar, especialmente a nível de alcance?
Há ainda muitas oportunidades em nações e continentes emergentes, como África, por exemplo, que não devem ser esquecidas. Vimos o Mundial, em que três seleções africanas chegaram à fase a eliminar e conseguiram isso sem grandes recursos. Consegues imaginar se essas mulheres tivessem acesso facilitado a tais recursos? Vejo também aí uma oportunidade, [de desenvolver o futebol feminino] não só na Europa ou na América, mas também em África, Índia, o Médio Oriente.
O futebol feminino ainda é um movimento de igualdade de género, sobre como o desporto e o futebol feminino podem empoderar as mulheres a mudar as suas vidas. Tenho noção da confiança, da autoestima e das capacidades que o futebol me deu, dentro e fora de campo, para mudar a minha vida. Há ainda mudanças culturais que podem acontecer se o futebol se tornar presença permanente nas vidas das mulheres. Por isso, também estou entusiasmada com isso. Dar forma a mudanças culturais.