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José Miguel Sardica

Condecorações da Junta de Salvação Nacional. "Marcelo não quis aparecer como um divisor"

10 abr, 2024 - 10:30 • Teresa Almeida com Redação

O historiador José Miguel Sardica vê a condecoração de António de Spínola, Francisco da Costa Gomes e restantes elementos da Junta de Salvação Nacional como "uma reparação histórica". Sobre o segredo mantido por Marcelo, Sardica diz que se tratou não "afrontar a esquerda" nem abrir uma poémica.

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O historiador José Miguel Sardica interpreta o facto de o Presidente da República não ter tornado públicas as condecorações a António de Spínola, Francisco Costa Gomes e restantes elementos da Junta de Salvação Nacional como "uma reparação da História para evitar polémicas".

"Spínola é visto pela esquerda e pela extrema-esquerda como uma espécie de intruso, ainda por cima um intruso que depois tentou um modelo diria quase bonapartista", diz o professor da Universidade Católica Portuguesa e colunista da Renascença.

Para José Miguel Sardica, o Presidente quis "fazer uma reparação histórica, mas não quis tornar-se o foco da polémica".

Como pode ser justificada a atribuição destas condecorações e como se explica a particular contestação à do marechal Spínola?

Spinola é o homem a quem Marcelo Caetano se rende, ou seja, há uma certa interpretação de que os elementos da Junta de Salvação Nacional, os sete que lá estavam não tinham sido eles a fazer a revolução, mas que a revolução lhes caiu nas mãos com aquela rendição para que o poder não caísse na rus.

Portanto, Spínola é visto pela esquerda e pela extrema-esquerda como uma espécie de intruso, ainda por cima um intruso que, depois, tentou um modelo quase bonapartista. Enfim, ele é o homem-forte da situação política em Portugal até à sua queda em setembro de 1974. A isto acresce o facto de ser um dos arquitetos do 11 de março spinolista, ou seja, da tentativa de golpe para retomar as rédeas daquilo que era a revolução.

A revolução da extrema-esquerda não tem uma simpatia pela figura dele e, portanto, isso entronca naquilo que vemos em todos os debates públicos sobre a revolução, que é o debate sobre os "donos" da revolução. A esquerda parece ter uma tendência para a apropriação de um processo revolucionário que foi múltiplo, que teve momentos de maior radicalismo e de maior moderação.

Toda a polémica tem que ver com uma espécie de monopólio autoassumido das forças que herdaram a mensagem da extrema-esquerda. Ou do próprio PS, que tem sobre abril também um complexo de dono, digamos assim.

Mas vê alguma justificação para condecorar desta forma ?

Marcelo Rebelo de Sousa pode ter querido fazer justiça à História. Não deixam de ser figuras importantes. Spínola e Costa Gomes são chefes de Estado. Já Rosa Coutinho, por exemplo, é uma figura muito polémica porque era, talvez, o único que representava a extrema-esquerda, mas em relação, pelo menos a Costa Gomes e Spínola, Marcelo Rebelo de Sousa pode ter querido fazer uma reparação histórica. Eram os únicos dois que não tinham sido ainda condecorados com a Grã-cruz. Foram-no a título póstumo, mas isso não deixa de ter significado.

Porquê em segredo?

Isto passou-se no ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa quis fazer uma reparação histórica, mas provavelmente não quis, sabendo que a questão é polémica, dar-lhe muito eco público, ou seja, reparar historicamente uma falta que ele sentia haver, mas sem afrontar a esquerda.

Isto tem que ver também com os equilíbrios políticos que existiam há um ano. Pode não ter querido abrir uma guerra ideológica. Ele, como chefe de Estado, deve ser um conciliador, deve estabelece diálogo e pontes entre o Governo, PS e a esquerda que tinha na altura uma influência maior do que do que tem hoje. Pode não ter querido abrir um conflito.

o quis afrontar, mas agora sabe-se...

O silêncio dele é muito significativo. Ou seja, quis fazer a tal reparação histórica, mas não quis que isso fosse um pomo de discórdia ou de debate público. Não quis chamar a si as atenções, não quis tornar-se o foco da polémica.

Porquê?

Marcelo Rebelo de Sousa, como digo, é um homem que sempre quis manter consensos e manter sua imagem intocada, aparecer como um grande conciliador. É um traço dele. Ele sabia que se tornasse a cerimónia pública teria meio país contra ele, contra esse gesto e ele, provavelmente, não quis aparecer como um divisor, mas como alguém que, fazendo aquilo que a sua consciência lhe dita, se resguardava no espaço público.

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