08 jun, 2020 • Francisco Sarsfield Cabral
Na quinta-feira passada o Brasil foi o país com o maior número de mortes diárias no mundo (1.473). Incomodado com as críticas internas e externas à sua caótica gestão da crise pandémica, Bolsonaro decidiu deixar de publicar os números totais de infetados e mortos pelo coronavírus. Como a pandemia ainda não atingiu o pico no Brasil, o presidente achou prudente subtrair à opinião pública nacional e internacional dados essenciais para um combate racional ao vírus.
É mais uma manifestação chocante da irresponsabilidade de Bolsonaro. Ele não gosta de confinamentos e por isso aparece frequentemente, sem máscara, em manifestações contra confinar as pessoas. Só não faz mais estragos porque a maioria dos governadores estaduais não têm essa atitude primária, quase infantil, face ao coronavírus.
O presidente Bolsonaro, tal como Trump e outros populistas, detesta os jornalistas e por isso não lhes dá informação. E como não é propriamente uma pessoa educada, quando um jornalista lhe faz uma pergunta incómoda reponde-lhe “cala a boca!”.
Seguindo Trump, que muito o inspira, Bolsonaro ameaça retirar o Brasil da Organização Mundial de Saúde. “Não precisamos de gente de fora a dar palpite na saúde aqui dentro”, disse ele.
O facto é que o frágil sistema brasileiro de saúde não tem capacidade para enfrentar a pandemia. E os muitos milhões de brasileiros que vivem nas favelas e em dramáticas condições de miséria são, como seria de esperar, os mais indefesos face ao coronavírus.
Dois sucessivos ministros da Saúde demitiram-se; o segundo nem um mês conseguiu permanecer no governo de Brasília com um tão peculiar presidente. Bolsonaro também perdeu Sérgio Moro, o arquiteto da operação Lava Jato, que trouxe à luz do dia uma enorme corrupção (Moro jamais deveria ter aceite ser ministro da Justiça, mas essa é uma outra história).
Aliás, Bolsonaro também é suspeito de corrupção, ao tentar nomear um amigo para chefe da polícia do Estado do Rio de Janeiro. Um dos seus filhos está alegadamente envolvido num caso de corrupção naquele Estado.
Por outro lado, o mundo pode “agradecer” a Bolsonaro a intensificação da desflorestação da Amazónia. Os povos indígenas que ali vivem são impunemente atacados e muitos deles mortos, por conta de quem quer eliminar as árvores para implantar outras atividades naquele território, o que Bolsonaro apoia.
Mas não foi Bolsonaro eleito presidente? Foi, tal como Hitler ganhou umas eleições legislativas – as últimas que houve na Alemanha até à queda do nazismo, derrotado na II guerra mundial.
Bolsonaro, capitão reformado, foi 27 anos deputado federal. E não escondeu a sua ideologia: defendia a ditadura militar, elogiou no parlamento o homem que torturou Dilma Rousseff, nunca mostrou o menor apreço pela democracia. O receio dos democratas brasileiros é que Bolsonaro, cuja popularidade tem vindo a cair, promova um golpe para acabar com eleições e com outras instituições da democracia.
No entanto, foi eleito presidente. O que é, porventura, o sinal mais preocupante que nos chega do Brasil.