"Quem me agrediu, traiu a minha confiança. Como posso eu agora confiar nas pessoas?"
A dificuldade em confiar nos outros é uma característica transversal à maior parte das vítimas de violência, seja ela verbal, física e/ou sexual. E esta desconfiança relacional é ainda mais profunda quando a agressão foi perpetrada por alguém próximo com quem existia uma relação prévia de confiança.
Das pessoas que conhecemos e de quem gostamos, esperamos cuidado e proteção. Não esperamos violência nem traição. E quando essa violência é perpetrada no contexto da Igreja, é como se o sagrado e o profano se fundissem num só, confundindo-se, anulando-se. E tudo aquilo em que se acredita, por vezes ao longo de toda a vida, extingue-se. Perde-se o sentido da vida, a identidade de si mesmo e, também, o conforto e a esperança de acreditar em algo superior que protege e acompanha.
Não estranhemos, portanto, ao ver as vítimas de violência totalmente descrentes, nos outros e no mundo e, tantas vezes, em si mesmas. Acreditam que o mundo é profundamente injusto e generalizam, passando também a acreditar que ninguém é de confiança.
E quem desconfia sente-se receoso e espera o pior. Quem desconfia pode mesmo ser agressivo, antecipando novos ataques. Quem desconfia demora (muito) tempo até voltar a confiar.
É por tudo isto que o caminho da confiança é isso mesmo, um caminho, longo e moroso que temos de caminhar com segurança e paciência. Temos de dar tempo a cada pessoa, o seu tempo, respeitando o seu ritmo e as suas dificuldades.
É por isso que, de uma forma generalizada (e não apenas no contexto das estruturas eclesiásticas), precisamos desenvolver estruturas que permitam um processo de escuta empática, aceitando as palavras e os silêncios e saibam, depois, acompanhar e encaminhar.
Rute Agulhas é psicóloga, perita forense e coordenadora do Grupo VITA