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Entrevista Renascença

​“Queria retratar e reforçar a humanidade de Salgueiro Maia”, diz realizador Sérgio Graciano

08 abr, 2022 - 23:55 • Maria João Costa

Estreia a 14 de abril o filme “Salgueiro Maia – O Implicado” de Sérgio Graciano. O realizador considera que “ainda hoje ele não é uma figura muito unanime” e está expectante com a reação dos espetadores. Rodado em pandemia, o filme conta com a neta do capitão de Abril.

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Na véspera da estreia do filme “Salgueiro Maia – O Implicado” o realizador Sérgio Graciano ainda se recorda com emoção o momento em que a neta do capitão de abril pisou o plateau das rodagens do filme. Foi no Largo do Carmo “ela entrega um cravo ao Tomás Alves, o ator que faz de Salgueiro Maia e dá-lhe um abraço. Foi um abraço muito emotivo. Foi um momento de silêncio” nas rodagens.

A cena faz parte do filme que estreia a 14 de abril, e com o qual o realizador quer “retratar e reforçar a humanidade de Salgueiro Maia”. Em entrevista à Renascença, Graciano lembra que o capitão de abril mostrou “uma dedicação incrível a um país, mesmo quando o país esteve de costas para ele”.

Rodado em plena pandemia, com a Direção-Geral de Saúde sempre por perto para garantir que as condições estavam a ser respeitadas, “Salgueiro Maia” é um “filme sobre a liberdade” que estreia “quando vivemos momentos que estão nos antípodas da liberdade”, refere o realizador.


Como nasceu a ideia de fazer esta biografia sobre o Salgueiro Maia?

Foi o António Sousa Duarte e o José Gandarez que tiveram a ideia de fazer este "bio pic", ligaram-me e eu fui ao escritório da Sky Dreams. Falaram-me da proposta do filme, da ideia, se eu achava bem? Como é que se pode dizer que não a uma biografia de Salgueiro Maia?! Claro que aceitei e depois foi um processo normal.

Como foi criar o guião?

Eu chego quando o guião já tem uma primeira versão escrita. Depois li, dei as minhas notas, desenvolveu-se uma terceira ou quarta versão do guião e depois fomos ultimando os detalhes até chegarmos ao filme.

Tinha memória de Salgueiro Maria?

Eu lembro-me perfeitamente do Salgueiro Maia, não sou assim tão novo, por isso era uma pessoa bem presente na minha vida porque ele morreu em 1992 e eu já tinha 17 anos e lembro-me perfeitamente. Sei o que ele fez pelo nosso país, por isso é uma memória boa minha e agora vamos ver se é uma boa memória para todos os portugueses.

Quis com este filme dar a conhecer o homem por de trás do herói?

Sim, acho que já todos conhecíamos um bocadinho do herói, ou se não conhecíamos deveríamos conhecer. Mas acho que o filme incide mais em cima da história da pessoa de Salgueiro Maia, não tanto do herói. Fui à procura deste Salgueiro Maia. Falei com a Natércia [viúva de Salgueiro Maia], falei com alguns capitães de abril, mas confesso que foi com base nas minhas conversas com a Natércia que foi crescendo e ganhando forma este homem. Não sei se o fiz tão fiel aquilo que ela imaginava dele ou ainda se lembra, mas ela na antestreia disse-me que eu lhe dei toda a humanidade. Havia coisas que ela achava diferentes, mas pelo menos em humanidade, estava lá. Fiquei feliz porque no fundo era isso que queria retratar e reforçar, a humanidade de Salgueiro Maia.

Há algum familiar de Salgueiro Maia que entre no filme?

Entra a neta, a Daniela que nunca o conheceu o avô, mas o António Sousa Duarte achou por bem que alguém da família entrasse no filme, então a dada altura nas cenas da Revolução, no Largo do Carmo, ela entrega um cravo ao Tomás Alves, o ator que faz de Salgueiro Maia e dá-lhe um abraço. Foi um abraço muito emotivo. Foi um momento de silêncio no plateau, como há poucos. Ali pairou uma coisa estranha. Foi muito bonito.

Este é um filme que foi rodado em plena pandemia. Como foram as filmagens?

Foi horrível, porque foi o primeiro filme a ser rodado. Era o desconhecimento total, havia muitas dúvidas. Nós estamos sempre de máscara, sempre de álcool-gel, púnhamos luvas. A DGS passava na rodagem com a polícia para se certificar que estávamos com os figurantes certos. Foi horrível. Foi a primeira reação a tudo. Foi um filme bastante difícil por isso. Era o desconhecido. Ainda ninguém sabia nada sobre a doença e tivemos que rodar uma longa-metragem.

Isso tudo atrasou o filme?

Sim, o filme já deveria ter estreado há um ano e tal. Com a pandemia atrasou. Acho que nada mais a propósito, porque de repente estamos a estrear nos 30 anos da morte de Salgueiro Maia. Estreia um filme sobre a liberdade quando nós vivemos momentos que estão nos antípodas da liberdade. De repente não sabemos o que podemos dizer, escrever e ler. A intolerância está a começar a vincar-se na nossa sociedade, então de repente parece que estamos a abandonar uma liberdade que o Salgueiro Maia ouso conquistar para nos encaminharmos para uma liberdade que escolhemos não ter. Acho que foi um atraso certo, o do filme!

Parece temer a reação do público ao filme?

Não é tanto receio. Eu gostava que as pessoas se emocionassem com o filme. É o que procuro sempre com os meus filmes. Não é tanto que gostem, até porque eu não penso demasiado nisso. Mentiria se dissesse que o público não importa. Qualquer realizador que diga que o público não importa está a mentir. Importo-me. Quero que as pessoas vejam, que gostem, mas quero que se emocionem. É por isso que vamos ao cinema! Para nos emocionarmos, seja para rir ou chorar! Para levarmos alguma coisa daquele filme e era isso que eu gostava.

Foi difícil encontrar o rosto para dar corpo a Salgueiro Maia?

Não. Na primeira reunião que tiveram comigo eu imediatamente falei no Tomás Alves, até porque já me tinha lembrado que ele era parecido com o Salgueiro Maia, porque já tinha trabalhado muitas vezes com ele. É o ator com quem eu trabalhei mais vezes. Parece-me parecido fisicamente, e depois é um ator incrível. Sabia que ia fazer bem o filme, e fez. Com as semelhanças todas pareceu-me perfeito!

O que aprendeu com Salgueiro Maia?

A convicção, a humanidade, a resiliência. O Salgueiro Maia era só qualidades. Tinha alguns defeitos, mas eu só lhe vejo qualidades. Acho que há poucos homens como ele. Deveria haver muitos mais. O que tirei dele foi uma dose se humanidade incrível, uma dedicação incrível a um país, mesmo quando o país esteve de costas para ele. É esse o maior ensinamento.

Sente que não foi feita a devida justiça a Salgueiro Maia?

Acho que ainda hoje ele não é uma figura muito unanime. O facto de ele não ter escolhido nenhum lado, fez com que tivesse sido posto completamente de parte. Ele escolheu Portugal, não escolheu ser de um partido de esquerda ou direita. Não escolheu uma carreira. Escolheu ser português e isso fez com que ele ficasse mais pequeno do que aquilo que ele era.

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