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Crónica

A irrelevância política da Igreja

29 fev, 2024 • Rosa Pedroso Lima


Os “temas” da Igreja estão fora da agenda política e ainda mais dos alinhamentos mediáticos. E, a avaliar pelo correr das águas, dificilmente voltarão a fazer deles parte.

A avaliar pelo que se assistiu nos debates televisivos que marcaram a pré-campanha das próximas Legislativas - e assistimos muito tempo e fomos muitos milhares de espectadores - a Igreja portuguesa tornou-se uma irrelevância política. Nem ela, nem os valores que defende, marcaram presença na longa maratona de esclarecimento para as eleições que se aproximam. Sinais dos tempos? Ou de uma Igreja que se condena e se conforma em falar apenas para dentro, resistindo a tomar parte no mundo em que vive e onde quer atuar?

E houve, seguramente, muitas oportunidades nas perto de dezassete horas de discussão entre os líderes políticos que concorrem a estas eleições. Os debates escorregaram nas horas, encheram noites televisivas com uma avalanche de comentários pós-programa mas, na verdade, só uma vez – uma vez apenas, sublinhe-se - a Igreja foi chamada a antena. E, apenas e só, quando a moderadora da SIC Notícias interpelou o candidato do Chega sobre a sua “fé e devoção ao cristianismo” e o aparente “desalinhamento em relação ao que André pensa e o que a Igreja defende” em matéria de imigração. Foi no dia 6 de fevereiro, no debate com o líder da Iniciativa Liberal e o assunto foi arrumado em segundos e chutado para canto.

Podia ser só uma falta de comparência, explicável num mundo cada vez mais laico, numa sociedade cada vez mais distante de filiações religiosas e onde o princípio de “a César o que é de César” é confortável para todos, Igreja incluída.

Mas, o problema é mais vasto do que isso. Não foi só a Igreja a estar ausente. Também todos os temas que são caros aos católicos faltaram à chamada dos debates televisivos: nem uma palavra sobre a pobreza, as desigualdades, a paz, a inclusão ou sobre qualquer forma de desrespeito pela dignidade da pessoa. Nem uma palavra, repito. Porque os “temas” da Igreja estão fora da agenda política e ainda mais dos alinhamentos mediáticos. E, a avaliar pelo correr das águas, dificilmente voltarão a fazer deles parte.

Só que este silêncio, infelizmente, não significa que está tudo bem. Basta lembrar dois dos temas centrais – a paz e a pobreza – para recordar o quanto o mundo enfrenta uma guerra em várias frentes e o quanto, em Portugal, a miséria ganha foros de uma tragédia silenciada. Meio milhão de portugueses vivem numa condição “severa de privação material e social”, diz a Cáritas, num relatório recente, que mostra como as estatísticas se mantêm inalteradas ao longo dos últimos anos, apesar de todas as promessas, boas intenções e vontade de mudança.

A política e os media arredaram a Igreja das suas agendas, mas isso não é, nem uma condenação eterna, nem uma inevitabilidade das sociedades modernas. O próprio Papa Francisco incentiva os católicos, leigos ou sacerdotes, a uma intervenção política direta. “Embora a Igreja respeite a autonomia da política, não relega a sua própria missão para a esfera do privado”, disse o Papa na Fratelli Tutti. A Igreja “não pode nem deve ficar à margem na construção de um mundo melhor”, nem os seus ministros “podem renunciar à dimensão política da existência que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral”, diz o Papa.

Mas, por cá, há poucos sinais desse espírito missionário. É certo que os bispos do Porto e de Setúbal participaram em manifestações, ora de polícias, ora de médicos, dando voz e solidariedade à defesa dos seus direitos. É verdade que em muitas dioceses foi feito o apelo ao voto e à participação eleitoral. Mas há um longo caminho a fazer. “As decisões políticas do dia a dia não podem ser alheias àquilo que é a nossa sensibilidade e a nossa leitura católica ou de outra religião”, disse D. Américo Aguiar em entrevista recente à RTP3. O problema é que são. E temo que assim continuarão a ser.

Comentários
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  • Luis Oliveira
    29 fev, 2024 CESAR 12:56
    Quem me dera poder discordar destas palavras, pela tragedia que encerram, mas tenho de concordar completamente com esta verdade. Os politicos têm medo de falar de Deus, apesar de defenderem a su fé. Ontem foram mais longe, quando alguem com coragem fala que é preciso devolver a voz ao Povo sobre o MAIOR ESCANDALO da nossa Sociedade, o aborto, foi literalmente celindrado pelos Não Crentes, pelos "pseudocrentes", por todos, todos, todos. ...Uma voz do Céu por "apenas" um ser humano, perguntou a Caím, ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO? QUE FIZESTE? se na altura "Apenas" por essa vida, rasgaram-se os Céus para Deus nos Mostrar quanto vale cada vida, QUEM, responderá pelas quase 300.000 Crianças Privadas da Vida nestes 17 anos, maioria privadas da Vida SÓ PORQUE SIM... Respostas não tenho... mas este numero 300.000 impede-me de viver a minha vida sem INQUIETAÇÕES, VÁRIAS E TERRIVEIS. um dia colocados diante da pergunta, onde está o teu irmão? que fizeste? que responderemos...? Éste é o tempo favorável... Santa Quaresma para todos